Há
um golpe de Estado em curso, mas é difuso. Alastra-se como um câncer,
alimentando-se da crise do Lulismo e da deriva neoliberal de Dilma. A chance de
combatê-lo seria uma nova aliança
Felipe
Amin Filomeno – Outras Palavras
A
crise política por que passa o Brasil hoje é complexa demais para ser
compreendida pelas formulações maniqueístas que predominam nos debates
cotidianos. Tanto a tese da presidenta corrupta quanto a tese do golpe
cuidadosamente orquestrado pela oposição são demasiado reducionistas. Há um
golpe de Estado em curso, mas ele é difuso, paulatino e contingente. O golpismo
atual é como um câncer para o governo Dilma: espalha-se de forma sorrateira de
um setor para outro da sociedade, ora se retrai por causa de ações do governo e
da mobilização de segmentos da sociedade civil, ora se fortalece pela ação dos
partidos de oposição, do judiciário partidarizado, da mídia oligopolista e dos
especuladores financeiros. É doença oportunista e difícil de tratar.
A
crise política atual não é uma crise do segundo mandato da presidenta Dilma, é
um agravamento da crise do Lulismo como conjuntura da economia política
brasileira. O primeiro sintoma do esgotamento do Lulismo foi a onda de
manifestações de rua ocorrida em 2013, ainda que o conteúdo destas
manifestações tenha sido ambíguo e não apenas direcionado contra o governo
federal liderado pelo PT. Paradoxalmente, as manifestações de 2013 e a
insatisfação corrente de parte da classe média com a administração da
presidenta Dilma são, em parte, resultado do desenvolvimento econômico
socialmente-inclusivo que ocorreu nos governos do PT. Com a barriga cheia e a
carteira de trabalho assinada, os “emergentes” passaram esperar mais do Estado
brasileiro. A crise se aprofundou com a persistência da recessão econômica
mundial, especialmente com a desaceleração da economia na China e o fim do
“boom” das commodities. Depois de uma vitória apertada nas eleições
presidenciais e da eleição de um parlamento mais conservador em 2014, a adoção
de uma política econômica neoliberal não foi suficiente para acalmar as elites
do país, intensificou a recessão econômica e começou a alienar atores que
historicamente compunham a base de sustentação social do PT (sindicatos, parte
da classe média e movimentos sociais).
Diante
desta crise do Lulismo, táticas que a oposição vinha adotando desde que Lula
assumiu a presidência da república passaram a surtir efeito. A primeira tática
é a oposição midiática, em que grandes empresas de comunicação realizam uma
cobertura jornalística que maximiza os problemas e minimiza os avanços do país
e do governo. No mesmo sentido, casos de corrupção envolvendo políticos da
oposição quase nunca chegam às manchetes e são logo esquecidos pelos jornalões.
Aqui está em jogo a opinião pública. A presidência de Lula sobreviveu ao
escândalo do mensalão, mas o mesmo não se pode dizer do segundo mandato de
Dilma, diante dos atuais escândalos de corrupção num quadro de crise econômica.
A segunda tática é a judicialização da oposição, em que certos atores no
Ministério Público, na Polícia Federal, no Tribunal de Contas e no Poder
Judiciário intensificam a severidade em processos contra membros do PT ao passo
em que relaxam o rigor em processos contra membros dos partidos de oposição. No
Congresso Nacional, que provavelmente é a instituição mais desmoralizada do
país, a oposição partidária tira vantagem de ambas as táticas e adota as suas
próprias. A política de chantagens do presidente da Câmara Eduardo Cunha é
exemplo emblemático. Subjacente a tudo isto, está o histórico anti-petismo das
elites e da porção conservadora da classe média. Trata-se de preconceito da
“casa grande”, levemente contido durante o período de bonança econômica, mas
que voltou com força, inclusive com tom macartista, impulsionado pela
valorização do dólar (um dos principais “termômetros” da opinião pública da
classe média brasileira). Estes vetores, embora contingentes, parecem estar se
fortalecendo e convergindo.
Por
um lado, o noticiário extensivo sobre casos de corrupção e a punição de
políticos corruptos (às vezes acompanhada de recuperação parcial de recursos
públicos desviados) são sinais de fortalecimento das instituições políticas
brasileiras. Quem conheceu bem o Brasil anterior ao ano 2000, sabe que hoje o
combate à corrupção é muito mais intenso, que o Estado, com todos os seus
problemas, é muito mais transparente. Pensar que as notícias de corrupção se
proliferam apenas por causa da suposta improbidade do PT é ingenuidade ou viés
de oposição. Entretanto, as duas táticas de oposição enfatizadas acima são sinal
de que duas instituições fundamentais para o bom funcionamento de uma
democracia – a mídia e o judiciário – são débeis no Brasil, pois não tem
independência e são partidarizadas.
Diante
da progressão do câncer golpista, o governo precisa tentar novas terapias.
Minha aposta é que, no final das contas, são as ruas que definirão o resultado.
Se a mobilização das bases históricas de sustentação do PT for igual ou mais
forte do que a mobilização da oposição, Dilma terá chances de concluir seu
mandato. Lula, o PT, os sindicatos e os movimentos sociais progressistas
precisam fazer, rapidamente, uma ameaça crível para a oposição, para o
vice-presidente Michel Temer e para os membros vacilantes da “base governista”
no Congresso. Precisam demonstrar, nas ruas, que, com um impeachment, o país
ingressaria numa situação de caos persistente e que nenhum presidente que
substituísse Dilma seria um presidente feliz.
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