Carvalho
da Silva – Jornal de Notícias, opinião
Um
conjunto de acontecimentos, no plano nacional, europeu e mundial estão a marcar
este início de 2015: encontramo-nos a participar, pela nossa ação ou inação, em
grandes transformações e mudanças. Novos tempos estão emergindo. As nuvens
negras adensam-se e podem dar origem a tempestade. A agitação moral e a de
espírito já são fortes.
Coloco
em relevo duas situações no plano nacional - urgências hospitalares e venda da
PT - e outras duas no plano europeu - decisões do Banco Central Europeu (BCE) e
eleições na Grécia.
O
Serviço Nacional de Saúde está no limite das condições para ainda poder ser
salvo. Esta semana, o secretário de Estado da Saúde disse que é preciso retirar
da "conflitualidade política" as notícias sobre situações de caos nas
urgências hospitalares e o aumento significativo da média mensal de mortes,
porque são alarmismos.
O
que é alarmista e intolerável não são as notícias sobre aqueles factos mais que
provados, mas sim o encobrimento que o Governo faz da realidade, a não tomada
de medidas de curto prazo a tempo e a horas, a não adoção, em tempo útil, de
soluções sistémicas de longo prazo.
Se
os cuidados de saúde estão mais distantes das pessoas, se em muitos casos o
número de médicos, enfermeiros e outros profissionais está abaixo de mínimos exigidos,
se aumentaram as dificuldades económicas e financeiras das pessoas e das
famílias, inevitavelmente existe um crescendo de riscos. As precariedades e
inseguranças dos profissionais da saúde são criminosas. Uma boa equipa de saúde
exige conhecimentos partilhados, rotinas trabalhadas, construção de mecânicas
de relacionamento e ação conjunta que levam tempo a adquirir. Não podemos
aceitar a trapaça de que se resolve o problema das urgências com médicos e
enfermeiros contratados nas novas praças de jorna.
A
PT foi vendida à Altice. Ninguém sabe com segurança qual o seu futuro. Mas é
uma evidência que a sujeição às imposições da troika e a ânsia neoliberal do
Governo PSD/CDS contribuíram fortemente para colocar na mão de capital
estrangeiro mais uma grande empresa e podem-na ter afetado irremediavelmente.
A
PT foi criada ao longo de décadas, e bem, pelo Estado português. O enfeudamento
desta grande empresa da economia real aos interesses estratégicos de um grupo
financeiro (o GES/BES) e a ação de gestores predadores a sacarem para os
acionistas o maior lucro possível no mais curto espaço de tempo, constituíram
os fatores determinantes para o desastre.
É
preciso continuar a questionar o rumo adotado e responsabilizar os culpados
pelos danos materiais causados. Os prémios de gestão pagos desde 2010 devem ser
devolvidos. Um projeto de telecomunicações com qualidade, capacidade inovadora
e centro de decisão em Portugal é indispensável.
O
BCE decidiu pôr mais dinheiro a circular, em nome do combate à deflação e do
apoio ao investimento. Aparentemente é uma medida positiva que já devia ter
sido adotada há mais tempo e que ao nosso país pode permitir, no imediato,
algum controlo sobre o custo da dívida pública. Mas quando todo o processo se
conhecer, talvez se conclua que os estados (em particular os mais débeis, como
Portugal) "compraram" um novo encargo e que se deu mais um passo no
sentido da desagregação do projeto europeu solidário do nosso imaginário. Por
agora, sabemos que o BCE vai comprar dívida pública aos Bancos para que estes
possam disponibilizar capitais para o investimento. Quanto desse dinheiro vai
chegar à economia real? Quanto se vai esgueirar para a especulação? E vai haver
aumento de salários e de pensões por forma a gerar procura?
Os
gregos vão a eleições amanhã, depois de terem sido pressionados, insultados e
chantageados. Parecem não abdicar de fazer escolhas livres. Emociono-me pela
sua coragem. O povo grego resistiu corajosamente a Mussolini, sofreu horrores
na II Guerra Mundial e após a guerra apoiou a ação de solidariedade com o povo alemão.
É curioso que hoje uma das "reivindicações esquerdistas" de que
acusam o Syriza seja o facto de este partido querer que os alemães tratem a
dívida grega, como os gregos trataram a dívida alemã à saída da guerra. Vai ser
muito difícil existir um governo grego que consiga governar contra o Banco
Central Europeu e contra toda a corja de especuladores. E vão surgir
contradições.
Sobre
o fio da navalha, não desarmemos. Há sinais de esperança. Não há rumos pré-definidos
e podemos construir caminhos novos.
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