Pedro
Bacelar de Vasconcelos* – Jornal de Notícias, opinião
O
bloco central acabou. A deliberação proposta por António Costa foi aprovada por
maioria esmagadora, na madrugada da quarta-feira, pela Comissão Política do
Partido Socialista.
E
o secretário-geral foi mandatado para encetar conversações com os partidos à
sua esquerda e à sua direita, no quadro parlamentar resultante das eleições de
4 de outubro. Finalmente, fechou-se um ciclo político que dominou o nosso
modelo de representação democrática durante 40 anos - desde as eleições para a
Assembleia Constituinte, em 1975.
Segundo
um comunicado emitido na noite de terça-feira, o senhor Presidente da República
"encarregou" Passos Coelho de conversar com o PS para criar condições
que garantam a formação de um "Governo estável e duradouro". No
mínimo, diríamos que é uma incumbência bizarra. Porque o sistema de governo de
base parlamentar consagrado pela nossa Constituição atribui essa tarefa ao
partido vencedor nas eleições legislativas. Ao Presidente da República apenas
compete, em primeiro lugar, que aguarde a contagem de todos os votos. Segundo,
ouvir o que têm para lhe dizer todos os partidos políticos representados na
Assembleia da República. Terceiro, ponderar se o nome que lhe foi proposto
corresponde ao sentido da vontade democrática expressa nos resultados
eleitorais e se tem o indispensável apoio parlamentar. E, uma vez concluído
esse processo, nomear por fim o primeiro-ministro que preencha as condições
requeridas.
Provavelmente,
esta diligência presidencial extemporânea foi executada a pedido da própria
coligação de Direita que agora se confronta com o fracasso da estratégia que
adotou. Porque, se aquilo que efetivamente preocupa o Presidente é assegurar
uma governação "estável e duradoura", nesse caso, pareceria mais
lógico e racional que ele começasse por condenar a precipitação do PSD e CDS em
fechar já um compromisso de Governo que, além de minoritário, só pode
restringir o leque de opções capaz de assegurar a aprovação do Parlamento.
Mas
a lógica é outra. Cavaco Silva e Passos Coelho gostavam de ressuscitar o
cadáver do bloco central, depois de terem assinado a certidão de óbito há
quatro anos e meio, em 2011. Nem a circunstância de o programa de estabilidade
chumbado na Assembleia da República ter a bênção prévia da Europa e da Alemanha
impediram o PSD de negociar uma aliança negativa com o PCP e o Bloco de
Esquerda para precipitar as eleições legislativas antecipadas que entronaram o
Governo da Direita mais radical de toda a história da nossa democracia. Um
Governo que se arrastou, moribundo, ao longo dos dois últimos anos, graças à
empenhada benevolência presidencial, e que por puro oportunismo criou
expressamente para esta campanha eleitoral a ficção dos "cofres cheios"
e da "recuperação económica", do fim dos cortes nos salários e nas
pensões, e de um cínico empenhamento em combater as desigualdades que sempre
promoveu. Um paraíso que desapareceu mal foram conhecidos os magros resultados
eleitorais, para reaparecerem as graves dificuldades que o Governo da Direita
se encarregou de agravar. E perante a nova realidade, veio o apelo aos
consensos de que se esqueceram ao longo de toda a legislatura e a dramatização
do "sentido de responsabilidade" com que procuram estrangular o PS, tal
como a Direita europeia liquidou os socialistas gregos, numa Grécia apenas
poupada à expulsão do euro graças à solidariedade dos socialistas europeus e à
corajosa lucidez de Tsipras.
Na
decapitação do PS, residia a derradeira esperança da coligação de Direita e dos
seus aliados e servidores. Mas enganaram-se. O Parlamento tornou-se agora o
centro da nossa vida democrática. Cada um dos eleitos é responsável pelo
cumprimento do mandato que recebeu e a satisfação dos compromissos que assumiu
perante os eleitores. A vocação dos socialistas não é servir de muleta à
Direita nem de bode expiatório à Esquerda. Estarão no centro dos debates e da
construção de soluções, sem interlocutores privilegiados, porque o Parlamento
é, por definição constitucional, "a assembleia representativa de todos os cidadãos
portugueses".
*Professor
de Direito Constitucional
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