Tomás
Vasques – jornal i, opinião
Esta
suposta “viragem à esquerda” do PS deu lastro aos partidos da direita, PSD e
CDS-PP, para acenarem ao centro
O
discurso do novo secretário-geral dos socialistas, no encerramento do Congresso
do partido, provocou um alarido político durante a semana passada. Não era caso
para tanto e só se justifica porque a direita, com a sua esmerada sonsice política,
tem marcado o compasso, a seu favor, de uma agenda vazia de discussão política
séria. António Costa disse o elementar: “Não é possível ser alternativa às
actuais políticas com quem quer precisamente prosseguir as actuais políticas”.
O líder socialista já tinha dito o mesmo, por outras palavras, durante os
debates nas primárias: “Se pensarmos como a direita pensa, acabamos a governar
como a direita governou. A mudança necessária exige ruptura com a actual
maioria e a sua política.” O facto de Francisco Assis, o cabeça de lista do PS
às eleições europeias (cujos resultados foram os que conhecemos e que, como
consequência imediata, afundou António José Seguro), ter acentuado a sua
divergência com este elementar separar de águas, recusando qualquer cargo nos
órgãos do partido, e assumindo claramente a necessidade do PS concretizar um
acordo de governo com a direita, para que a Pátria seja salva, veio apimentar
este debate. Também Basílio Horta disse: “Um governo PS-CDS-PP? Seria um grande
governo”.
Esta
suposta “viragem à esquerda” do PS deu lastro aos partidos da direita, PSD e
CDS-PP (é um eufemismo, no actual contexto político, classificar qualquer um
destes partidos de “centro-direita”, como o faz Francisco Assis), para acenarem
ao centro, junto da classe média, que tanto massacraram neste três anos de
governo, com o papão do “comunismo”. O próprio António Costa, intuindo o
perigo, veio aliviar a carga, ao dizer: “É preciso ser muito radical para achar
que um discurso humanista é um discurso esquerdista”. No polo oposto, os
comunistas e bloquistas acusaram o toque de serem tratados como meros “partidos
de protesto”, sem nunca se comprometerem com soluções para o país, para
exigirem aos socialistas, como começo de conversa, que se submetam às
estratégias gizadas pelo comité central do PCP ou pela direcção colectiva do
Bloco de Esquerda. Estas posições políticas radicais dos dois extremos – o da
direita e o da esquerda comunista – anulam-se mutuamente, o que facilita a
estratégia de António Costa na procura de uma alternativa às políticas do
governo de direita sem se deixar enlear nos “amanhã que cantam”.
Do
discurso de António Costa parecem transparecer três contornos: primeiro, sem
uma demarcação clara da direita que nos tem governado não há qualquer possibilidade
de renovar a esperança, nem motivar os cidadãos para novos desafios; segundo, a
classe média – esse grande “centrão”, onde cabe a maioria dos portugueses que
decidem os resultados de qualquer eleição, perderam nesta crise grande parte
das suas referências, desde a estabilidade salarial à mobilidade social,
estando eventualmente muito mais receptivos a mudanças, incluindo rupturas
políticas significativas; terceiro, no eleitorado que vota tradicionalmente à
esquerda, nota-se cada vez mais um desencanto com os partidos que remetem para
as calendas gregas as soluções imediatas da vida das pessoas, aquelas coisas
comezinhas do dia-a-dia: o salário, o emprego, a reforma, a saúde, a educação
dos filhos. E é por aqui, por esta porta, que pode entrar a plataforma
eleitoral à volta do LIVRE, que mereceu destaque especial no congresso do PS, o
qual pode capitalizar descontentamentos e ânsias de mudança a que o PCP e o
Bloco não correspondem.
Em
suma, o PS, o partido de Francisco Assis e de Basílio Horta, tanto como de
Manuel Alegre e Mário Soares, precisa que à sua esquerda nem todos os gatos
sejam pardos para poder estabelecer diálogos e compromissos à esquerda que lhe
permitam fazer a ruptura política (e ideológica) com a direita a que meio
mundo, desde a direita ao Presidente da República, passando pelos comunistas,
a quer amarrar.
Jurista.
Escreve à segunda-feira
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