sábado, 2 de maio de 2015

Portugal. A CENSURA COBARDE DO BLOCO CENTRAL



Paulo Pereira de Almeida – Diário de Notícias, opinião

Recentemente Portugal assistiu a uma união inaudita, a um "bloco central" renovado que incluiu o Partido Socialista (PS) e os dois partidos do atual governo, o Partido Social--Democrata (PSD) e o Centro Democrático e Social (CDS).

Numa iniciativa assaz inédita e - em democracia do pós-25 de abril - muito preocupante, os três partidos políticos tentaram fazer passar legislação que condicionaria a cobertura e o comentário durante as campanhas eleitorais para a eleição desses mesmos políticos. Ora - como todos sabemos - as campanhas eleitorais são justamente os momentos em que - parcamente, é certo, e com demasiadas inverdades à mistura - ainda se vai debatendo e opinando acerca do estado do país e das propostas de eventuais mudanças nas nossas políticas públicas. Foi - portanto - com um misto de espanto e de curiosidade que vimos uma tentativa conjunta de PSD, PS e CDS para condicionar o trabalho dos meios de comunicação social (MCS). E por duas ordens essenciais de razões. A primeira, porque ficou bem claro que se tentou testar a reação dos MCS a semelhante tentativa de reposição de uma "censura light", de uma primeira medida de condicionamento e de pressão ainda mais elevada sobre o trabalho dos nossos jornalistas, editores e comentadores; sabe-se lá o que se teria seguido se esta proposta tivesse feito o seu caminho. Depois, e como segunda razão de estranheza e de interesse, também cremos que esta proposta colocou a nu, uma vez mais, um certo clima de desespero de uma certa classe política que, como se Portugal ainda estivesse sob o jugo de uma ditadura, pensa que se condicionar MCS, jornalistas, editores e comentadores conseguirá que os cidadãos anónimos esqueçam, perdoem, não relevem, ou fiquem indiferentes à sua reiterada incompetência e divórcio das pessoas e dos eleitores.

Esta iniciativa vergonhosa e que monstra o que de pior se consegue fazer - de um modo assaz cobarde e sub-reptício - nos gabinetes de assessores e de "fazedores de opinião" dos partidos políticos mereceu - e importa registá-lo para memória futura - uma reação condenatória de todos os diretores do MCS privados. Nesse comunicado podia ler-se que: "A liberdade de imprensa é um direito fundamental. A liberdade de imprensa é um dos pilares estruturantes da democracia. O exercício da atividade dos órgãos de comunicação social assenta na liberdade e na autonomia editorial. O direito a informar dos jornalistas e o direito de os cidadãos serem informados não podem ser condicionados nem limitados pelo poder político. (...) O projeto (PSD/CDS-PP e PS), que define as regras da cobertura noticiosa em período eleitoral viola clara e objetivamente os princípios essenciais do jornalismo e a liberdade editorial (...) Este projeto de lei representa, em suma, uma ingerência inaceitável e perigosa do poder político na liberdade editorial, que repudiamos como profissionais e como cidadãos. Os subscritores deste documento esperam que a Assembleia da República saiba defender os valores da liberdade e da democracia e rejeite liminarmente todas as tentativas de os limitar e condicionar."

Pois. É tudo verdade. E mais: condicionar a liberdade numa democracia em que - e acima de tudo - os cidadãos se devem sentir seguros e livres para expressar e receber as suas opiniões e comentários deve - bem entendido - ser um comportamento que nos deve fazer a todos pensar. Esperemos - a bem da saúde da nossa democracia - que o caso não fique por aqui. Veremos.

Sem comentários:

Mais lidas da semana