Roberto
Almeida, Berlim – Opera Mundi
Faturamento
atingiu 1,8 bilhão de euros em 2014; novos negócios foram fechados com Israel,
Arábia Saudita, Egito e Argélia, com entregas agendadas pelo menos até 2025
Desde
a década de 1970 entre os cinco maiores exportadores de armamentos do mundo, a
Alemanha, governada por uma coalizão social-cristã, está longe de frear os
lucros de sua controversa indústria bélica e continua a abastecer países com
péssimo histórico em direitos humanos com tanques, motores, radares, mísseis,
munição, submarinos, fragatas e veículos blindados.
Relatório
publicado pelo Parlamento alemão mostra que, apesar de ter aprovado uma
política mais restritiva de exportações a países do Oriente Médio, o país
dobrou o faturamento com armamentos de guerra em 2014. O montante atingiu 1,823
bilhão de euros (cerca de R$ 7,3 bilhões), ante os 957 milhões de euros (cerca
de R$ 3,8 bi) de 2013. Os números não incluem a exportação de armas
consideradas menores, como pistolas e metralhadoras.
O
Instituto de Pesquisas pela Paz de Estocolmo (Sipri), principal entidade
fiscalizadora do comércio de armas do mundo, sublinhou que as novas restrições
não impediram a negociação de 33 barcos patrulha para a Arábia Saudita, quatro
fragatas para Israel, dois submarinos para o Egito e 926 veículos blindados
para a Argélia. As entregas vão manter a indústria alemã de armamentos ocupada
até pelo menos 2025.
Reações
e pessimismo
A
lista dos países compradores e os valores das negociações assustaram
representantes da Aktion Aufschrei, principal campanha contra a exportação de
armas da Alemanha, que reúne mais de uma dezena de entidades de advocacia,
igrejas e ONGs. Eles reagiram com bastante pessimismo.
Nos
últimos 10 anos, o país acumulou vendas de 15,5 bilhões de euros (cerca de R$
62 bilhões) – sem contar as contribuições com licenciamento de novas
tecnologias. O país está na quarta posição global, atrás apenas de EUA, Rússia
e China, e acumula denúncias de corrupção, como no caso da venda de tanques
Leopard, pela Rheinmetall, para a Grécia, que está sob investigação.
Jürgen
Grässlin, autor de Schwarzbuch Waffenhandel – Wie Deutschland am
Krieg verdient (O livro negro do comércio de armas – como a Alemanha lucra
com a guerra), criticou duramente o governo de Angela Merkel por não cumprir
promessas de redução nas exportações, que fizeram parte da campanha eleitoral
do ano passado.
“Todos
esperávamos uma mudança de rumo”, disse Grässlin, em comunicado de imprensa.
“Mas entre os países compradores estão, novamente, estados beligerantes que
violam os direitos humanos.”
Os
ativistas frisam que as vendas de armamento de guerra alemão para Israel,
Cingapura, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Indonésia e Brunei deveriam ser
feitas apenas em casos excepcionais e pedem, em última instância, um plebiscito
para banir as exportações. No entanto, segundo Christine Hoffmann,
secretária-geral da ONG Pax Christi, a consulta popular “continua fora de
questão” no Parlamento.
“Existe
um forte movimento pela paz na Alemanha, que influencia até certo ponto a
exportação de armas do país”, disse a Opera Mundi o pesquisador
Pieter Wiezer, do Sipri. “Mas as discussões no Parlamento em torno de
restrições devem ser vistas com precaução. Não devemos acreditar que algo vá
mudar drasticamente.”
Wiezer
classificou ainda os números oficiais das exportações alemãs como “bastante
confusos”. “Eles fazem uma divisão entre o que é armamento de guerra e outros
armamentos. Não gosto dessas distinções. No relatório, um tanque é para guerra
e um radar não. Mas um radar pode ser até mais importante que um tanque no
abuso de direitos humanos”, alertou.
Como
ponto positivo, o pesquisador nota que o governo alemão está “cada vez mais
transparente”. “O relatório sai duas vezes por ano e há constantes
questionamentos por parte de parlamentares da esquerda alemã com relação às
exportações de armamentos”, anota. “Mas o caso de corrupção na Grécia
certamente não é uma situação isolada. O sigilo no comércio internacional de
armas favorece um cenário de pagamentos de propina, que são difíceis de
comprovar.”
Às
compras
Segundo
dados do relatório governamental, o maior comprador de armamentos de guerra de
2014, responsável por quase um terço do faturamento, foi Israel, com despesas
de 606 milhões de euros (cerca de R$ 2,5 bilhões) e o pedido por um submarino
Dolphin AIP, do estaleiro Howaldtswerke-Deutsche Werft, da gigante
ThyssenKrupp.
A
Sipri informa que os negócios futuros com Israel incluem também quatro fragatas
MEKO-A100 do estaleiro Blohm+Voss, de Hamburgo, e que foram entregues, entre
2002 e 2014, 635 motores a diesel para tanques Merkava-4 e veículos blindados
Namer, presenças constantes nos conflitos em Gaza.
á
a Arábia Saudita, que segundo o relatório oficial gastou 50 milhões de euros em
2014 (ou cerca de R$ 200 milhões), recebeu, de acordo com o Sipri, 1400 mísseis
ar-ar IRIS-T para caças Tornado e Typhoon, 255 motores a diesel para veículos
blindados e fez um pedido de quatro barcos patrulha FBP-1 do estaleiro Lürssen,
uma empresa familiar que opera há 135 anos na Alemanha.
Em
paralelo, a Rheinmetall, tradicional produtora de armamentos alemã, recebeu da
Argélia um pedido de 926 veículos blindados Fuchs equipados com metralhadoras e
sistemas de mísseis. A entrega está programada para acontecer até 2025. Os
gastos argelinos em 2014, segundo o relatório governamental, ficaram em 78
milhões de euros (cerca de R$ 316 milhões) e devem continuar em alta pelos
próximos anos.
O
Egito, segundo o Sipri, fez em 2014 ordens de compras para dois submarinos Type
209, do estaleiro Howaldtswerke-Deutsche Werft. Além disso, recebeu quatro
motores a diesel para corvetas montadas nos Estados Unidos. As despesas do país
com armamentos de guerra, segundo o relatório oficial, ficaram em 22,5 milhões
de euros (cerca de R$ 90 milhões) e também devem crescer até a entrega final
dos submarinos, que não foi divulgada.
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