JOSÉ VÍTOR MALHEIROS - Público,
opinião
A
lata do homem que mais portugueses atirou para a pobreza não tem limites, a sua
falta de vergonha é abissal, o seu decoro inexistente.
É
possível amalgamar quase tudo, apresentar propostas que são mantas de retalhos
de ideias contraditórias, apresentar propostas que nem são propostas mas apenas
postas, fazer discursos que são sopas de pedra onde se juntam ingredientes à
medida das assistências, atirar ao ar frases soltas de efeito fácil para
repetição nos jornais e passagem nas televisões, prometer mundos e fundos,
manipular as estatísticas, mentir descaradamente e jurar pela virgem Maria que
nunca se disse outra coisa, dizer que agora é que é, que os outros são piores,
que os outros são o demo, sorrir para parecer simpático, fazer ar sério para
parecer honesto, acenar para parecer popular, tirar a gravata para parecer
modesto, pôr a gravata para parecer ponderado. As campanhas e pré-campanhas
eleitorais são férteis nisto. São quase só isto. Quem ouça e veja com atenção o
que dizem e fazem os políticos do costume em campanha e se atenha a algo mais
que os gritos e as bandeiras e os sorrisos e os beijos aos bebés e os olhares
às mamãs corre o sério risco de uma indigestão, de uma congestão, de uma
apoplexia.
Os
partidos são todos assim? Não. Os políticos são todos assim? Não. As campanhas
são todas assim? Não. Mas a campanha eleitoral que vemos na televisão é (com as
intervenções dos membros do Governo à cabeça) e, para a esmagadora maioria dos
portugueses, essa é a campanha eleitoral. A campanha eleitoral do “arco da
governação”, seguindo a lógica da Quadratura do Círculo, onde o círculo nem
sequer é quadrado mas apenas um triângulo com o PSD, o CDS e o PS como lados.
Não houvesse Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo e o programa seria o
melhor exemplo de manipulação da opinião pública desde que a Fox News começou
as emissões. E, nas campanhas eleitorais, não está o Pacheco Pereira.
A
campanha das televisões — mesmo com os debates anunciados — será a
gigantesca lavagem ao cérebro do Portugal à Frente e o número de equilibrismo
da obsessão centrista de António Costa.
As
campanhas eleitorais têm uma perversidade intrínseca. Tem vantagem quem mais
mente e quem tem maior descaramento. Tudo seria diferente se osmedia fizessem
um papel de verdadeira fiscalização dos poderes, mas osmedia consideram
que publicar um texto ou fazer um programa de fact-checking das
aldrabices do PSD e do CDS é uma “reportagem especial” e não a sua razão de
ser. É como se o Nicola decidisse que servir café é algo para fazer apenas nos
dias feriados.
Um
dos problemas da falta de escrúpulo da campanha do PAF e da navegação
prudentíssima da campanha do PS é que se tornam indistinguíveis. Passos Coelho
chegou agora ao cúmulo de erigir o combate às desigualdades como um dos
objectivos de um futuro governo PAF e de garantir que esse sempre foi uma das preocupações
do actual Governo. A lata do homem que mais portugueses atirou para a pobreza
não tem limites, a sua falta de vergonha é abissal, o seu decoro inexistente.
Mas quem o dirá com a veemência que o facto exige?
A
campanha eleitoral — cirurgicamente podada pelas televisões das
intervenções à esquerda do PS —, que devia ser o local do choque
ideológico e do debate de políticas, torna-se o lugar da amálgama morna, sem
confronto de políticas alternativas, um choque de imagens onde apenas se pode
comentar o sorriso dos oradores, onde cada vez mais se repete que a diferença
entre esquerda e direita é uma coisa antiquada que “deixou de fazer sentido”.
A
declaração é um dos bons exemplos da manipulação ideológica actual. Uma
declaração pretensamente “equidistante dos extremos” que é de facto um grito de
batalha, que visa convencer os eleitores de que a “boa governação” não tem cor
política e convencer as massas a abdicar da luta de classes e de lutar pelos
seus direitos.
Um
dos sinais dos tempos no actual combate político, nesta campanha onde Passos
Coelho se recém-arvorou em campeão da igualdade, é a ausência dos pobres. Os
pobres sempre foram invisíveis mas nunca foram tão invisíveis. Os desempregados
conhecem todos os dias novas indignidades nas bichas dos centros de emprego,
nas lojas onde não podem comprar nada. Os velhos e doentes nem sequer podem
ocupar a rua, o último lugar do poder. Os remediados degradados para novos
pobres aguentam a respiração e tentam adaptar-se à humilhação, tentando passar
despercebidos. A responsabilidade da política deveria ser destruir este
silêncio, que rouba aos que nada têm a soberania que é sua, devolver a voz aos
que não falam, combater a iniquidade, mas a campanha eleitoral,
desideologizada, higienizada, soundbitizada, receia fazer aparecer a luta de
classes — e isso acontece mesmo à esquerda. Receia parecer radical,
mesmo quando a direita lança uma guerra sem quartel aos velhos, aos pobres e
aos doentes através dos cortes na saúde e na segurança social. Mas o combate
político não é uma valsa. O combate político é um combate, para o qual só
poderemos mobilizar vontades com clareza nos objectivos e audácia nas
propostas.
Candidato
independente às eleições legislativas pela coligação cidadã
Livre/Tempo de Avançar (jvmalheiros@gmail.com)
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