Rui Peralta, Luanda
O
ambiente actual da indústria mediática no continente africano é, no mínimo,
vibrante e de grande amplitude: do mais vibrante e cintilante ao mais
desolador, das grandes produções – novelas “afros” - dos noticiários recheados,
aos padres e aos polícias, ou seja do frenesim das bolsas aos programas
religiosos e baseados em crimes e historietas banais, que em alguns países do
continente tem o nome pomposo de “segurança nacional”. Onde ainda na década
anterior, na maioria das cidades africanas (antes das reformas estruturais “liberalizantes”),
havia um jornal, alguns canais de radio e 2 canais televisivos (tudo do
Estado), hoje existem dezenas ou centenas de empresas que competem entre si.
Hoje,
por exemplo, na RDC (Congo Democrático) há cerca de 200 jornais, um exemplo
superado pelo Quénia, cuja capital, Nairobi, é um imenso expositor de jornais,
com centenas e talvez milhares de pessoas a venderem jornais, moldando a
paisagem urbana com jornais em diversas línguas (inglês, árabe, swali, kikuyo,
etc.), panorama idêntico ao da África do Sul. Simultaneamente o continente
assiste ao desenvolvimento dos grupos que lideram os conglomerados mediáticos,
grupos como o NASPERS, liderado pelo sul-africano Koo Bekker, o IPP Media
Group, formado pelo tanzaniano Reginald Mengi ou Nation Media Group liderado
pelo nigeriano Raymond Dokpesi.
A
imprensa, nos moldes ocidentais, surge no continente africano através do
colonialismo, em grande parte como suporte ideológico das elites coloniais.
Além desta função, cumpre o papel de entretinimento e informação. Após a década
de 20 do século passado surgem as primeiras salas de cinema na África
colonizada pela Inglaterra e pela França, que se implementarão nestes territórios
até á década de 40 (os portugueses iniciam esta acção mais tarde, nos anos 50 e
60, continuando até ao fim do período colonial) acompanhada pelo cinema e
fotografia de cariz missionário.
Quando
a noção de construção de Estados independentes em África, a indústria dos meios
de comunicação social desempenha um papel que evolui em função do Estado-nação,
da sua construção e consolidação. Cerca de 80% destes meios eram propriedade
das elites coloniais, pelo que a quase generalidade dos jovens Estados africanos
procedeu á sua nacionalização, convertendo-os em vasos comunicantes da
identidade nacional. Nesta fase o sector torna-se um veículo, um instrumento,
de consolidação da unidade nacional e de propagação dos diferentes discursos
politico-ideológicos dos jovens Poderes africanos.
Assim,
no Quénia independente, o presidente Jomo Kenyatta instava a imprensa a “procurar
a união” (Harambee) no Gana, o presidente Nkrumah utilizava-a para concretizar
a “personalidade africana”, no Senegal, Senghor espalhou a mensagem da “negritude”,
na Tanzânia, Nyerere aplicou a Ujamaa (união), na Zâmbia, Kaunda passou a
narrativa do “humanismo africano” ou, mais tarde, no Zimbabwe, Mugabe fez
passar a Chimurenga (luta revolucionária). Por outro lado, no plano
internacional, as intenções mediáticas das ideologias pós-coloniais, baseadas
na construção nacional, coincidiriam com a NOMIC (Nova Ordem da Informação e da
Comunicação), que representou um instrumento de combate ao tribalismo, á
desintegração territorial e simultaneamente tentava garantir (pelo menos em
termos teóricos) alguma autonomia do papel da comunicação social.
Na
actualidade as preocupações são outras e centram-se na legitimidade do Estado
pós-colonial. E isto porque a economia-mundo desafia a noção de Estado-nação como
unidade geográfica, territorial, tornando-a permeável às dinâmicas
geoeconómicas que atravessam o mundo. Nesta nova configuração o Banco Mundial e
o FMI (ou o Banco Asiático de Investimento para as Infra-estruturas e outras
instituições) detêm um papel dominante. Em alguns aspectos substituíram-se às
administrações coloniais e, neste caso, os meios de comunicação converteram-se
em peões de interesses diversos (sejam estrangeiros, sejam os das elites
nacionais).
Alguns
dos problemas mais críticos e difíceis que impedem o desenvolvimento deste
sector são de carácter económico e têm origem tanto na pesada herança colonial
como nos marcos políticos pós-coloniais. Quénia, Nigéria e África do Sul são
três dos poucos exemplos de rentabilidade do sector, a sul do Sahara (o
panorama no Norte de África é diferente, particularmente no Egipto e em
Marrocos). Deve, também, ser observado que as novas realidades políticas e
jurídicas favoreceram a entrada dos meios de comunicação estrangeiros, embora,
de alguma forma, isto não seja uma novidade, pois muitos dos órgãos de
comunicação social dominantes no passado, já tinham vínculos com as antigas
metrópoles. Mesmo quando não existissem estes laços, a voz das principais
agências são de referência obrigatória (caso da BBC, da Radio France
International, da Voice of América ou da Deutsche Welle, da Alemanha). Surge,
ainda, uma realidade que é marcada por novas cadeias televisivas, como a
CCTV-Africa, chinesa, ou a turca EbruTV, para além da Rússia Today e da
Al-Jazera (esta com elevadas quotas de audiência nos países de língua oficial
inglesa, particularmente na África Oriental).
Não
é previsível esperar que os meios informativos privados africanos tenham o
alcance dos grandes grupos internacionais. Inclusive têm de concorrer com
estes, devido á consolidação dos grupos internacionais no continente. África
encontra-se, desde a última década, numa grande dinâmica de expansão dos
processos comunicativos. A actual conjuntura da economia-mundo permitiu que a
indústria mediática funcione num mercado heterogéneo e culturalmente plural.
Pode-se observar, porque descreve a realidade, que África está inundada pelo
conteúdo dos meios de comunicação de massas.
A
estrutura organizativa e estratégica dos grandes conglomerados internacionais
da indústria mediática na actualidade permitem produtos culturais e
informativos distintos que têm um elevado nível de procura, como noticias,
filmes, documentários, videoclips, musica, jornais, revistas, publicações
digitais e acessórios culturais sinergéticos desde a roupa a alimentos,
passando por produtos de beleza e de cuidado pessoal. O êxito da animação e da
publicidade promovidas pelos meios de comunicação nacionais, regionais,
internacionais, transnacionais e globalizantes são uma prova da preocupação da
oferta em satisfazer as exigências (e as necessidades) da procura.
A
pesquisa permanente de novos nichos de mercado, de novos produtos, de novos e
mais diferenciados segmentos de consumo, a forma como o mercado é estimulado,
de forma diversificada e modificada, a diversidade cultural e as suas práticas
e manifestações artísticas são constantes estratégicas da indústria cultural e
dos grandes grupos mediáticos. E isto implica absorções e compras, fusões e
alianças estratégicas entre todos os produtores de serviços e produtos
culturais, informativos e mediáticos.
Na
África a Sul do Sahara existem vários grupos de capital local que seguem esta
estrutura mundial. Os quatro maiores são:
1)
NASPERS, da África do Sul, a maior multinacional sul-africana (com resultados
muitos superiores ao sector diamantífero ou extractivo), dirigida pelo
sul-africano Koos Bekker, de 62 anos, o director-geral e o maior accionista
individual, possivelmente o Homem com maior influencia mediática em África e
que parece estar longe de se reformar. Este grupo controla 23 revistas, 7
jornais e o gigante da televisão DSTV. Oferece serviços diversos em mais de 130
países. Existe desde 1998, mas é a sucessora da centenária Nasional Pers
(Imprensa Nacional em africânder). É proprietária, no Brasil, da editorial
Abril, na China da Tencent (provedor da Internet e operadora da rede
telefónica) na Rússia da DST (serviços de Internet) e diversos interesses por
toda a Europa de Leste;
2)
NMG, do Quénia, um grupo com cerca de 50 anos e o maior grupo da África
Oriental. Foi fundado por Karim Aga Khan, líder dos xiitas ismaelitas (49º imã
ismaelita). O NMG tem sede em Nairobi e os seus dois primeiros jornais foram o
Taifa Leo e o The Nation. Actualmente é composto por várias cadeias
televisivas, rádios, jornais e revistas no Quénia, Uganda, Ruanda e Tanzânia e
cerca de 30 países na Ásia Central, Médio Oriente, India e Extremo Oriente) O
Fundo Aga Khan para o Desenvolvimento Económico (AKFED) é o seu principal
accionista (este fundo pertence á Rede de Desenvolvimento Aga Khan, AKDN, com
sede em Genebra);
3)
IPP Media Group da Tanzânia, fundado na década de 80 e que é proprietário de 10
jornais e revistas nacionais, de duas estações televisivas e de uma dezena de
estações de rádio, para além de proprietário da Bonite Bottlers, que engarrafa
a Coca-Cola no Norte da Tanzânia e da água mineral Kilimanjaro, a mais vendida
no país. A IPP tem ainda interesses na mineração, através da IPP Resources
(ouro, uranio, cobre, carvão e crómio);
4)
Daar Communications PLC da Nigéria, o maior grupo mediático deste país.
Constituído em 1988, lançou a Raypower, (estação de rádio) e a primeira televisão
por satélite de África, em 1996, a Africa Independent Television (AIT). Em 2003
partiu á conquista dos mercados dos USA, México, Caribe, Canadá e Europa, onde
o seu sinal é transmitido através do satélite Hotbird, propriedade do grupo.
Tem também interesses no sector bancário, através da Daar Investiment Holding,
consórcio de bancos liderado pelo Union Bank Plc, em parceria com capital
britânico.
Estes
quatro exemplos são elucidativos da inserção da indústria mediática africana a
Sul do Sahara na economia-mundo (aos quais há que acrescentar, para dar uma
maior amplitude desta inserção, o Norte de África, principalmente os colossos
mediáticos do Magrebe e do Egipto). Neste sector de actividade, África
encontra-se num período de crescente dinamismo e o estudo destas estruturas
(geralmente esquecidas) poderá beneficiar as dinâmicas de integração do
continente e do seu posicionamento na economia-mundo.
Esta
é uma das melhores sucedidas experiencias africanas na longa luta pelo
desenvolvimento e contra a posição periférica a que o neocolonialismo pretende
sujeitar o continente africano.
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