Martinho Júnior, Luanda
Em
Setembro de 2003 escrevi para o Angolense dois textos sobre São Tomé e
Príncipe, na sequência do que havia escrito em 2002, que foi publicado pelo “Actual”,
(o “USS São Tomé”).
A
15 de Setembro de 2003 o minúsculo arquipélago do Golfo da Guiné estava a ser
tocado pela“cenoura” de George W. Bush e fervilhava nas expectativas que a
exploração do petróleo lhe trazia, projectando-o desde logo numa espécie de
Diego Garcia para o Golfo da Guiné…
Nunca
antes os sonhos sacudiram aquele pacato povo como então e isso permite-nos
observar como actua a hegemonia unipolar e seu arsenal de argumentos, onde quer
que instale seus interesses.
O
desequilíbrio súbito que isso provoca não poupou São Tomé e Príncipe tornando a “hora
de Bush” numa “hora dos búfalos”, enquanto as expectativas foram
pouco a pouco desvanecendo-se, à medida que se tornaria incomportável a
exploração do petróleo “offshore” a grandes profundidades, em função
dos elevados custos que isso implica, face à queda dos preços que viriam a
ocorrer.
Em
2003 houve a aproximação de São Tomé e Príncipe à Nigéria, sua vizinha a norte
e por tabela interessada no “offshore” comum.
Em
2002 e 2003 todavia não sendo possível prever essa queda de preços, a
administração de George W. Bush agitava a “cenoura” com os olhos
postos em toda a região, justificando desse modo o balanço para o lançamento da
iniciativa do Laboratório AFRICOM.
SÃO
TOMÉ – A HORA DE BUSH
O
micro cosmos que constitui São Tomé e Príncipe tem sido alvo de atenção de
muitos observadores sobre os assuntos africanos pelas mais diversas razões.
Na
parte que nos cabe, para além das afinidades histórico-culturais-sociais com
Angola, o facto de São Tomé e Príncipe estar a sair do “ciclo do café e do
cacau” para o “ciclo do petróleo” justifica o nosso maior
interesse, até por que essa mudança ocorre no momento em que os contemporâneos
métodos e processos de globalização se assumem inexoravelmente por todo o
Planeta, com todos os artifícios e manipulações que cada vez mais acarretam,
incluindo os seus medos e fantasmas.
Uma
das questões mais pertinentes para os observadores que se debrucem sobre os
assuntos que se prendem com o arquipélago parece ser a de avaliar até que ponto
os impactos próprios dos avanços desses métodos e processos que caracterizam a
globalização, impostos fundamentalmente pelas actividades das grandes potências
e dos grandes conglomerados financeiro-industriais, estão já a repercutir sobre
aquele pequeno país, através das questões que envolvem a exploração do petróleo
no Golfo da Guiné, não sendo esse o único veículo de relacionamento para com
aquele micro cosmos.

Os
impactos são aliás evidentes em todo o Golfo da Guiné alterando profundamente a
conjuntura externa e a regional, pelo que São Tomé e Príncipe deixou de ser
aquele paraíso terrestre, quase ignoto , vegetando sem remédio no
subdesenvolvimento crónico, onde à marca indelével do tráfico de escravos e do
prolongado colonialismo português que vigoraram praticamente desde a descoberta
e povoamento das ilhas até quase ao final do século XX, nem com a independência
houve capacidade para fazer alterar para melhor os padrões de vida do seu povo.
Aparentemente
não é o “ciclo do petróleo” que poderá pôr fim a esse
subdesenvolvimento crónico, mas é ele que, contribuindo para evoluir a conjuntura
externa e regional, se reflecte inusitadamente na conjuntura interna do País,
mexendo psicológica e politicamente com toda a sociedade, quanto mais não seja
pelas expectativas que gere.
Após
a independência a vida política parecia fluir placidamente, a um ritmo com
aparência de ser puxado por um motor a dois tempos, a cadência tropical da
exploração do café, do cacau e pouco mais, o que tinha a ver ainda com o
isolamento físico-geográfico, quer durante o período de regime de partido
único, quer na altura do início do multi-partidarismo.
As
tensões sociais gravitavam como lava dum pequeno vulcão adormecido,
provavelmente meio anémico e palúdico, surda e subterraneamente, mantendo-se a
emigração como a válvula para se escapar dum labirinto que não permitia melhor
solução de vida, apesar do paraíso que as ilhas constituem.
A
partir do momento porém que a palavra “petróleo” passou a ecoar no
léxico comum, mudou a atitude psicológica das pessoas, o seu projecto comum e
especialmente a sua atitude em relação a um futuro próximo que para muitos é
inadiável, apesar do facto de não se terem ainda iniciado quaisquer trabalhos
de exploração do “crude” que tenham acarretado benefício directo para
o país.
A
partir desse momento a pressão interior, sempre condicionada pelo marasmo em
que haviam caído as ilhas gerações e gerações de são-tomenses, passou a vir ao
de cima, agitando as pessoas, a sociedade, as instituições e a política.
A
essa efervescência, a efervescência própria dum cadinho ao longínquo jeito dum
novo e mirabolante “far West” que foi condicionando a atitude
psicológica, social e política interna, juntou-se a atenção que o arquipélago
passou a ter para as grandes potências, particularmente os Estados Unidos, com
a ascensão da administração Bush e a França segundo uma presença tradicional,
como a nível de seus vizinhos na região e até um pouco mais afastados.
Dadas
as características próprias dos processos e métodos da globalização nos termos
em que ela se realiza, os Estados Unidos, nomeadamente a administração Bush, ao
privilegiarem as estratégias relacionadas com os assuntos energéticos e
particularmente com a exploração e mercado do petróleo, passaram a conferir a
São Tomé e Príncipe uma atenção ainda maior, sintomaticamente na mesma altura
em que a palavra “petróleo” foi cada vez mais repercutindo no
horizonte do país.
Para
a potência hegemónica o micro cosmos ilhéu perdido no meio do Golfo da Guiné,
valorizava-se não só pelas suas potencialidades petrolíferas aparentemente
disponíveis, mas pelo significado geo estratégico do arquipélago em relação a
todos os principais poços produtores do “crude”dispersos pela região
circundante, em particular na plataforma “offshore” e numa altura em
que as disputas internacionais no acesso a eles tendem a crescer, com todos os
riscos que a situação declarada pela administração Bush de “guerra ao
terrorismo”, comporta.
É
legítimo procurar avaliar no meio desta atmosfera e expectativa que têm sido
criadas, se em função das prioridades estratégicas de segurança da potência
hegemónica será mais importante a exploração de petróleo do que a
rentabilização da potencialidade geo estratégica de São Tomé em benefício dos
Estados Unidos em relação a todo o Golfo da Guiné, tanto mais legítimo quanto o
adormecido vulcão dá sinais de estremecer e começar a alterar a sua própria
conjuntura interna a um ritmo e segundo processos e métodos nunca antes tão
profundamente experimentados e sentidos.
Seguindo
essa linha de pensamento, não são só as instituições que compõem o que
ultimamente se está a convencionar chamar “a sociedade civil” que
deverão estar na mira dos observadores mais atentos, mas sobretudo as
instituições militares e militarizadas, por muito pouco importância que
aparentemente os seus respectivos países detenham.
Há
cerca de dez anos a esta parte, imediatamente antes do início do “ciclo do
petróleo”, só os analistas mais temperados, levando em conta o estudo multi
sectorial dos vários componentes por onde flui a globalização e arriscando as
nuvens próprias duma futurologia, poderiam fazer prever o valor de São Tomé e
Príncipe enquanto plataforma e ponto de apoio particularmente do interesse da
potência hegemónica que melhores garantias poderia oferecer, a fim de ali poder
instalar uma parte dum sistema de inteligência vocacionado para a segurança das
instalações e interesses petrolíferos no Golfo da Guiné, bem como alguns meios
de intervenção, por esforço directo ou de terceira bandeira (incluindo “por
procuração”).
Desse
modo e nessa altura, muito poucos ou nenhuns eram capazes de definir as
eventuais mudanças nos contornos dos relacionamentos do então governo do MLSTP,
prevenindo a instalação de novos condicionalismos psicológicos, sociais,
políticos, institucionais, económicos e financeiros, a roçar o limiar da
ingerência subtil e contínua nos novos moldes em que isso actualmente parece
estar já a suceder de há cerda de um ano a esta parte.
Quando
alguns sinais foram sendo do conhecimento público muitos desses analistas da
região parecem ter levado de-ânimo-leve as evidências duma nova conjuntura
política lançada pela administração Bush que iria inevitavelmente acarretar
para toda a região e África Sub Sahariana no quadro da “African Oil Policy
Initiative Group”, particularizada em relação a São Tomé e Príncipe quando o
seu Presidente, Fradique de Menezes visitou os Estados Unidos a 14 de Maio de
2002 e foi recebido pelas mais altas entidades governamentais encarregues da
política americana para África, como Walter Kansteiner e pelo “Corporate
Council on Africa”, tendo a Exxon Petroleum, a Phillips Petroleum e a Annadarko
Petroleum como principais anfitriões.
Muito
provavelmente não puderam avaliar o peso das estimativas que foram postas a
circular pelos geólogos do Colégio Imperial de Londres que apontam para os
156.000 km2 do “offshore” a existência de 4 mil milhões de barris de
petróleo a explorar numa vintena de poços, o suficiente para Washington começar
a pensar em ir progressivamente abandonando a Arábia Saudita, em proveito dos
esforços de exploração no Golfo da Guiné.
Por
outro lado a maior parte dos analistas africanos poucas referências têm tido
sobre a actuação e o desenvolvimento de cobertura global do ECHELON e,
sincronizadamente, a contínua expansão do conceito dos “Forward Operating
Locations” (“Postos Avançados de Operações”), combinando a vinculação
Americana-Britânica numa nova ordem de batalha para fazer frente ao que é
designado como “terrorismo”, pelas estruturas dominantes.

Como
que por osmose e sintomaticamente, desde praticamente o início da governação do
Presidente Fradique de Menezes que as tensões de ordem social e política foram
ganhando outra intensidade por dentro das instituições são-tomenses e muitas
vezes passaram ao domínio público, culminando com o mascarado golpe de teatro
duma convulsão militar, pintado “tanto quanto bastasse” de golpe de
estado, apesar do governo de “Maria da Esperança Renovada”, conforme o
Presidente chamou à Chefe do oitavo governo do país.
Não
há qualquer possibilidade de dúvida sobre o facto de que as tensões e conflitos
internos foram alastrando e, pelo menos em alguns casos, impondo impactos
negativos de lesa “democracia” em São Tomé e Príncipe, particularmente
após os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 e a veiculação pela opinião
pública ao serviço da administração Bush, dos conceitos formulados pelo“think
tank” de Jerusalém, “IASPS”, (“Institute for Advanced Strategic and
Political Studies”) em relação à alternativa para a exploração de petróleo que
constituiu os países do Golfo da Guiné, bem como isso está a mexer com os
serviços de inteligência americanos, de seus principais aliados e com as
questões que se prendem com o desencadear dos métodos e processos de segurança
estratégica naquelas região.
Também
parece não haver dúvidas que a tendência da direita e extrema-direita em se
manifestarem com outros argumentos e peso político, ainda que a partir de
estatutos por vezes quase marginalizados e sem linha histórica
institucionalizada, se pode verificar também no micro cosmos que constitui São
Tomé e Príncipe, aferindo-se um pouco às características do que estabeleceu a
própria administração Bush.
Mapas:
-
Zona de interesse comum na exploração de petróleo entre a Nigéria e São Tomé e
Príncipe;
-
Zona Económica Exclusiva de São Tomé e Príncipe com o “offshore” da
exploração de petróleo;
Foto:
-
Primeiros contactos entre as Marinhas de Guerra dos Estados Unidos e de São
Tomé e Príncipe.
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