domingo, 1 de março de 2015

Portugal. CEM DIAS DE SOLIDÃO



Domingos de Andrade – Jornal de Notícias, opinião

A gestão de expectativas é uma das artes da política. A outra é a criação e a destruição de mitos. António Costa não está a fazer nenhuma bem. Pedro Passos Coelho, fazendo tantas coisas mal, faz aquelas bem. Recapitulando: o líder do PS surgiu em alta no partido e no país. Criou a ideia de mudança, do novo, da esperança numa sociedade atrofiada pela austeridade. Empurrou borda fora um líder morno por este não corresponder nas sondagens, por ter ideias vagas. E foi tudo.

Nestes cem dias que leva à frente do Partido Socialista, furtou-se a lançar projetos para o país. Se o fez - e terá feito, aqui e ali -, ninguém se lembra. E dessa fama já não se livra. Ninguém espera que o líder da Oposição apresente o Orçamento para 2016. Mas espera-se que traga ideias concretas, ou, pelo menos, a capacidade de pôr o país a sonhar.

Sucedeu o contrário: manteve-se à frente da Câmara de Lisboa, que lhe consome tempo e desgasta as ideias. Avançou com taxas sobre o turismo, mal explicadas, e prosseguiu com mais taxas para veículos antigos. Também quis perdoar taxas, mas ao futebol. E, sim, disse perante a comunidade chinesa que o país estava diferente, naquela diferença de estar melhor graças a eles. Ou quereria dizer que estava diferente, mas pior graças aos chineses?

Pedro Passos Coelho, sabemo-lo cada vez mais, fez muito mal. Foi mais longe do que a troika. O desemprego galgou, a pobreza aumentou, a educação está pior, a saúde passou o risco, as pensões baixaram e os impostos aumentaram. De reformas sérias e fundas, nem um ai.

Mas Passos Coelho gere bem as expectativas. Primeiro, baixou-as: fez-se o que se tinha que fazer, tirar o país da bancarrota. E alimenta o mito. Foi fundo no nosso ADN judaico-cristão: vivemos acima das possibilidades e quem vive acima das possibilidades tem que ser castigado. Correndo tudo mal, na submissão à Alemanha sobre a Grécia, nos relatórios europeus sobre a situação do país, nas declarações abundantes e contraditórias dentro do Governo, correu-lhe tudo bem graças à oposição que tem.

Agora vem com a esperança, outra vez a tocar no ADN coletivo: quem penou, tem direito à recompensa. A respirar de alívio. É a redenção. Começámos a pagar a dívida, o consumo aumentou. E vem aí dinheiro. Do Portugal 2020 não chegará muito a tempo, mas há todo o do encerramento do QREN, que é imenso. É por isso que ele próprio sonha. Já não quer que se lixem as eleições. Vai bater-se por uma maioria absoluta.

O que parecia impossível passou a expectativa viável. E agora, António Costa?

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