Nota
prévia. O texto que se segue foi aqui publicado no passado dia 13 de Fevereiro.
“Se volta a publicar algo de semelhante tiramos-lhe a tosse”, diz o mais
explícito aviso anónimo recebido nas últimas duas semanas. Para que não restem
dúvidas, não se publica “algo de semelhante” mas exactamente o mesmo texto.
Orlando
Castro
O
MPLA está no poder desde 1975 e por lá vai ficar. Com o poder absoluto que tem
nas mãos (é também o presidente do MPLA e chefe do Governo), José Eduardo dos
Santos é um dos ditadores ou, na melhor das hipóteses, um presidente
autocrático, há mais tempo em exercício.
África,
em nada abona do ponto de vista democrático e civilizacional a seu favor. Sabe
todo o mundo, mas sobretudo e mais uma vez África, que se o poder corrompe, o
poder absoluto corrompe absolutamente. É o caso em Angola.
Só
em ditadura, mesmo que legitimada pelos votos comprados a um povo que quase
sempre pensa com a barriga (vazia) e não com a cabeça, é possível estar tantos
anos no poder. Em qualquer estado de direito democrático tal não seria
possível.
Aliás,
e Angola não foge infelizmente à regra, África é um alfobre constante e
habitual de conflitos armados porque a falta de democraticidade obriga a que a
alternância política seja conquistada pela linguagem das armas. Há obviamente
outras razões, mas quando se julga que eleições são só por si sinónimo de
democracia está-se a caminhar para a ditadura.
Com
Eduardo dos Santos passa-se exactamente isso. A guerra legitimou tudo o que se
consegue imaginar de mau. Permitiu ao actual presidente perpetuar-se no poder,
tal como como permitiu que a UNITA dissesse que essa era (e pelo que se vai
vendo até parece que teve razão) a única via para mudar de dono do país.
É
claro que, é sempre assim nas ditaduras, o povo foi sempre e continua a ser (as
eleições não alteraram a génese da ditadura, apenas a maquilharam) carne para
canhão.
Por
outro lado, a típica hipocrisia das grandes potências ocidentais, nomeadamente
EUA e União Europeia, ajudou a dotar José Eduardo dos Santos com o rótulo de
grande estadista. Rótulo que não corresponde ao produto. Essa opção estratégica
de norte-americanos e europeus tem, reconheça-se, razão de ser sobretudo no
âmbito económico.
É
muito mais fácil negociar com um regime ditatorial do que com um que seja
democrático. É muito mais fácil negociar com alguém que, à partida, se sabe que
irá estar na cadeira do poder durante toda a vida, do que com alguém que pode
ao fim de um par de anos ser substituído pela livre escolha popular.
É,
como acontece com José Eduardo dos Santos, muito mais fácil negociar com o
líder de um clã que representa quase 100 por cento do Produto Interno Bruto, do
que com alguém que não seja dono do país mas apenas, como acontece nas
democracias, representante temporário do povo soberano.
Bem
visível na caso angolano é o facto de, como em qualquer outra ditadura, quanto
mais se tem mais se quer ter, seja no país ou noutro qualquer sítio. Por muito
pequeno que seja o ditador, o que não é o caso de José Eduardo dos Santo, a
História mostra-nos que tem sempre apreciável fortuna espalhada pelo mundo,
seja em bens imobiliários (como era tradição) ou mais modernamente nos paraísos
fiscais.
Reconheça-se,
entretanto, a estatura política de José Eduardo dos Santos, visível sobretudo a
partir do momento em que deixou de poder contar com Jonas Savimbi como o bode
expiatório para tudo o que de mal se passava em Angola.
Desde
2002, o presidente vitalício de Angola tem conseguido fingir que democratiza o
país e, mais do que isso, conseguiu (embora não por mérito seu mas, isso sim,
por demérito da UNITA) domesticar completamente todos aqueles que lhe poderiam
fazer frente.
Não
creio que, até pelo facto de o país ter estado em guerra dezenas de anos, José
Eduardo dos Santos tenha as mãos limpas de sangue. Aliás, nenhuma ditador com
36 anos de permanência seguida no poder, tem as mãos limpas.
Mas
essa também não é uma preocupação. Quando se tem milhões, pouco importa como
estão as mãos. Aliás, esses milhões servem também para branquear, para limpar,
para transplantar, para comprar (quase) tudo e (quase) todos.
Tudo
isto é possível com alguma facilidade quando se é dono de um país rico e, dessa
forma, se consegue tudo o que se quer. E quando aparecem pessoas que não estão
à venda mas incomodam e ameaçam o trono, há sempre forma de as fazer chocar com
uma bala.
Acresce,
e nisso os angolanos não são diferentes dos portugueses ou de qualquer outro
povo, que continua válida a tese de que “se não consegues vencê-los junta-te a
eles”. Não admira por isso que José Eduardo dos Santos tenha cada vez mais
fiéis seguidores, sejam militares, políticos, empresários e até supostos
jornalistas.
É
claro que, enquanto isso, o Povo continua a ser gerado com fome, a nascer com
fome, e a morrer pouco depois… com fome. E a fome, a miséria, as doenças, as
assimetrias sociais são chagas imputáveis ao Poder. E quem está no poder há 36
anos é sempre o mesmo, José Eduardo dos Santos. Até um dia, como é óbvio.
Folha
8 (ao)
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