Isabel
Moreira – Expresso, opinião
O
Tribunal Constitucional (TC), após três decisões em sede de fiscalização
concreta, declarou, com força obrigatória geral, mais uma abjeção do anterior
governo (com o rosto de Paula Teixeira da Cruz) no sentido de justiça penal
rapidíssima à custa dos “cansativos” direitos e garantias do arguido
consagrados na Constituição (CRP), “essa coisa”.
O
que estava em causa, que então mereceu a oposição permanente do PS e agora de
vez do TC?
Estava
em causa fazer submeter a processo sumário, ou seja, com um só juiz, todos os
arguidos detidos em flagrante delito, independentemente da moldura da pena.
Assim, alguém que cometesse um crime punível com a pena máxima prevista no
Código Penal seria julgado em modo de “despacho”. Esta era a orgulhosa deriva
“reformadora” da direita.
Sem
qualquer preocupação de consenso no que toca a alterações gravíssimas em
matéria penal, a direita foi em frente, rápida como seria rápida a condenação
de pessoas despidas de garantias processuais, porque se alguém é detido em
flagrante delito (o que inclui quase flagrante delito) o que há a dizer, como
foi dito um dia na primeira comissão por Paula Teixeira da Cruz é, parece,
“está visto, está visto”.
Esta
coisa apelidada de “moderna” foi abolida do sistema português há mais de 100
anos, o que tornava o modernismo num retrocesso civilizacional desavergonhado.
O
Acórdão do TC nº 174/2014 foi ao encontro de todos os pareceres emitidos por
quem de direito antes da aprovação daquele momento “reformista”. É claríssimo
quando afirma o que faz de nós um Estado de direito, nomeadamente nesta
passagem: “não tem qualquer cabimento afirmar que o processo sumário, menos
solene e garantístico, possa aplicar-se a todos os arguidos detidos em
flagrante delito independentemente da medida da pena aplicável”.
O
TC foi minucioso na denúncia da restrição intolerável às garantias de defesa do
arguido.
Como
bem perguntou o Deputado do PS Filipe Neto Brandão “era mesmo preciso esperar
que o Tribunal Constitucional viesse expressamente a declarar, como veio a
fazer, que “o julgamento através do tribunal singular oferece ao arguido
menores garantias do que um julgamento em tribunal coletivo, porque aumenta a
margem de erro na apreciação dos factos e a possibilidade de uma decisão menos
justa”?
Não era. Mas sabemos todos da relação de amor que a anterior maioria mantinha com a lei das leis.
O
PS e outros Partidos fizeram agora o que a direita não fez, nem mesmo após as
primeiras decisões do TC.
O
PS apresentou um projeto de lei que cumpre aquilo que o TC exigiu. De resto,
este mesmo projeto de lei já foi objeto de pareces positivos por parte do
Conselho Superior da Magistratura e do Conselho Superior do Ministério Público.
Está em causa, claro, “coadunar o texto do Código do Processo Penal com a
interpretação conforme à Constituição efetuada pelo Tribunal Constitucional a
respeito do processo sumário.”
No
debate desta correção do sistema, que sempre defendemos e que agora é
obrigatória - porque não vivemos na lei da selva (temos um TC) -, a direita
insistiu na defesa de uma deriva criminal sem direitos, na defesa de o erro
estar na CRP e não na perigosíssimo processo sumário “está visto, está visto”.
No
debate desta correção do sistema conseguimos com custo ouvir Deputados do PSD e
do CDS reclamarem que a decisão do TC não tinha sido tomada por unanimidade,
como se isso a tornasse menos vinculativa, como se um arguido condenado por um
tribunal coletivo, por exemplo com um voto de vencido, se devesse considerar
mais ou menos condenado.
Talvez
esta pobreza confrangedora que segue em frente, orgulhosamente só, mesmo após
quatro decisões do TC, também se deva ao facto de a anterior maioria ter
conseguido a proeza de ser castigada com declarações de inconstitucionalidade
treze a zero. Agora está convencida que tem de ser sempre por unanimidade,
imagina-se.
O
ponto é porém outro. A direita abandonou-se.
Quem
defende uma lógica retrógrada que mais do que “está visto, está visto”
significa “está visto, estás preso” perdeu uma escola inteira.
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