Afonso Camões – Jornal de Notícias, opinião
A
crise económica fraturou a sociedade e desfigurou a pirâmide social, ao romper
a utopia de que todos éramos classe média. As estatísticas já nos tinham
confirmado, em janeiro, que o risco de pobreza continua a aumentar, atingindo
os dois milhões de portugueses. Desta vez, o retrato negativo vem da Comissão
Europeia. Bruxelas diz que os cortes impostos pelo Governo de Lisboa nas
prestações sociais tiveram um impacto desproporcionado sobre os já muito
pobres, que o sistema de proteção é inadequado e não tem sido capaz de lidar
com a subida do desemprego.
Ora,
sabendo nós que a proximidade de eleições levanta sempre mais poeira do que uma
manada em transumância, é crucial que os partidos se comprometam com o tema que
mais interessa a portugueses e europeus: como voltar a criar riqueza e emprego.
Da
esquerda à direita, as alternâncias entre PS e PSD sempre foram mais ou menos
conflituais e desabridas, mas nunca esteve em causa o regime saído da revolução
e da normalização democrática.
Acontece
que, por toda a Europa, os anos de austeridade estão a implodir o centro, onde
outrora se ganhavam as batalhas eleitorais, e a pulverizar os partidos do
"arco do poder", incapazes de responder à desilusão.
Como
se a crise não bastasse, os frequentes episódios de corrupção no sistema põem
em evidência a promiscuidade entre a política e o dinheiro e romperam o vínculo
de confiança com a cidadania. Isto, enquanto a fobia da insegurança está a
fazer renascer os nacionalismos radicais.
A
erupção de novos partidos desperta novas fantasias, mas agora à custa do
colapso ou do esvaziamento dos partidos do centro, em especial os que se
reclamam da social-democracia. Vejam-se os sinais que vêm da Grécia, de
Espanha, de França...
Por
cá, onde os ventos de mudança chegam quase sempre mais tarde, é tempo de os
partidos do "arco da governação" se confrontarem com os seus
destinos. São, como todos nós, livres para fazerem as suas escolhas, mas serão
prisioneiros das consequências.
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