domingo, 28 de dezembro de 2014

Brasil: O PAPEL DAS COMISSÕES DA VERDADE DA ESCRAVIDÃO



Afropress, editorial

A criação, pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), da Comissão da Verdade da Escravidão se constitui em oportunidade única, não apenas para que se faça um balanço dos resquícios do escravismo, que permanecem entre nós em pleno século XXI, mas também para a inclusão do tema na agenda política do país. (Na foto da capa o presidente da OAB nacional, Marcus Vinícius Furtado Coelho).

Não se discute aqui paternidade da iniciativa, ou que motivações outras possam ter tido seu autor ou autores. O que se trata é de levar adiante o debate para as seccionais e subseções da Ordem em todo o país como em boa hora fez a subsecção da OAB de Cubatão, cidade com maior percentual de população negra na Baixada Santista, presidida pelo advogado Luiz Marcelo Moreira.

O debate em torno da desvantagem acumulada por 53 por cento da população brasileira, resultante de quase 400 anos de escravidão (o Brasil foi o último país do mundo a abolí-la), não pode mais continuar aprisionado, pela agenda de partidos que, sem exceção, praticam racismo institucional.

O que se tem visto nos últimos anos foi a mediocrização de uma agenda que tem de ser ampla, abrangente e republicana. Os marcos fundamentais para a construção dessa agenda, não podem continuar a ser a subalternidade e ausência de altivez de certas lideranças negras que, baseadas no pragmatismo que lhes garante cargos e espaços nos puxadinhos do poder, aceitam fazer o papel de porta-vozes e símbolos desses partidos, muito úteis nos períodos eleitorais para os espertalhões que se utilizam da política como negócio.

A maior evidência disso ocorreu na última campanha presidencial, quando a maioria negra votou – e garantiu a eleição – da presidente Dilma Rousseff, sem que houvesse sequer um movimento, por mais tímido que fosse, para apresentar uma pauta de reivindicações, ou esboço de um programa que vinculasse e condicionasse o voto negro.

Ao contrário: o que se presenciou foi o adesismo mais descarado, a subserviência sem limites. Os negros brasileiros – homens e mulheres – garantiram a vitória para o segundo mandato da presidente, conforme atestaram todas as pesquisas, em especial, a patrocinada pelo Instituto Patrícia Galvão. Seu voto, contudo, não significou nada mais do que uma adesão sem contrapartida.

O mesmo se tem visto nos quadros da Academia. Nos últimos anos, pelo menos um milhão de jovens chegaram à Universidade, seja pelas cotas, Prouni ou FIES. Aliás, se há um dado a ser registrado nos 12 anos de lulopetismo foi a entrada no ensino superior de milhares de jovens negros e pobres. Mas qual foi a consequência disso para o debate em defesa da inclusão?

Onde estão esses jovens? Engrossando uma nova agenda para o país, em que nós negros, entremos pela porta da frente, ou simplesmente voltados às suas carreiras em busca de engordar seus próprios currículos, com as vantagens inerentes aos títulos de mestres e doutores, que legitimam falas e garantem o sucesso das trajetórias acadêmicas?

A criação da Comissão da Verdade da Escravidão, sem dúvida, é um instrumento que permitirá a abertura do debate sério em torno das circunstâncias de como ocorreu a Abolição no Brasil, bem como a proposição de políticas públicas que comprometam os Governos com uma agenda de ações afirmativas e de reparação.

Essa agenda de ações afirmativas a ser apresentada e negociada com os Governos, desde os municípios, passando pelos Estados até a União, será mil vezes mais eficaz do que a estridência de bandeiras que são levantadas por determinados grupos, quase sempre, apenas para dar vazão a ausência de propostas e a serviço das legendas às quais suas lideranças estão vinculadas, e que acabam por transformar a luta contra o racismo, por inclusão e por democracia, em propaganda estéril e vazia.

Que em cada cidade deste país se constituam as Comissões da Verdade da Escravidão, que se envolvam pesquisadores, historiadores e ativistas nessa tarefa e, que ao final, construamos os meios e os caminhos para um ajuste final de contas com a herança do escravismo. É o que se tem a fazer e já!

Na foto: Esclavagismo no Brasil contemporâneo


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