Antes
de mais o que se passa na Síria nada se assemelha com o que se passou em Cuba,
em 1962. Todavia, os actores principais são os mesmos e ambos, de novo,
candidatos aos prémios Razzies (os prémios para os piores filmes e
actores), no caso EUA e Rússia; mas se os actores principais são estes, os
secundários são quase os mesmos, só alterando Cuba por Síria e mantendo-se a
OTAN/NATO e acrescentando outros que pela sua importância são candidatos
naturais aos mesmos prémios mas para actores secundários.
Recordemos
que na versão inicial, o enredo tinha como argumentista principal a Guerra-fria
e como décor filmatográfico a ilha de Cuba a pouco mais de uma centena de
quilómetros dos EUA. Já a base do enredo teve como principal motivo a tentativa
de colocação de mísseis soviéticos direccionados de Cuba para os EUA.
A
sua possível colocação poderia ter transformado a Guerra-fria em uma quase
certa 3ª Guerra Mundial.
Perguntar-me-ão,
e bem, o que me leva relacionar Crise dos Mísseis de Cuba (os russos
definam-na comoCrise Caribenha e os cubanos como Crise de Outubro) com
a actual situação caótica político-militar na Síria.
Além
dos mesmos actores princiapis já referidos, o facto de, ao contrário de Cuba
onde prevaleceu uma surda guerrilha de palavras, aqueles participam
militarmente no palco do conflito em posições opostas – embora sob a capa de um
inimigo comum, o terrorismo – e com actores secundários a quererem implicar EUA
e Rússia em um hipotético confronto directo.
Ora
isto só por si não seria motivo suficiente para que os dois caos fossem
considerados quase como um remake um do outro. Existem outros factos que levam
a esta consideração.
Desde
o desmembramento da União Soviética e a deficiente situação política, económica
e militar da Rússia que a Guerra-fria tinha entrado numa quase completa
letargia até que na reunião de Munique para a tentativa de cessação de
hostilidades na Síria entre o regime de Assad, apoiado pela Rússia e pelo irão,
e a oposição armada apoiada, na sua generalidade pelos EUA e Arábia Saudita, o
primeiro-ministro russo Dmitri Anatolievitch Madvedev ter anunciado
que estava eminente o retorno da Guerra-fria.
Mas
se Medvedev afirmou que a Guerra-fria estava de volta também alertou que uma
possível invasão terrestre da Síria pelas chamadas forças de coligação
internacional contra o Daesh (Estado Islâmico), nomeadamente, forças turcas,
poderá desencadear uma 3ª Guerra Mundial.
Tal
como em Cuba uma conversa entre John F.Kennedy e Nikita Kruschev conseguiu
despoletar o problema, também parece que uma recente conversa entre Obama e
Putin poderá ter amenizado a questão síria.
Poderia,
se no intervalo não houvessem dois protagonistas que se posicionam como
segundas figuras mas com poder para transformar o problema da Síria num
problema geopolítico bastante complexo e perigoso para a comunidade
internacional: a Turquia e a Arábia Saudita.
A
Turquia por duas razões distintas.
De
um lado, há um tentar “lavar a cara” por parte do aparelho governativo – em
particular, da casa presidencial turca, – face às acusações russas de que a
família Erdogan estaria a transacionar petróleo sírio explorado pelos islamitas
radicais do Daesh via Turquia e que os turcos nunca conseguiram desmentir nem
digerir.
Do
outro, o facto de um dos principais grupos que opera na Síria contra o Daesh e
com vantagens militares e territoriais serem os curdos que a Turquia considera
como terroristas. Ora os curdos, nos ataques aos radicais do Estado islâmico,
estão a se aproximar “perigosamente” – na concepção turca – da fronteira do
país de Atatürk e, com isso, poder elevar a moral independentista dos
curdos turcos.
E
um dos problemas da questão síria, ainda que de forma indirecta, é o renascer
do Curdistão independente o que, só por si, já era uma fonte de
preocupação para os turcos, acresce ao facto do Curdistão iraquiano já ter uma
larga autonomia e prever avançar para a independência, não sendo de excluir que
a "pequenas" parcelas sírias e iranianas se possam juntar e, talvez,
com o beneplácito de Damasco e de Teerão.
Se
o Curdistão é a fonte de preocupação turca que poderá levá-los a intervir
militarmente na Síria, havendo informações que confirmam já a sua presença –
ainda que desmentida, oficialmente pelo governo turco – nos palcos militares
sírios, como o do jornal britânico Independent, citando os turcos da Anadolu
Agency que teria havido troca de tiros entre sírios e turcos em Calibogazi, na
província síria de Hatay, também é verdade que a vertente religiosa está
bem presente entre sunitas (liderados pelos sauditas) e xiitas (liderados pelos
iranianos) com a tentativa de predomínio de uma sobre a outra. Registe-se que
os turcos islamitas são predominantemente sunitas, havendo algumas importantes
minorias turcas que seguem o rito xiismo duodecimano como os alevitas (a
principal minoria xiita), os azeris turcos, os khorasani e os nómadas qashqai.
Ou
seja, será mais real que o problema sírio chama-se Assad (que sauditas,
EUA e uma parte do ocidente quer derrubar a favor de oposicionistas ditos
moderados, enquanto russos e iranianos o desejam manter como líder oficial até
novas eleições) ou a dialéctica religiosa entre quem predominará no pós-Assad e
Daesh: no caso o sunismo ou xiismo?
Mas
se a questão seria meramente política-religiosa com resquícios militares – algo
que o Próximo (ou Médio, segundo a escola geopolítica norte-americana) Oriente
já está habituado – qual a razão, excepto a já referida questão curda e a
“afronta” russa contra a família de Erdogan, qua a razão que leva os turcos a
se arreigarem na questão síria?
É
que um possível alinhamento entre russos e iranianos na Síria poderia asfixiar
a Turquia entre a Rússia e o Irão e catapultar – de volta uma vez mais a
questão – o Curdistão turco para uma integração num futuro Curdistão
independente. E o Curdistão, dizem, é uma das zonas mineiras mais ricas da
Turquia. E é a conjugação destes três importantes factores que tornam os turcos
numa crescente preocupação para a comunidade internacional e que deveria levar
esta a reflectir nas palavras de Medvedev.
Não
esquecer que caso se verifique um confronto – como avisam os russos – entre
estes e turcos, com possíveis colaterais danos em território turco, poderia
levar Ancara atentar fazer invocar o artigo 5º da NATO declarando-se atacada e
nesse caso, diz o artigo que: “An attack on one Ally shall be considered
an attack on all Allies” (um ataque a um qualquer membro da NATO será
considerado como um ataque a todos os Estados-membros da Aliança Atlântica).
Ora, é esse receio que leva a Rússia a avisar do perigo de se deflagrar uma 3ª
Guerra Mundial.
Mas,
e em paralelo e em complemento, se russos e sauditas parecem estar digladiar-se
em território sírio pela predominância política, militar e religiosa (esta no
caso saudita), a nível económico parecem estar a se alinharem. O reingresso do
Irão na cena económica internacional e a entrada do crude iraniano nos meios
distributivos mundiais levaram os dois contendores a se unirem na manutenção da
produção do crude a níveis de Janeiro para evitarem a contínua derrapagem do
preço do barril de petróleo.
Acresce
que o Irão deseja transacionar em yuan ou euros e não em dólares o que
prejudicaria seriamente quer a economia saudita muito dependente dos
petrodólares e da sua estabilidade financeira, como, também a economia russa
para as suas transações comerciais, ainda que esta esteja sob o espectro das
sanções económicas ocidentais devido à questão ucraniana.
Ora
isto leva-nos a uma questão. Será que o Mundo se prepara para ver assinado um
futuro tratado económico entre as, cada vez mais influentes – ainda que os BRICS
o tentem evitar –, moedas económico-financeiras que são o dólar, o euro e o
yuan na linha do que aconteceu após a Crise dos Mísseis de Cuba?
Recorde-se
que após esta crise e perante o facto do Mundo se ter visto perante a
possibilidade de se auto-destruir devido à capacidade das armas nucleares, em
1963, EUA, União Soviética e Reino Unido assinaram um acordo que proibia os
teste nucleares na atmosfera, no alto-mar e no espaço que, em 1968 e com a
ratificação de 60 países, se tornou no Tratado de Não Proliferação de Armas
Nucleares.
Um
Tratado económico e financeiro entre as três mais influentes moedas
internacionais poderia levar a uma melhor convivência económica entre os
Estados. Não esqueçamos que a “recente constipação” da economia chinesa levou à
queda de muitas praças financeiras mundiais e arrastou muitas economias para o
descalabro.
Veremos
o que nos trará o final do enredo “A crise da Síria”!
©Artigo
de Opinião publicado no semanário angolano Novo Jornal, ed. 419 de
19-Janeiro-2016, secção “1º Caderno”, página 18
*Investigador
e Pós-doutorando
**Eugénio
Costa Almeida – Pululu -
Página de um lusofónico angolano-português, licenciado e mestre em
Relações Internacionais e Doutorado em Ciências Sociais - ramo
Relações Internacionais -; nele poderão aceder a ensaios académicos e artigos
de opinião, relacionados com a actividade académica, social e associativa.
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