Pedro
Ivo Carvalho – Jornal de Notícias, opinião
Esta
é a história de um susto. De um plano que, por ser um plano, não é uma certeza.
De uma seta envenenada que, no final, até pode atingir o alvo errado. Esta é a
história de uma empresa pública que tinha uma bomba guardada numa gaveta que só
agora se abriu. No estertor de um governo que se foi, no dealbar de um governo
que começa. Esta é a história do regresso das portagens a uma zona proibida.
Pacificada desde 1995. Sem alternativa. Esta pode bem ser a história de um
assalto. Ou então não. São só hipóteses. Era para ver se pegava. É apenas uma
folha de excel. Um "documento de trabalho interno com carácter preliminar
negocial".
Do
princípio: o Plano de Atividades e Orçamento da Infraestruturas de Portugal
(IP) prevê a reintrodução de portagens já no verão de 2016 no troço da A3 entre
Águas Santas e a Maia e no troço da A4 entre Águas Santas e Ermesinde.
Significa isso que nas contas da empresa que resulta da fusão entre a Estradas
de Portugal e a Rede Ferroviária Nacional já estão "acomodados" os 15
milhões de euros anuais resultantes desta receita. O negócio foi feito pelo
anterior Governo e devidamente "autorizado" pelo ex-secretário de
Estado dos Transportes, o omnipresente Sérgio Monteiro.
Eu
sei que a decisão não tem o tamanho mediático ou o peso económico da anulação
da sobretaxa do IRS, mas mesmo assim foi habilmente ocultada dos eleitores
antes das legislativas. Se a maioria PSD/PP ganhasse, teria tempo suficiente
para amaciar o discurso e apoiar os "parolos" do Norte na dolorosa
missão de entranhar mais um sacrifício. Se a maioria PSD/PP perdesse, quem
viesse que descalçasse a bota, assumindo o ónus de deitar milhões pela janela.
Tudo
isto foi feito nas costas das populações e dos autarcas. Mais: na transição de
pastas entre governos, de acordo com fontes do atual Executivo não desmentidas,
esqueceram-se de mencionar esta prenda no sapatinho.
É
bom ter em conta do que falamos. De 140 mil pessoas diretamente afetadas, mas
de três ou quatro vezes mais portugueses indiretamente apanhados por uma medida
que deixaria concelhos como Maia e Valongo delineados por estradas onde só anda
quem paga.
Circulam
por dia 62 268 veículos entre Águas Santas e a Maia, na A3, e 77 096 viaturas
entre Águas Santas e Ermesinde, na A4. Se estes troços fossem portajados, a
mobilidade na região recuaria 20 anos. A Infraestruturas de Portugal garante
que não está "nada decidido", mas acreditar nisso é quase tão
arriscado como crer no fim das tensões religiosas no Médio Oriente.
Dos
poderes que representam uma região que está cercada por portagens espera-se que
esperneiem. Do Governo da nação que não quer patrocinar erros do passado
exige-se que seja coerente.
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