terça-feira, 15 de setembro de 2015

Alemanha duplica exportações de armas de guerra; entidades exigem plebiscito



Roberto Almeida, Berlim – Opera Mundi

Faturamento atingiu 1,8 bilhão de euros em 2014; novos negócios foram fechados com Israel, Arábia Saudita, Egito e Argélia, com entregas agendadas pelo menos até 2025

Desde a década de 1970 entre os cinco maiores exportadores de armamentos do mundo, a Alemanha, governada por uma coalizão social-cristã, está longe de frear os lucros de sua controversa indústria bélica e continua a abastecer países com péssimo histórico em direitos humanos com tanques, motores, radares, mísseis, munição, submarinos, fragatas e veículos blindados.

Relatório publicado pelo Parlamento alemão mostra que, apesar de ter aprovado uma política mais restritiva de exportações a países do Oriente Médio, o país dobrou o faturamento com armamentos de guerra em 2014. O montante atingiu 1,823 bilhão de euros (cerca de R$ 7,3 bilhões), ante os 957 milhões de euros (cerca de R$ 3,8 bi) de 2013. Os números não incluem a exportação de armas consideradas menores, como pistolas e metralhadoras.

O Instituto de Pesquisas pela Paz de Estocolmo (Sipri), principal entidade fiscalizadora do comércio de armas do mundo, sublinhou que as novas restrições não impediram a negociação de 33 barcos patrulha para a Arábia Saudita, quatro fragatas para Israel, dois submarinos para o Egito e 926 veículos blindados para a Argélia. As entregas vão manter a indústria alemã de armamentos ocupada até pelo menos 2025.

Reações e pessimismo

A lista dos países compradores e os valores das negociações assustaram representantes da Aktion Aufschrei, principal campanha contra a exportação de armas da Alemanha, que reúne mais de uma dezena de entidades de advocacia, igrejas e ONGs. Eles reagiram com bastante pessimismo.

Nos últimos 10 anos, o país acumulou vendas de 15,5 bilhões de euros (cerca de R$ 62 bilhões) – sem contar as contribuições com licenciamento de novas tecnologias. O país está na quarta posição global, atrás apenas de EUA, Rússia e China, e acumula denúncias de corrupção, como no caso da venda de tanques Leopard, pela Rheinmetall, para a Grécia, que está sob investigação.

Jürgen Grässlin, autor de Schwarzbuch Waffenhandel – Wie Deutschland am Krieg verdient (O livro negro do comércio de armas – como a Alemanha lucra com a guerra), criticou duramente o governo de Angela Merkel por não cumprir promessas de redução nas exportações, que fizeram parte da campanha eleitoral do ano passado.

“Todos esperávamos uma mudança de rumo”, disse Grässlin, em comunicado de imprensa. “Mas entre os países compradores estão, novamente, estados beligerantes que violam os direitos humanos.”

Os ativistas frisam que as vendas de armamento de guerra alemão para Israel, Cingapura, Coreia do Sul, Arábia Saudita, Indonésia e Brunei deveriam ser feitas apenas em casos excepcionais e pedem, em última instância, um plebiscito para banir as exportações. No entanto, segundo Christine Hoffmann, secretária-geral da ONG Pax Christi, a consulta popular “continua fora de questão” no Parlamento.

“Existe um forte movimento pela paz na Alemanha, que influencia até certo ponto a exportação de armas do país”, disse a Opera Mundi o pesquisador Pieter Wiezer, do Sipri. “Mas as discussões no Parlamento em torno de restrições devem ser vistas com precaução. Não devemos acreditar que algo vá mudar drasticamente.”

Wiezer classificou ainda os números oficiais das exportações alemãs como “bastante confusos”. “Eles fazem uma divisão entre o que é armamento de guerra e outros armamentos. Não gosto dessas distinções. No relatório, um tanque é para guerra e um radar não. Mas um radar pode ser até mais importante que um tanque no abuso de direitos humanos”, alertou.

Como ponto positivo, o pesquisador nota que o governo alemão está “cada vez mais transparente”. “O relatório sai duas vezes por ano e há constantes questionamentos por parte de parlamentares da esquerda alemã com relação às exportações de armamentos”, anota. “Mas o caso de corrupção na Grécia certamente não é uma situação isolada. O sigilo no comércio internacional de armas favorece um cenário de pagamentos de propina, que são difíceis de comprovar.”

Às compras

Segundo dados do relatório governamental, o maior comprador de armamentos de guerra de 2014, responsável por quase um terço do faturamento, foi Israel, com despesas de 606 milhões de euros (cerca de R$ 2,5 bilhões) e o pedido por um submarino Dolphin AIP, do estaleiro Howaldtswerke-Deutsche Werft, da gigante ThyssenKrupp.

A Sipri informa que os negócios futuros com Israel incluem também quatro fragatas MEKO-A100 do estaleiro Blohm+Voss, de Hamburgo, e que foram entregues, entre 2002 e 2014, 635 motores a diesel para tanques Merkava-4 e veículos blindados Namer, presenças constantes nos conflitos em Gaza.

á a Arábia Saudita, que segundo o relatório oficial gastou 50 milhões de euros em 2014 (ou cerca de R$ 200 milhões), recebeu, de acordo com o Sipri, 1400 mísseis ar-ar IRIS-T para caças Tornado e Typhoon, 255 motores a diesel para veículos blindados e fez um pedido de quatro barcos patrulha FBP-1 do estaleiro Lürssen, uma empresa familiar que opera há 135 anos na Alemanha.

Em paralelo, a Rheinmetall, tradicional produtora de armamentos alemã, recebeu da Argélia um pedido de 926 veículos blindados Fuchs equipados com metralhadoras e sistemas de mísseis. A entrega está programada para acontecer até 2025. Os gastos argelinos em 2014, segundo o relatório governamental, ficaram em 78 milhões de euros (cerca de R$ 316 milhões) e devem continuar em alta pelos próximos anos.

O Egito, segundo o Sipri, fez em 2014 ordens de compras para dois submarinos Type 209, do estaleiro Howaldtswerke-Deutsche Werft. Além disso, recebeu quatro motores a diesel para corvetas montadas nos Estados Unidos. As despesas do país com armamentos de guerra, segundo o relatório oficial, ficaram em 22,5 milhões de euros (cerca de R$ 90 milhões) e também devem crescer até a entrega final dos submarinos, que não foi divulgada.

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