sábado, 20 de fevereiro de 2016

PODE A SÍRIA SER UM REMAKE MUSCULADO DE CUBA?




Antes de mais o que se passa na Síria nada se assemelha com o que se passou em Cuba, em 1962. Todavia, os actores principais são os mesmos e ambos, de novo, candidatos aos prémios Razzies (os prémios para os piores filmes e actores), no caso EUA e Rússia; mas se os actores principais são estes, os secundários são quase os mesmos, só alterando Cuba por Síria e mantendo-se a OTAN/NATO e acrescentando outros que pela sua importância são candidatos naturais aos mesmos prémios mas para actores secundários.

Recordemos que na versão inicial, o enredo tinha como argumentista principal a Guerra-fria e como décor filmatográfico a ilha de Cuba a pouco mais de uma centena de quilómetros dos EUA. Já a base do enredo teve como principal motivo a tentativa de colocação de mísseis soviéticos direccionados de Cuba para os EUA.

A sua possível colocação poderia ter transformado a Guerra-fria em uma quase certa 3ª Guerra Mundial.

Perguntar-me-ão, e bem, o que me leva relacionar Crise dos Mísseis de Cuba (os russos definam-na comoCrise Caribenha e os cubanos como Crise de Outubro) com a actual situação caótica político-militar na Síria.

Além dos mesmos actores princiapis já referidos, o facto de, ao contrário de Cuba onde prevaleceu uma surda guerrilha de palavras, aqueles participam militarmente no palco do conflito em posições opostas – embora sob a capa de um inimigo comum, o terrorismo – e com actores secundários a quererem implicar EUA e Rússia em um hipotético confronto directo.

Ora isto só por si não seria motivo suficiente para que os dois caos fossem considerados quase como um remake um do outro. Existem outros factos que levam a esta consideração.

Desde o desmembramento da União Soviética e a deficiente situação política, económica e militar da Rússia que a Guerra-fria tinha entrado numa quase completa letargia até que na reunião de Munique para a tentativa de cessação de hostilidades na Síria entre o regime de Assad, apoiado pela Rússia e pelo irão, e a oposição armada apoiada, na sua generalidade pelos EUA e Arábia Saudita, o primeiro-ministro russo Dmitri Anatolievitch Madvedev ter anunciado que estava eminente o retorno da Guerra-fria.

Mas se Medvedev afirmou que a Guerra-fria estava de volta também alertou que uma possível invasão terrestre da Síria pelas chamadas forças de coligação internacional contra o Daesh (Estado Islâmico), nomeadamente, forças turcas, poderá desencadear uma 3ª Guerra Mundial.

Tal como em Cuba uma conversa entre John F.Kennedy e Nikita Kruschev conseguiu despoletar o problema, também parece que uma recente conversa entre Obama e Putin poderá ter amenizado a questão síria.

Poderia, se no intervalo não houvessem dois protagonistas que se posicionam como segundas figuras mas com poder para transformar o problema da Síria num problema geopolítico bastante complexo e perigoso para a comunidade internacional: a Turquia e a Arábia Saudita.

A Turquia por duas razões distintas.

De um lado, há um tentar “lavar a cara” por parte do aparelho governativo – em particular, da casa presidencial turca, – face às acusações russas de que a família Erdogan estaria a transacionar petróleo sírio explorado pelos islamitas radicais do Daesh via Turquia e que os turcos nunca conseguiram desmentir nem digerir.

Do outro, o facto de um dos principais grupos que opera na Síria contra o Daesh e com vantagens militares e territoriais serem os curdos que a Turquia considera como terroristas. Ora os curdos, nos ataques aos radicais do Estado islâmico, estão a se aproximar “perigosamente” – na concepção turca – da fronteira do país de Atatürk e, com isso, poder elevar a moral independentista dos curdos turcos.

E um dos problemas da questão síria, ainda que de forma indirecta, é o renascer do Curdistão independente o que, só por si, já era uma fonte de preocupação para os turcos, acresce ao facto do Curdistão iraquiano já ter uma larga autonomia e prever avançar para a independência, não sendo de excluir que a "pequenas" parcelas sírias e iranianas se possam juntar e, talvez, com o beneplácito de Damasco e de Teerão.

Se o Curdistão é a fonte de preocupação turca que poderá levá-los a intervir militarmente na Síria, havendo informações que confirmam já a sua presença – ainda que desmentida, oficialmente pelo governo turco – nos palcos militares sírios, como o do jornal britânico Independent, citando os turcos da Anadolu Agency que teria havido troca de tiros entre sírios e turcos em Calibogazi, na província síria de Hatay, também é verdade que a vertente religiosa está bem presente entre sunitas (liderados pelos sauditas) e xiitas (liderados pelos iranianos) com a tentativa de predomínio de uma sobre a outra. Registe-se que os turcos islamitas são predominantemente sunitas, havendo algumas importantes minorias turcas que seguem o rito xiismo duodecimano como os alevitas (a principal minoria xiita), os azeris turcos, os khorasani e os nómadas qashqai.

Ou seja, será mais real que o problema sírio chama-se Assad (que sauditas, EUA e uma parte do ocidente quer derrubar a favor de oposicionistas ditos moderados, enquanto russos e iranianos o desejam manter como líder oficial até novas eleições) ou a dialéctica religiosa entre quem predominará no pós-Assad e Daesh: no caso o sunismo ou xiismo?

Mas se a questão seria meramente política-religiosa com resquícios militares – algo que o Próximo (ou Médio, segundo a escola geopolítica norte-americana) Oriente já está habituado – qual a razão, excepto a já referida questão curda e a “afronta” russa contra a família de Erdogan, qua a razão que leva os turcos a se arreigarem na questão síria?

É que um possível alinhamento entre russos e iranianos na Síria poderia asfixiar a Turquia entre a Rússia e o Irão e catapultar – de volta uma vez mais a questão – o Curdistão turco para uma integração num futuro Curdistão independente. E o Curdistão, dizem, é uma das zonas mineiras mais ricas da Turquia. E é a conjugação destes três importantes factores que tornam os turcos numa crescente preocupação para a comunidade internacional e que deveria levar esta a reflectir nas palavras de Medvedev.

Não esquecer que caso se verifique um confronto – como avisam os russos – entre estes e turcos, com possíveis colaterais danos em território turco, poderia levar Ancara atentar fazer invocar o artigo 5º da NATO declarando-se atacada e nesse caso, diz o artigo que: “An attack on one Ally shall be considered an attack on all Allies” (um ataque a um qualquer membro da NATO será considerado como um ataque a todos os Estados-membros da Aliança Atlântica). Ora, é esse receio que leva a Rússia a avisar do perigo de se deflagrar uma 3ª Guerra Mundial.

Mas, e em paralelo e em complemento, se russos e sauditas parecem estar digladiar-se em território sírio pela predominância política, militar e religiosa (esta no caso saudita), a nível económico parecem estar a se alinharem. O reingresso do Irão na cena económica internacional e a entrada do crude iraniano nos meios distributivos mundiais levaram os dois contendores a se unirem na manutenção da produção do crude a níveis de Janeiro para evitarem a contínua derrapagem do preço do barril de petróleo.

Acresce que o Irão deseja transacionar em yuan ou euros e não em dólares o que prejudicaria seriamente quer a economia saudita muito dependente dos petrodólares e da sua estabilidade financeira, como, também a economia russa para as suas transações comerciais, ainda que esta esteja sob o espectro das sanções económicas ocidentais devido à questão ucraniana.

Ora isto leva-nos a uma questão. Será que o Mundo se prepara para ver assinado um futuro tratado económico entre as, cada vez mais influentes – ainda que os BRICS o tentem evitar –, moedas económico-financeiras que são o dólar, o euro e o yuan na linha do que aconteceu após a Crise dos Mísseis de Cuba?

Recorde-se que após esta crise e perante o facto do Mundo se ter visto perante a possibilidade de se auto-destruir devido à capacidade das armas nucleares, em 1963, EUA, União Soviética e Reino Unido assinaram um acordo que proibia os teste nucleares na atmosfera, no alto-mar e no espaço que, em 1968 e com a ratificação de 60 países, se tornou no Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares.

Um Tratado económico e financeiro entre as três mais influentes moedas internacionais poderia levar a uma melhor convivência económica entre os Estados. Não esqueçamos que a “recente constipação” da economia chinesa levou à queda de muitas praças financeiras mundiais e arrastou muitas economias para o descalabro.

Veremos o que nos trará o final do enredo “A crise da Síria”!

©Artigo de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, ed. 419 de 19-Janeiro-2016, secção “1º Caderno”, página 18  

*Investigador e Pós-doutorando

**Eugénio Costa Almeida – Pululu - Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.


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