quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Portugal. REQUIEM PELO BLOCO CENTRAL



Pedro Bacelar de Vasconcelos* – Jornal de Notícias, opinião

O bloco central acabou. A deliberação proposta por António Costa foi aprovada por maioria esmagadora, na madrugada da quarta-feira, pela Comissão Política do Partido Socialista.

E o secretário-geral foi mandatado para encetar conversações com os partidos à sua esquerda e à sua direita, no quadro parlamentar resultante das eleições de 4 de outubro. Finalmente, fechou-se um ciclo político que dominou o nosso modelo de representação democrática durante 40 anos - desde as eleições para a Assembleia Constituinte, em 1975.

Segundo um comunicado emitido na noite de terça-feira, o senhor Presidente da República "encarregou" Passos Coelho de conversar com o PS para criar condições que garantam a formação de um "Governo estável e duradouro". No mínimo, diríamos que é uma incumbência bizarra. Porque o sistema de governo de base parlamentar consagrado pela nossa Constituição atribui essa tarefa ao partido vencedor nas eleições legislativas. Ao Presidente da República apenas compete, em primeiro lugar, que aguarde a contagem de todos os votos. Segundo, ouvir o que têm para lhe dizer todos os partidos políticos representados na Assembleia da República. Terceiro, ponderar se o nome que lhe foi proposto corresponde ao sentido da vontade democrática expressa nos resultados eleitorais e se tem o indispensável apoio parlamentar. E, uma vez concluído esse processo, nomear por fim o primeiro-ministro que preencha as condições requeridas.

Provavelmente, esta diligência presidencial extemporânea foi executada a pedido da própria coligação de Direita que agora se confronta com o fracasso da estratégia que adotou. Porque, se aquilo que efetivamente preocupa o Presidente é assegurar uma governação "estável e duradoura", nesse caso, pareceria mais lógico e racional que ele começasse por condenar a precipitação do PSD e CDS em fechar já um compromisso de Governo que, além de minoritário, só pode restringir o leque de opções capaz de assegurar a aprovação do Parlamento.

Mas a lógica é outra. Cavaco Silva e Passos Coelho gostavam de ressuscitar o cadáver do bloco central, depois de terem assinado a certidão de óbito há quatro anos e meio, em 2011. Nem a circunstância de o programa de estabilidade chumbado na Assembleia da República ter a bênção prévia da Europa e da Alemanha impediram o PSD de negociar uma aliança negativa com o PCP e o Bloco de Esquerda para precipitar as eleições legislativas antecipadas que entronaram o Governo da Direita mais radical de toda a história da nossa democracia. Um Governo que se arrastou, moribundo, ao longo dos dois últimos anos, graças à empenhada benevolência presidencial, e que por puro oportunismo criou expressamente para esta campanha eleitoral a ficção dos "cofres cheios" e da "recuperação económica", do fim dos cortes nos salários e nas pensões, e de um cínico empenhamento em combater as desigualdades que sempre promoveu. Um paraíso que desapareceu mal foram conhecidos os magros resultados eleitorais, para reaparecerem as graves dificuldades que o Governo da Direita se encarregou de agravar. E perante a nova realidade, veio o apelo aos consensos de que se esqueceram ao longo de toda a legislatura e a dramatização do "sentido de responsabilidade" com que procuram estrangular o PS, tal como a Direita europeia liquidou os socialistas gregos, numa Grécia apenas poupada à expulsão do euro graças à solidariedade dos socialistas europeus e à corajosa lucidez de Tsipras.

Na decapitação do PS, residia a derradeira esperança da coligação de Direita e dos seus aliados e servidores. Mas enganaram-se. O Parlamento tornou-se agora o centro da nossa vida democrática. Cada um dos eleitos é responsável pelo cumprimento do mandato que recebeu e a satisfação dos compromissos que assumiu perante os eleitores. A vocação dos socialistas não é servir de muleta à Direita nem de bode expiatório à Esquerda. Estarão no centro dos debates e da construção de soluções, sem interlocutores privilegiados, porque o Parlamento é, por definição constitucional, "a assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses".

*Professor de Direito Constitucional

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