terça-feira, 3 de março de 2015

Angola. AS DEMOLIÇÕES E O DIREITO À HABITAÇÃO



Filomeno Manaças – Jornal de Angola, opinião

O Parlamento angolano realizou sexta-feira mais um debate e, desta feita, o tema foi sobre “As demolições, Direito à Habitação e à Qualidade de Vida”.

Um assunto caro ao país porque temos todos acompanhado os esforços do Executivo no sentido de proporcionar habitação condigna aos cidadãos, através de iniciativas que estão em curso em todas as províncias, como a construção de novas centralidades, a promoção de programas de auto-construção dirigida e a constituição de reservas fundiárias destinadas a desenvolver projectos habitacionais.

É óbvio que para um país como Angola, onde até bem pouco tempo a guerra não dava espaço para concretização de projectos urbanísticos, é grande a pressão populacional e, por conseguinte, a demanda por habitação e outros serviços de qualidade.

Não é pois de estranhar que, numa tal conjuntura, as populações tendam a encontrar soluções pelos seus próprios meios, nem sempre os mais aconselháveis e apropriados, para resolver uma questão que é essencial à estabilidade das famílias: o da habitação.

O país inteiro, desde as zonas urbanas às rurais, está prenhe de exemplos de um crescimento populacional superior à capacidade de construção de fogos habitacionais. É uma realidade que tem levado ao surgimento desordenado de bairros, cuja construção entra em conflito com os interesses do Estado, nomeadamente com a sua política de ordenamento do território e com a execução de grandes projectos destinados a gerar novos empreendimentos económicos ou, até mesmo, planos concebidos para a construção de habitações em áreas devidamente infra-estruturadas e urbanizadas e de acordo com um modelo que vai conferir outra qualidade de vida aos seus beneficiários.

Diante do interesse maior do Estado, é indubitável que prevalece este sobre outro qualquer. A expropriação por utilidade pública, com a devida indemnização, e as demolições, por razões diversas, entre as quais as apontadas atrás e até mesmo com o propósito de evitar riscos maiores para as populações, quando se verifica serem notórios e possíveis ou iminentes, têm lugar como solução legalmente consagrada.

Como bem concluíram os deputados, “as demolições de casebres devem ocorrer de acordo com o princípio de justiça social, clarificando as razões, condições oferecidas pelo Estado e em que condições podem estar as populações sujeitas às demolições”.

Em termos gerais, é o que tem ocorrido, não obstante se exija um maior exercício de pedagogia, porque nem sempre a informação chega ao destinatário da melhor maneira e, por outro, nota-se sempre a tendência do predomínio de uma certa opinião geral: a de que o Estado manda demolir indistintamente e sem qualquer critério as construções dos populares.

A ideia de que não se pode culpabilizar a população pelas construções em zonas de risco é uma forma de pactuar com a irresponsabilidade e negligência, que estão na base do surgimento de catástrofes que, sobretudo no tempo de chuva, têm vitimado várias famílias angolanas e resultado em prejuízos humanos e materiais. E isso acontece sobretudo quando nas construções são usados materiais precários, em terrenos pouco seguros, em encostas que se sabe podem ceder a qualquer momento, a beira dos rios, enfim, em locais onde o risco é iminente e não é apenas dever do Executivo alertar para essas situações e para o perigo que elas representam. Todos os partidos políticos imbuídos de boa-fé deviam incluir essa prática na sua cartilha, e não esperar que haja mortes em tempos de calamidade para direccionar as “baterias da crítica” contra o Executivo e pedir responsabilidades. Agir em sentido contrário é promover esse tipo de conduta.

Como se pode constatar, a problemática da construção cruza com a questão do direito à terra. E foi inteligente o legislador consagrar na Constituição angolana (art.º 15º) “a terra como propriedade originária do Estado, que pode ser transmitida para pessoas singulares ou colectivas, tendo em vista o seu racional e efectivo aproveitamento”, nos termos em que ela prescreve. Entendimento diferente tem a UNITA, que não se tem cansado – diga-se de passagem de forma equivocada, porque atenta contra a soberania nacional – de defender e propalar que a terra não pertence ao Estado, mas sim ao povo.

Nada mais enganoso. É o mesmo que defender o soba que facilita a entrada de um estrangeiro ilegal a troco de cem dólares e vende o seu suposto pedaço de terra por outros tantos. É crime e é procurar cercear o direito do Estado exercer autoridade sobre o mesmo.

Para lá das habituais farpas que a abordagem de assuntos desta natureza suscita entre os partidos com assento parlamentar, temos de convir - como bem frisa o relatório conjunto da Primeira, Segunda, Quinta, Sétima e Décima Comissões da Assembleia Nacional -, que a problemática das demolições, do direito à habitação e da qualidade de vida deve ser enquadrada, no contexto angolano, não como “um fenómeno só agora descoberto, mas sim como um fenómeno a ser abordado de forma contínua”.

Ou seja, o debate não esgotou a panóplia de questões à volta do tema. Desde logo também não foi essa a pretensão, mas a sua realização contribuiu para trazer à luz do dia uma série de aspectos que estão enredados na matéria, que entretanto já está a merecer tratamento de fundo.

Até porque há uma teia de agentes que, imbuídos de má-fé, também opera para que as acções do Executivo sejam torpedeadas e a sua imagem resulte beliscada aos olhos do cidadão comum.

O seu envolvimento na comercialização de espaços em terrenos infra-estruturados, a preços exorbitantes, é uma prática que existe e que requer combate cerrado, à semelhança do que está a ser feito com as aquisições fraudulentas de apartamentos nas centralidades, porque isso concorre para a exclusão de indivíduos de posses menores e acaba por afectar, de certo modo, a eficácia da política de luta contra a pobreza, já que o acesso à habitação é também uma componente da sua valorização.

E não são inocentes as acções de ocupação anárquica de terrenos já demarcados, quando se descobre existirem pessoas que já possuem habitação.

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