quinta-feira, 12 de março de 2015

Portugal. DIGNIDADE, (NÃO) DIZEM ELES…




Um dos nossos dramas é ter à frente do Governo alguém que não consegue perceber quando - e quanto - a dignidade de Portugal e dos portugueses foi atingida

José Carlos de Vasconcelos – Visão, opinião

1. Ao dizer, com sinceridade e convicção, que, ao contrário do que o presidente da Comissão Europeia afirmara, a dignidade de Portugal e dos portugueses nunca foi afetada pela troika, Pedro Passos Coelho (PPC) deu-nos um retrato muito nítido do que para ele significam Portugal, os portugueses e a sua dignidade. E este constitui um dos nossos dramas: ter à frente do Governo alguém que não consegue sequer perceber quando - e quanto - a dignidade da nossa pátria e do nosso povo foi e é atingida. Não consegue perceber que a dignidade de uma pátria, com quase 900 anos de História, e de um povo, que sofreu várias tiranias mas sempre contra elas se rebelou, é feita de muitas e inseparáveis coisas. Como a liberdade, mormente para definir o seu destino e escolher o seu caminho; a independência nacional, de par com a solidariedade internacional, sobretudo com os mais fracos e os (sob vários aspetos) mais próximos de nós; a Justiça, inclusive social; a possibilidade de trabalho e condições de vida decentes para os cidadãos, no seu país; o respeito dos e pelos outros; a autoestima; etc. 

2. Ora, muitos destes princípios, valores, objetivos, foram violados ou postos em causa pela troika estrangeira e suas políticas, perante o silêncio, com o apoio ou até o aplauso da troika nacional: primeiro e vice-primeiro ministros (o segundo, Paulo Portas, com a habilidade e as "variações" discursivas que se lhe conhecem); e ministro/a das Finanças. Ou seja, primeiro Vítor Gaspar, que após uma carta em que reconhece o falhanço que PPC nunca reconheceu, deixou o Governo português para ir, naturalmente..., para o FMI; depois Maria Luís Albuquerque, que nunca poderá ir para o Governo alemão, mas não entende que não lhe deve dar serventia, como deu agora em relação à Grécia, sendo exibida pelo seu germânico colega germânico - a repetição não é gralha - numa "cena" que também senti humilhante. Porém, o defeito deve ser meu, inveterado portuga e ainda por cima avesso a quem se curva perante os poderosos.  

3. Voltando ao episódio inicial, a declaração de Jean-Claude Juncker é significativa do que o "caso grego" já veio desencadear ou propiciar, e das mudanças que não podem deixar de ocorrer na Europa; a declaração de PPC é, para ser amável, insólita. Porque, recorde-se, ouvimos o muito sabido anterior presidente do Eurogrupo afirmar, com óbvio conhecimento de causa e contra ele próprio, que a "troika é pouco democrática, falta-lhe legitimidade"; e reconhecer - incluindo-se entre os pecadores - que "pecámos contra a dignidade dos povos, especialmente na Grécia e em Portugal". E ouvimos o chefe do Governo português dizer que não senhor, não "pecaram" - só faltou acrescentar "ora essa", "fazem favor", "quando quiserem"... 

4. Poder-se-á objetar que estando o País na situação que esteve, sujeito a imposições e limitações decorrentes do "memorando de entendimento", tinha que ser assim, a troika portuguesa, sempre com a bênção do Presidente da República, não podia fazer outra coisa. Mas podia. Podia e devia lutar para minorar tais condicionalismos, (man)ter e erguer uma voz própria - porque pode não se conseguir, mas a dignidade obriga a que não se cale, não se desista e muito menos se ajoelhe. Só que não o fez. Também por estar mais do que de acordo com os pressupostos ideológicos da "austeridade", chegando a ultrapassar o memorando.

5. Isto explica que sendo hoje reconhecido o fracasso da austeridade, até por muitos que a defenderam, PPC e Maria Luís (ML) continuem a apregoar os seus excelsos méritos, contra a Grécia e as políticas diferentes que quer seguir; e contra melhores condições de pagamento da dívida que lhe deviam ser dadas, e de que Portugal poderia beneficiar. Sempre, PPC e ML, mais alemães do que os próprios alemães, quando seria bom que, tendo até no Governo um partido de ascendência democrata-cristã, fossem antes mais papistas do que o Papa!...

Grécia que, entretanto, no acordo precário agora celebrado no Eurogrupo, abandonou muito do que constava do seu programa - mas, fundamental, lutou pelo que entende indispensável para a dignidade do país e do povo, nesse domínio tendo "ganho de causa".

Sem comentários:

Mais lidas da semana