Verdade
(mz), em Hora da
Verdade
Exmo.
senhor presidente da Renamo. Foram e são marcas que não se apagam da minha
memória e que são “insistidas” pelas lembranças desagradáveis daquele dia de
dor, que separa o mundo da felicidade do da dor: A minha família morreu
carbonizada algures na província de Inhambane por causa da guerra dos 16 anos.
O senhor calcula a minha dor?
Ataques
relâmpagos estiveram na origem da captura e encarceramento da minha família
numa casa feita de material precário, coberta de folhas de coqueiro secas,
iluminada pelos raios solares durante o dia.
Os
meus pais, tios e avôs morreram carbonizados numa guerra movida pela Renamo
contra o Governo dirigido pelo partido Frelimo. Talvez, devido à nossa idade,
na altura, ou por conta do destino, eu e a minha irmã fomos poupados desse
massacre. Lembro e choro, a minha irmã corria com toda velocidade possível levando-me,
incansavelmente, às costas. Enquanto ela chorava, eu imitava, de forma honesta,
os seus prantos. Em tom de coro despedíamo-nos dos nossos parentes.
Eu
e a minha irmã corríamos observando a distância que nos separava da minha
família que queimava naquela humilde casa sob o olhar impávido e atento
daqueles guerrilheiros armados. A última vez que vi o meu pai foi quando o
finado tentou arrombar a porta para se escapulir mas foi traído pela esperteza
de um guerrilheiro que o devolveu para dentro a balas e caiu para sempre. Bem
distantes e aparentemente seguros, eu e a minha irmã vimos, com dor, a nossa
casa ardendo com a nossa família lá dentro.
Foi
por causa da guerra dos 16 anos que me desenvencilhei da minha família. Os
moradores do meu bairro choravam, corriam e gritavam sem parar: “Matsanga
(bandidos armados) está aqui para nos matar” e não sabemos que mal praticámos.
As
lágrimas da minha irmã caíam de tristeza. Crescemos através da caridade e
graças ao Pai Celestial suportámos as dificuldades da vida e nunca nos deixámos
curvar perante a imoralidade.
Senhor
presidente da Renamo, a guerra dos 16 anos ainda tem ressonância na alma dos
moçambicanos, na minha vida nem falo. Não te quero culpar mas a minha família
morreu nessa guerra promovida pelo senhor contra o Governo. Os seus actuais
discursos rasgam o sono dos moçambicanos que estão preocupados com a
estabilidade política do país.
Este
povo já sofreu o suficiente com a guerra dos 16 anos e com a recente troca de
“carinho militar” no troço rio Save-Muxúnguè entre as forças residuais da
Renamo e as Forças Armadas da Defesa de Moçambique (FADM). O senhor não acha
que o povo merece viver sem a preocupação de ter os dias contados por causada
guerra?
Este
maravilhoso povo que o elegeu durante as eleições de Outubro passado não merece
ser recompensado com guerra. Ciente do que o senhor tem família, ao provocar um
novo ciclo sangrento, a sua própria família pode também tombar nessa guerra.
Por amor aos seus parentes, colegas, amigos e admiradores, não permita que essa
guerra comece.
O
país ainda recupera dos danos da guerra dos 16 anos. É o seu Moçambique. Senhor
presidente da Renamo, espero que compreenda a minha intenção nesta carta.
Cumprimentos
de um citadino residente nesta pátria amada.
Euclides
da Flora
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