O
Presidente da República foi mais rápido que a própria sombra quando se tratou
de proteger o seu governo prestes a evaporar-se pela demissão irrevogável de
Paulo Portas, espera-se que responsavelmente deixe de fazer pouco do país e
garanta o regular funcionamento das instituições democráticas.
Incapaz
de conseguir uma maioria eleitoral e uma maioria política que lhe permitisse
governar, a direita portuguesa enveredou por um discurso de resgate de velhos
fantasmas e entregou-se a um extremismo ainda mais extremista que aquele que
marcou as suas políticas nos últimos quatro anos. Isolada no seu canto, a
direita clama pela velha dicotomia que sempre foi apanágio da impotência
política: ou ela ou o caos.
E,
todavia, o extremismo da direita não tem nenhuma relação com a realidade. Para
azar dos seus ideólogos e dos seus intérpretes políticos, já nem os mercados os
ajudam na chantagem do medo: hoje mesmo Portugal fez emissão de dívida com
juros baixíssimos. Os mesmos mercados que a direita sempre invocou para
legitimar todos os ataques aos direitos do trabalho e todas as políticas de
empobrecimento das pessoas e da democracia desmentem categoricamente que o fim
democrático da governação da direita seja o fim dos tempos que ela vaticina ou
a tragédia inclemente que ela dá a certeza de estar iminente.
Percebe-se
o nervoso e a irritação da direita: há condições democráticas em Portugal para
pôr fim ao ciclo de austeridade e de ataque ao trabalho e ao projeto
constitucional de democracia social, económica e cultural. E, mais que tudo, há
uma incontível vontade social de pôr fim à agressão à classe média e aos mais
pobres e de resgate da democracia inteira que a Constituição da República
consagra. A tragédia que a direita anuncia para o país é pois afinal apenas a
sua tragédia, a tragédia de quem sabe que chegou ao fim o seu tempo de
dominação política e que a democracia exige que se inicie agora um outro tempo,
em que a Constituição seja mesmo a lei suprema e em que os direitos de todos/as
sejam mesmo o essencial. É isso que a direita não tolera, é isso que a faz
extremar mais e mais o seu discurso e a sua prática.
A
direita perdeu e sabe que perdeu. Na verdade, a direita tratou de antecipar a
sua própria derrota. Em 2011, ainda antes de ser Primeiro-Ministro, Passos
Coelho afirmava, cito, que “os membros do Governo não podem recrutar
ilimitadamente uma espécie de administração paralela para os seus gabinetes”.
Em 2015, quando já sabia que deixaria de ser Primeiro-Ministro, tratou de
garantir mais de uma centena de nomeações de pessoas da sua área política.
Não
há nenhuma razão para que a democracia não se cumpra e não se cumpra já. Toda a
lentidão artificialmente imposta aos procedimentos da formação de um novo
governo que corresponda às condições de maioria estável criadas nesta
Assembleia da República tem em vista unicamente degradar a situação e facilitar
as pressões e as chantagens dos mesmos de sempre, dos que nunca desistirão de
ser donos disto tudo. Há uma alternativa capaz de responder às situações de
emergência social em que a direita colocou Portugal e de o fazer com condições
de estabilidade e no horizonte de uma legislatura. Teimar em, por capricho
político ou por rigidez ideológica, não a materializar em Governo de Portugal é
uma pura jogada política sem nenhum sentido de responsabilidade.
Espera-se
por isso que os constitucionalistas que ontem Passos Coelho e Paulo Portas
reuniram para se aconselharem lhes tenham dado o conselho certo de que Portugal
não precisa de se entreter com uma revisão constitucional de fantasia e
inventada para o puro jogo do entretenimento político mas precisa sim de
cumprir o ditame de constituir rapidamente um governo apoiado pela maioria do
parlamento, como não pode deixar de ser em democracia.
E
de um Presidente da República que foi mais rápido que a própria sombra quando
se tratou de proteger o seu governo prestes a evaporar-se pela demissão
irrevogável de Paulo Portas, espera-se que responsavelmente deixe de fazer
pouco do país e garanta o regular funcionamento das instituições democráticas.
É esse o seu dever, foi esse o seu juramento. O presidente pode, naturalmente,
ouvir quem entender, contanto que tantas conversas não o façam esquecer o que é
verdadeiramente essencial para um democrata: os cinco milhões de votos, todos
com igual dignidade política e todos com igual qualidade de representação da
vontade popular, que definiram a atual composição desta Assembleia e que
determinaram a existência nela de duas alternativas de governo nesta câmara,
uma com condições políticas de maioria para se cumprir e outra sem essas
condições e que é minoria social e política.
Por
isso mesmo, porque os/as deputados/as desta câmara foram todos/as eleitos/as
pelo povo sem nenhum prémio para os/as que chegassem primeiro, fraude eleitoral
e golpe de Estado constitucional seria sermos obrigados a ter um inexplicável
Governo de gestão contra a maioria política que representa a maioria do nosso
povo.
Invoca
o Presidente da República que não há razões para pressa, se ele próprio esteve
cinco meses como Primeiro-Ministro de um Governo em gestão. É a teoria do “ai
aguenta aguenta” transportada para o campo do sistema de governo. Cavaco Silva
aguentou 5 meses em gestão? Pois não há de o país aguentar agora uns 8 ou 9?
“Ai aguenta, aguenta”, diz o presidente. Convirá lembrar os mais incautos que o
então primeiro-ministro Cavaco Silva presidiu a um governo que esperou, em
regime de gestão, a realização de eleições, enquanto que, hoje, um eventual
governo de gestão seguir-se-ia a um ato eleitoral legítimo que determinou uma
composição do parlamento de que resulta patente a impotência da direita para
formar uma maioria que dê suporte estável a um governo.
Virar
a página da austeridade, pôr o país a funcionar, responder às pessoas e aos
seus anseios de dignidade, respeitar vidas inteiras de trabalho e de
sofrimento, não dar nenhum pretexto aos mercados ou a quem quer que seja para
chantagear o país e a democracia – essas são as exigências a que o povo nos
exige que respondamos. E que o façamos com um governo que tenha suporte
democrático maioritário para tornar concretas todas essas respostas.
Declaração
na Assembleia da República em 18 de novembro de 2015
*Esquerda.net - Deputado
e Vice-Presidente da Assembleia da República. Dirigente do Bloco de Esquerda,
professor universitário.
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