Sabendo
de ginjeira o que a casa gasta e, ao mesmo tempo, o poder de quem manda, o juiz
conselheiro do Tribunal Constitucional (TC), Onofre dos Santos, disse hoje não
antever pedidos de verificação da constitucionalidade do Orçamento Geral do
Estado para 2015.
Orlando Castro
Só
faltava essa. Alguém se atreve a pensar que Angola é uma democracia e um Estado
de Direito? Não. Ninguém porá em causa o poder, considerado aliás divino, do
monarca nunca nominalmente eleito e no poder desde 1979, José Eduardo dos
Santos.
A
posição do juiz Onofre dos Santos foi assumida, em Luanda, durante a
conferência “Limites constitucionais às reformas em tempos de crise”, promovida
pela Universidade Católica de Angola, tendo sublinhado que, apenas se
solicitado, aquele órgão, composto por onze elementos, se poderá pronunciar
sobre o OGE.
“Daquilo
que resulta deste Orçamento não há nada que permita pensar sequer que vai haver
algum pedido de declaração de inconstitucionalidade. Porque é verdade que
porventura qualquer de nós estivesse no Governo, ou se fosse outro partido a
governar, provavelmente a afectação das verbas era diferente. Se todos os
programas fossem iguais, só havia um partido”, apontou o juiz conselheiro.
E
não tem sido isso que acontece num país que é (des)governado desde 1975 pelo
MPLA, que é dirigido desde 1979 por José Eduardo dos Santos, por sinal e desde
a mesma altura Presidente da República e líder do Governo?
O
novo OGE para 2015, revisto pelo Governo angolano para acomodar a forte quebra
nas receitas fiscais petrolíferas, prevê um corte de um terço nas despesas
totais, afectando todos os sectores, tendo sido anunciado o congelamento das
admissões para a Função Pública, alvo de concursos anteriores.
No
Parlamento, onde se fez um simulacro de democracia com o recurso a uma
encenação de discussão na generalidade, a oposição encarnou o papel de
figurante e criticou, duramente segundo o guião aprovado pelo MPLA, o documento
e as opções do Executivo para contrariar a crise.
A
veleidade de pedir a verificação da constitucionalidade do OGE pode ser
protagonizada, entre outros, pelo Presidente da República, pelas bancadas
parlamentares, por um terço dos deputados eleitos à Assembleia Nacional, pelo
Provedor de Justiça ou pela Ordem dos Advogados.
Ninguém
de bom senso o vai fazer. Os que não são figurantes são sipaios ao serviço de
sua majestade. Os figurantes sabem que o seu papel é mesmo esse: figurantes. E
assim sendo, ficarão calados e quietinhos.
“Se
porventura se dá mais dinheiro para a habitação do que para o saneamento
básico, onde é que está inconstitucionalidade? Pode é ser uma má medida do
Governo, mas não é uma inconstitucionalidade e o TC não está aqui para
governar, independentemente daquilo que eu posso pensar que é melhor”,
sublinhou Onofre dos Santos.
Façamos
um pequeno exercício de memória… constitucional. Com a sua sisudez soviética
onde aprendeu tudo o que sabe, José Eduardo dos Santos disse a propósito da
Constituição, que “o povo angolano conquistou pela primeira vez uma
Constituição genuinamente nacional que assinalou o fim do período de transição
em que vivíamos (desde 1991, com a abertura ao multipartidarismo) e que
instaura definitivamente um Estado democrático e de direito”.
Para
os leitores menos habituados a esta linguagem figurativa do dono de Angola,
importa fazer a tradução. “Constituição genuinamente nacional” significa que
foi exclusivamente feita pelos angolanos de primeira e para os angolanos de
primeira, ou seja os do MPLA.
“Estado
democrático e de direito”, quer dizer um reino onde o clã Eduardo dos Santos dá
total liberdade aos súbditos para seguiram o MPLA, bem como para perceberam a
filosofia democrática do regime: “quero, posso e mando”.
Respondendo
a críticas, com destaque para a UNITA, Eduardo dos Santos disse, diz e dirá que
a Constituição “é fruto de um prolongado debate aberto, livre e democrático com
todas as forças vivas da Nação”.
Tem
razão. O debate foi aberto, livre e democrático. Todos puderam falar do
assunto, propor alternativas e contestar. Todos aqueles que ainda não tinham
percebido que esse debate era folclore e que a Constituição seria aprovada
segundo as regras e interesses do regime. Tal como o actual OGE.
O
presidente lembrou ainda que esta Constituição “reafirma e consagra” entre os
seus princípios estruturantes a democracia pluralista e representativa, o
carácter unitário do Estado, a valorização do trabalho e o respeito pela
dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa económica e empresarial, a justiça
social, a participação dos cidadãos e o primado da lei.
Esta
foi aquela parte tirada de outras leis fundamentais que ficam sempre bem, mas
que não são para cumprir. Além disso dão sempre um jeitão aos juízes do
Tribunal Constitucional.
Se
a existência de partidos é, só por si, sinónimo da de democracia, se calhar o
regime de Salazar também era democrático. Para haver democracia, julgam alguns
peregrinos das causas humanas, é preciso que o poder não esteja na mão de uma
só pessoa, é preciso que o poder legislativo seja eleito, que o poder executivo
seja eleito, ou que emane do poder legislativo eleito, que o poder judicial
seja independente, que o Povo saiba quem elege ou quem não elege. Nada disto é
verdade em Angola.
Assim,
o presidente da República é o “cabeça de lista” do partido mais votado, mesmo
que só consiga – por exemplo – 25% dos votos (não será o caso do MPLA que é bem
capaz, sempre que entenda necessário, de passar os 100%).
Além
disso, o presidente nomeia o Vice-Presidente, todos os juízes do Tribunal
Constitucional, todos os juízes do Supremo Tribunal, todos os juízes do
Tribunal de Contas, o Procurador-Geral da Republica, o Chefe de Estado Maior
das Forças Armadas, os Chefes do Estado Maior dos seus diversos ramos .
Melhor
do que isto não se conhece. Ou melhor, conhece-se na Coreia do Norte. Nem mesmo
Jean-Bédel Bokassa, Idi Amin Dada ou Mobutu Sese Seko fizerem algo de
semelhante.
Folha
8 Diário (ao)
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