terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O LABORATÓRIO AFRICOM – XI




Em Setembro de 2003 escrevi para o Angolense dois textos sobre São Tomé e Príncipe, na sequência do que havia escrito em 2002, que foi publicado pelo “Actual”, (o “USS São Tomé”).

A 15 de Setembro de 2003 o minúsculo arquipélago do Golfo da Guiné estava a ser tocado pela“cenoura” de George W. Bush e fervilhava nas expectativas que a exploração do petróleo lhe trazia, projectando-o desde logo numa espécie de Diego Garcia para o Golfo da Guiné…

Nunca antes os sonhos sacudiram aquele pacato povo como então e isso permite-nos observar como actua a hegemonia unipolar e seu arsenal de argumentos, onde quer que instale seus interesses.

O desequilíbrio súbito que isso provoca não poupou São Tomé e Príncipe tornando a “hora de Bush” numa “hora dos búfalos”, enquanto as expectativas foram pouco a pouco desvanecendo-se, à medida que se tornaria incomportável a exploração do petróleo “offshore” a grandes profundidades, em função dos elevados custos que isso implica, face à queda dos preços que viriam a ocorrer.

Em 2003 houve a aproximação de São Tomé e Príncipe à Nigéria, sua vizinha a norte e por tabela interessada no “offshore” comum.

Em 2002 e 2003 todavia não sendo possível prever essa queda de preços, a administração de George W. Bush agitava a “cenoura” com os olhos postos em toda a região, justificando desse modo o balanço para o lançamento da iniciativa do Laboratório AFRICOM.

SÃO TOMÉ – A HORA DE BUSH

O micro cosmos que constitui São Tomé e Príncipe tem sido alvo de atenção de muitos observadores sobre os assuntos africanos pelas mais diversas razões.

Na parte que nos cabe, para além das afinidades histórico-culturais-sociais com Angola, o facto de São Tomé e Príncipe estar a sair do “ciclo do café e do cacau” para o “ciclo do petróleo” justifica o nosso maior interesse, até por que essa mudança ocorre no momento em que os contemporâneos métodos e processos de globalização se assumem inexoravelmente por todo o Planeta, com todos os artifícios e manipulações que cada vez mais acarretam, incluindo os seus medos e fantasmas.

Uma das questões mais pertinentes para os observadores que se debrucem sobre os assuntos que se prendem com o arquipélago parece ser a de avaliar até que ponto os impactos próprios dos avanços desses métodos e processos que caracterizam a globalização, impostos fundamentalmente pelas actividades das grandes potências e dos grandes conglomerados financeiro-industriais, estão já a repercutir sobre aquele pequeno país, através das questões que envolvem a exploração do petróleo no Golfo da Guiné, não sendo esse o único veículo de relacionamento para com aquele micro cosmos.

Se antes, durante o relativamente longo “ciclo do café e do cacau”, o território insular se tornou num País periférico, pouco representativo até entre os produtores daquela riqueza natural, sujeito às vicissitudes dum mercado que criou dependência, inclusive na regulação dos preços praticados em relação àquelas matérias-primas, agora com o “ciclo do petróleo”, é precisamente na altura em que a produção mundial do “crude” está a atingir o máximo da escala prevista (o chamado “pico de Hubbert”), que as ilhas vão assumir as primeiras experiências no ramo, pondo fim a uma época em que um romantismo de pinceladas coloniais marcou a sua geografia física e humana, tal como o seu meio acabrunhado isolamento.

Os impactos são aliás evidentes em todo o Golfo da Guiné alterando profundamente a conjuntura externa e a regional, pelo que São Tomé e Príncipe deixou de ser aquele paraíso terrestre, quase ignoto , vegetando sem remédio no subdesenvolvimento crónico, onde à marca indelével do tráfico de escravos e do prolongado colonialismo português que vigoraram praticamente desde a descoberta e povoamento das ilhas até quase ao final do século XX, nem com a independência houve capacidade para fazer alterar para melhor os padrões de vida do seu povo.

Aparentemente não é o “ciclo do petróleo” que poderá pôr fim a esse subdesenvolvimento crónico, mas é ele que, contribuindo para evoluir a conjuntura externa e regional, se reflecte inusitadamente na conjuntura interna do País, mexendo psicológica e politicamente com toda a sociedade, quanto mais não seja pelas expectativas que gere.

Após a independência a vida política parecia fluir placidamente, a um ritmo com aparência de ser puxado por um motor a dois tempos, a cadência tropical da exploração do café, do cacau e pouco mais, o que tinha a ver ainda com o isolamento físico-geográfico, quer durante o período de regime de partido único, quer na altura do início do multi-partidarismo.

As tensões sociais gravitavam como lava dum pequeno vulcão adormecido, provavelmente meio anémico e palúdico, surda e subterraneamente, mantendo-se a emigração como a válvula para se escapar dum labirinto que não permitia melhor solução de vida, apesar do paraíso que as ilhas constituem.

A partir do momento porém que a palavra “petróleo” passou a ecoar no léxico comum, mudou a atitude psicológica das pessoas, o seu projecto comum e especialmente a sua atitude em relação a um futuro próximo que para muitos é inadiável, apesar do facto de não se terem ainda iniciado quaisquer trabalhos de exploração do “crude” que tenham acarretado benefício directo para o país.

A partir desse momento a pressão interior, sempre condicionada pelo marasmo em que haviam caído as ilhas gerações e gerações de são-tomenses, passou a vir ao de cima, agitando as pessoas, a sociedade, as instituições e a política.

A essa efervescência, a efervescência própria dum cadinho ao longínquo jeito dum novo e mirabolante “far West” que foi condicionando a atitude psicológica, social e política interna, juntou-se a atenção que o arquipélago passou a ter para as grandes potências, particularmente os Estados Unidos, com a ascensão da administração Bush e a França segundo uma presença tradicional, como a nível de seus vizinhos na região e até um pouco mais afastados.

Dadas as características próprias dos processos e métodos da globalização nos termos em que ela se realiza, os Estados Unidos, nomeadamente a administração Bush, ao privilegiarem as estratégias relacionadas com os assuntos energéticos e particularmente com a exploração e mercado do petróleo, passaram a conferir a São Tomé e Príncipe uma atenção ainda maior, sintomaticamente na mesma altura em que a palavra “petróleo” foi cada vez mais repercutindo no horizonte do país.

Para a potência hegemónica o micro cosmos ilhéu perdido no meio do Golfo da Guiné, valorizava-se não só pelas suas potencialidades petrolíferas aparentemente disponíveis, mas pelo significado geo estratégico do arquipélago em relação a todos os principais poços produtores do “crude”dispersos pela região circundante, em particular na plataforma “offshore” e numa altura em que as disputas internacionais no acesso a eles tendem a crescer, com todos os riscos que a situação declarada pela administração Bush de “guerra ao terrorismo”, comporta.

É legítimo procurar avaliar no meio desta atmosfera e expectativa que têm sido criadas, se em função das prioridades estratégicas de segurança da potência hegemónica será mais importante a exploração de petróleo do que a rentabilização da potencialidade geo estratégica de São Tomé em benefício dos Estados Unidos em relação a todo o Golfo da Guiné, tanto mais legítimo quanto o adormecido vulcão dá sinais de estremecer e começar a alterar a sua própria conjuntura interna a um ritmo e segundo processos e métodos nunca antes tão profundamente experimentados e sentidos.

Seguindo essa linha de pensamento, não são só as instituições que compõem o que ultimamente se está a convencionar chamar “a sociedade civil” que deverão estar na mira dos observadores mais atentos, mas sobretudo as instituições militares e militarizadas, por muito pouco importância que aparentemente os seus respectivos países detenham.

Há cerca de dez anos a esta parte, imediatamente antes do início do “ciclo do petróleo”, só os analistas mais temperados, levando em conta o estudo multi sectorial dos vários componentes por onde flui a globalização e arriscando as nuvens próprias duma futurologia, poderiam fazer prever o valor de São Tomé e Príncipe enquanto plataforma e ponto de apoio particularmente do interesse da potência hegemónica que melhores garantias poderia oferecer, a fim de ali poder instalar uma parte dum sistema de inteligência vocacionado para a segurança das instalações e interesses petrolíferos no Golfo da Guiné, bem como alguns meios de intervenção, por esforço directo ou de terceira bandeira (incluindo “por procuração”).

Desse modo e nessa altura, muito poucos ou nenhuns eram capazes de definir as eventuais mudanças nos contornos dos relacionamentos do então governo do MLSTP, prevenindo a instalação de novos condicionalismos psicológicos, sociais, políticos, institucionais, económicos e financeiros, a roçar o limiar da ingerência subtil e contínua nos novos moldes em que isso actualmente parece estar já a suceder de há cerda de um ano a esta parte.

Quando alguns sinais foram sendo do conhecimento público muitos desses analistas da região parecem ter levado de-ânimo-leve as evidências duma nova conjuntura política lançada pela administração Bush que iria inevitavelmente acarretar para toda a região e África Sub Sahariana no quadro da “African Oil Policy Initiative Group”, particularizada em relação a São Tomé e Príncipe quando o seu Presidente, Fradique de Menezes visitou os Estados Unidos a 14 de Maio de 2002 e foi recebido pelas mais altas entidades governamentais encarregues da política americana para África, como Walter Kansteiner e pelo “Corporate Council on Africa”, tendo a Exxon Petroleum, a Phillips Petroleum e a Annadarko Petroleum como principais anfitriões.

Muito provavelmente não puderam avaliar o peso das estimativas que foram postas a circular pelos geólogos do Colégio Imperial de Londres que apontam para os 156.000 km2 do “offshore” a existência de 4 mil milhões de barris de petróleo a explorar numa vintena de poços, o suficiente para Washington começar a pensar em ir progressivamente abandonando a Arábia Saudita, em proveito dos esforços de exploração no Golfo da Guiné.

Por outro lado a maior parte dos analistas africanos poucas referências têm tido sobre a actuação e o desenvolvimento de cobertura global do ECHELON e, sincronizadamente, a contínua expansão do conceito dos “Forward Operating Locations” (“Postos Avançados de Operações”), combinando a vinculação Americana-Britânica numa nova ordem de batalha para fazer frente ao que é designado como “terrorismo”, pelas estruturas dominantes.

 A 24 de Julho de 2002, notícias veiculadas pelo correspondente da VOA junto do Pentágono e citando Theresa Whelan, directora do Gabinete do Pentágono para os Assuntos Africanos, aproveitando uma visita do General Carlton Fullford a São Tomé referia o interesse dos Estados Unidos em procurar formar as mini Forças Armadas do país tendo em conta a actividade naval, ainda que viesse a mesma entidade a negar que os Estados Unidos estivessem interessados na implantação duma Base Naval sob sua própria bandeira, conforme o “Jeunne Afrique l’Inteligent”nº 2174 com data de 9 a 15 de Setembro de 2002.

Como que por osmose e sintomaticamente, desde praticamente o início da governação do Presidente Fradique de Menezes que as tensões de ordem social e política foram ganhando outra intensidade por dentro das instituições são-tomenses e muitas vezes passaram ao domínio público, culminando com o mascarado golpe de teatro duma convulsão militar, pintado “tanto quanto bastasse” de golpe de estado, apesar do governo de “Maria da Esperança Renovada”, conforme o Presidente chamou à Chefe do oitavo governo do país.

Não há qualquer possibilidade de dúvida sobre o facto de que as tensões e conflitos internos foram alastrando e, pelo menos em alguns casos, impondo impactos negativos de lesa “democracia” em São Tomé e Príncipe, particularmente após os acontecimentos do 11 de Setembro de 2001 e a veiculação pela opinião pública ao serviço da administração Bush, dos conceitos formulados pelo“think tank” de Jerusalém, “IASPS”, (“Institute for Advanced Strategic and Political Studies”) em relação à alternativa para a exploração de petróleo que constituiu os países do Golfo da Guiné, bem como isso está a mexer com os serviços de inteligência americanos, de seus principais aliados e com as questões que se prendem com o desencadear dos métodos e processos de segurança estratégica naquelas região.

Também parece não haver dúvidas que a tendência da direita e extrema-direita em se manifestarem com outros argumentos e peso político, ainda que a partir de estatutos por vezes quase marginalizados e sem linha histórica institucionalizada, se pode verificar também no micro cosmos que constitui São Tomé e Príncipe, aferindo-se um pouco às características do que estabeleceu a própria administração Bush.

Mapas:
- Zona de interesse comum na exploração de petróleo entre a Nigéria e São Tomé e Príncipe; 
- Zona Económica Exclusiva de São Tomé e Príncipe com o “offshore” da exploração de petróleo;

Foto:
- Primeiros contactos entre as Marinhas de Guerra dos Estados Unidos e de São Tomé e Príncipe.

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