quarta-feira, 9 de março de 2016

Angola. O “MISTÉRIO” DA RECENTE REMODELAÇÃO



Reginaldo Silva – Rede Angola, opinião

Iniciada com a transferência de Higino Carneiro do Kuando Kubango para Luanda, com todas as consequências que já se conhecem em matéria de “limpeza de balneário”, a remodelação ministerial em curso prosseguiu esta segunda-feira com a tomada de posse dos novos ministros do Comércio, da Saúde, do Turismo e Hotelaria, Urbanismo e Habitação e da Cultura e dos Governadores do Banco Nacional de Angola (BNA) e da província do Kwanza Norte.

Nesta movimentação, em termos políticos, o destaque vai para o surpreendente/espectacular “auto-afastamento” de José Pedro de Morais (JPM) da liderança do Banco Central e para o não menos estrondoso apeamento de Rosa Pacavira do Ministério do Comércio, pasta que ela acumulava com a coordenação do controverso programa nacional de luta contra a pobreza nos municípios.

O juízo de valor em relação a esta estratégia não é da nossa lavra, mas não temos muitas dificuldades em partilhar aqui as nossas dúvidas quanto à sua consistência e eficácia, em mais uma aposta social do Executivo cujos resultados são bastante questionáveis.

O que estará desta vez na cabeça do Titular do Poder Executivo como fio condutor de mais esta mexida pelos corredores/gabinetes do poder angolano é uma das questões que se coloca inevitavelmente, com a certeza de que nem tudo o que parece é realmente.

O que parece é que, por principio, uma remodelação ministerial persegue sempre a melhoria da capacidade em termos de eficácia do próprio governo com a introdução de novas figuras, com novas energias e novas ideias.

No geral e em teoria, as remodelações ministeriais funcionam um pouco como novo oxigénio para renovar expectativas por parte dos governados, particularmente em momentos mais críticos quando a popularidade bate no fundo.

No caso concreto e tendo em conta o carácter fortemente centralizado do sistema político de governação deste país na pessoa de José Eduardo dos Santos (JES), o espaço de manobra para a absorção/processamento desta potencial mais-valia dos auxiliares daquele que é agora, desde 2010, o Titular do Poder Executivo, sempre foi muito reduzido, e pelos vistos vai continuar a ser.

Não estamos a ver qualquer tipo de inversão nesta tendência que de algum modo, tendo em conta o longevo consulado de JES, já se “fossilizou”.

É, sobretudo, este apertado “jogo de cintura” que torna, aos olhos dos observadores externos, as sucessivas remodelações ministeriais efectuadas pelo Presidente Eduardo dos Santos, com sendo apenas mais um acto de uma repetida “dança das cadeiras”, feita normalmente ao sabor das dissonantes notas de uma permanente “intriga palaciana”, do que propriamente em função de critérios mais estruturantes.

Pode até algumas vezes nem ser esta a realidade dos factos, mas a imagem que transpira é esta, como resultado de uma mesma governação em termos politico-partidários, que já tem mais de 40 anos de estrada.

Uma vez mais, poucos saberão, de fonte oficial confirmada, as razões concretas que terão levado JES a mexer desta vez em cada um dos comandos que foram tocados nesta segunda etapa da remodelação ministerial, sendo certo que elas não foram as mesmas e poderão até ter motivações completamente distintas.

Desde logo, sobressai o facto de JPM ter abandonado o Governo do Banco Nacional de Angola a seu pedido e a pouco mais de um ano depois de ter sido indicado para um mandato que é de 4 ou 5 anos e que só pode ser interrompido por razões estipuladas na lei.

Embora o pedido de demissão do titular esteja contemplado como sendo uma das causas para a interrupção do mandato do Governador do BNA, parece-nos que este foi apenas o expediente mais diplomático usado pelo  Titular do Poder Executivo para exibir o segundo cartão vermelho a JPM, que, recorde-se, já foi Ministro das Finanças nos idos de 2002/2008.

O que se terá passado de mais complicado ou mais grave neste ano que durou a meteórica passagem de JPM pelos amplos e bonitos corredores do majestoso edifício do BNA é o que todos nós gostaríamos de saber.

As evidências apontam para já para a possibilidade das coisas não lhe terem corrido nada bem, tendo como pano de fundo uma conjuntura de crise financeira/cambial que não tem parado de se agravar.

Até que ponto é que JPM pode ter sido politicamente responsabilizado por este agravamento é o que resta saber em concreto no âmbito de uma governação corrente que foi de facto marcada por muita informação desencontrada e mesmo contraditória à volta da gestão cambial.

Angola é um país que continua a viver com os olhos fixos nos portos e aeroportos, sem  nos esquecermos das fronteiras terrestres de Santa Clara e de Ponta Negra, para ficarmos só por estas.

Em relação à antiga Ministra do Comércio, Rosa Pacavira Matos, as coisas parecem até ser bem mais complicadas, tendo o seu afastamento apanhado efectivamente de surpresa todos quantos achavam que ela, devido a outras conhecidas proximidades, já estava na prateleira dos governantes tidos como intocáveis.

Pelos vistos, com este estatuto, continua a não haver ninguém por estas bandas, com a excepção do próprio Titular do Poder Executivo, que na maior das calmas continua a baralhar as cartas e a dar de novo.

De referir aqui, a entrada para este “baralho” de algumas cartas novas, consubstanciadas nas estreias absolutas do jurista Walter Filipe que é o novo Governador do BNA, do economista Fiel Constantino como Ministro do Comércio e de Branca do Espírito Santo para Ministra da Habitação e Urbanismo.

Os dois primeiros têm em comum o facto de serem nomes bastante conhecidos como comentaristas da televisão e da rádio, onde, note-se, recentemente o Exectutivo também foi recrutar um aguerrido embaixador itinerante na pessoa de António Luvualu de Carvalho, com funções politicas muito específicas mas algo atípicas para o perfil mais clássico de um diplomata.

Em síntese, e tendo em conta as actuais condicionantes mais objectivas, diríamos que esta remodelação tem em si um potencial de mudança para melhor muito limitado, estando grande parte das expectativas, para melhor ou para pior, depositadas para já na intervenção do novo Governador do BNA, na sua “fórmula mágica” e na sua própria e legítima ambição pessoal.

Walter Filipe vai perceber melhor agora o que é que significa isto de não deixarmos os nossos créditos por mãos alheias.

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