Em
entrevista à DW África, o jornalista e ativista Rafael Marques falou sobre o
caso do Huambo e criticou a ação das autoridades e a ausência de um inquérito
para apurar o que se passou realmente.
Na
província angolana do Huambo continua a haver mortes no contexto do caso
Kalupeteka. De acordo com o site Maka Angola, cerca de 30 aldeões foram mortos
na última segunda-feira (27.04) durante uma operação policial que procurava
crentes da seita “Sétimo Dia - A Luz do Mundo”, liderada por José Kalupeteka.
As informações sobre este caso são contraditórias, e há uma grande discrepância
em relação ao número de vítimas. Também não existem ainda sinais de uma
comissão de inquérito independente.
A
DW África entrevistou Rafael Marques, jornalista e ativista angolano dos
direitos humanos, que falou sobre a forma como o caso está a ser tratado.
DW
África: Como é que se pode esclarecer definitivamente o que aconteceu?
Rafael
Marques (RM): É importante em primeiro lugar afirmar que os números que
estão a ser apresentados não são contraditórios. Os primeiros dados a que eu
tive acesso, e eu falei com militares e agentes policiais que estiveram
envolvidos na operação, apontavam para que no primeiro dia, poucas horas depois
de terem iniciado o fogo, já havia mais de 200 mortos. Depende do que as
pessoas estão a dizer: houve umas que tiveram os dados horas depois do
incidente, outras que tiveram dias depois, e então os números foram crescendo, por
isso é que eu não vejo uma contradição. É óbvio que para nós termos certezas
sobre estes números é necessário que se faça uma investigação. Na minha modesta
análise, uma vez que o Governo continua a impedir o acesso de membros da
sociedade civil, jornalistas e outras figuras independentes, e até mesmo da
população em geral à área sinistrada, é legítimo que as pessoas avancem os
números que têm, porque o Governo controla a informação e diz que não houve
massacre porque não permite que as pessoas lá cheguem.
DW
África: A oposição, a sociedade civil e outros citam testemunhas entretanto não
identificadas, provavelmente por medo de represálias. Como é que este caso pode
deixar de ter um caráter de boato, e passar a ser tratado devidamente?
RM: As
pessoas estão a tentar tratar a questão com seriedade. Eu, por exemplo, falei
com muitas pessoas, mas eu não posso dizer que falei com a ministra A, com o
agente da polícia B, com um membro da sociedade civil ou com o sobrevivente
tal, porque isto oferece um grande perigo para estas pessoas. Há dias, por
exemplo, os serviços de segurança começaram a fazer vistoria dos telefones dos
soldados e dos agentes policiais envolvidos na operação para apagarem as
imagens, e algumas destas imagens foram tornadas públicas.
Então
as pessoas têm dados concretos, sabem os nomes. As pessoas que estavam fugidas
nas matas estão a chegar a Luanda e a outros pontos do país, onde estão a
falar, mas há um medo grande porque as operações de caça a membros da seita do
Kalupeteka estão a estender-se por várias partes do país, sobretudo no
centro-sul, onde a violência política tem sempre uma justificação, porque pode
sempre ser apontada como sendo instigada pela UNITA, que durante muitos anos
teve ali os seus principais bastiões.
DW
África: As autoridades têm pautado a sua atuação por um postura ambígua, em que
nalguns momentos mostram abertura e disponibilidade, e noutros barram a
sociedade civil e a oposição. Como vê isso?
RM: Não
é uma posição ambígua, é uma posição de controlo de poder. Naquilo que
interessa o Governo demonstrar que até permite alguma abertura, assim o faz.
Onde essa abertura entre em conflito com as suas más práticas, fecham. E a
democracia não pode ter a vontade de um Governo abrir e fechar de acordo com o
seu livre arbítrio.
DW
África: A morte dos agentes da polícia coloca em causa a estrutura da polícia
angolana no que diz respeito à força e competência, e ela é vista como um dos
principais instrumentos de repressão em Angola. A resposta violenta da polícia neste caso
é uma tentativa de repor a imagem e força deste órgão?
RM: É
uma ação premeditada, e é uma ação pela qual os altos dirigentes da polícia
nacional do Governo provincial do Huambo, e outros que estiveram envolvidos,
tarde ou cedo deverão ser responsabilizados, e deverão ser chamados a prestar
declarações sobre o seu envolvimento e sobre que tipo de ordens é que deram.
Quando o Presidente falou concretamente que esta seita tem que ser desmantelada
e que tem de haver caça, não explicou que não se devem perseguir as pessoas.
Não está a haver da parte das autoridades quaisquer medidas para fazer um
inquérito sobre o que correu mal nessa operação, e sobre como é que a polícia
teve tanta liberdade para chacinar tantas pessoas da forma como o fez.
DW
África: Relativamente à liberdade religiosa, que efeitos pode ter este caso
para outras religiões consideradas ilegais pelo Governo angolano?
RM: Eu
publiquei uma foto no texto sobre o Kalupeteka do secretário provincial do MPLA
nas eleições de 2012, com vários líderes dessas seitas religiosas. Quando estas
seitas são benéficas para o angariamento de votos, para a ascensão do poder
político do MPLA, elas são muito bem-vindas e são usadas para esse efeito.
Quando estas seitas se tornam desobedientes em relação ao poder político, aí já
se tornam perigosas e já são apelidadas de fundamentalistas.
UNITA
pede inquérito à ONU sobre as mortes no Huambo
O
maior partido da oposição solicitou à Organização das Nações Unidas (ONU) a
realização de um inquérito rigoroso e imparcial sobre as mortes na província do
Huambo. A UNITA condenou os assassínios, o clima de terror que se instalou e as
violações de direitos humanos que terão sido levadas a cabo pelas autoridades.
As
declarações constam de um comunicado divulgado nesta quinta-feira (30.04), após
uma reunião extraordinária do Comité Permanente da Comissão Política do
partido.
A
UNITA reforçou ainda que apesar de as autoridades governamentais do Huambo
terem autorizado a visita dos deputados ao local do crime, esta acabou por ser
impedida.
O
comandante provincial do Huambo da Polícia Nacional, Elias Livulo, voltou a
declarar que os confrontos entre a polícia e a seita “Sétimo dia – A Luz do
Mundo” provocou a morte de 13 civis e de nove polícias, e desafiou a UNITA, que
afirmou que o número de vítimas mortais foi de 1.080, a apresentar provas da
sua acusação.
Nádia
Issufo – Deutsche Welle
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