quinta-feira, 17 de março de 2016

Portugal. UM MARCO HISTÓRICO



Pedro Bacelar de Vasconcelos – Jornal de Notícias, opinião

Ontem, ao fim da manhã, a Assembleia da República procedeu à aprovação final, global, do Orçamento Geral do Estado para o ano de 2016, graças aos votos favoráveis dos deputados do PS, do BE, do PCP e dos Verdes, que aplaudiram, de pé, o resultado da votação. O debate do Orçamento dominou os trabalhos parlamentares desde o princípio do ano, e constituiu um exercício exemplar de pluralismo político e de transparência democrática. A apreciação do projeto apresentado pelo Governo gerou centenas de propostas de alteração que foram discutidas por todos os grupos parlamentares com os membros do Executivo responsáveis pelos diversos setores, proporcionando esclarecimentos, correções e melhoramentos que muito contribuíram para o enriquecimento do diploma original.

Deste esforço coletivo, lamentavelmente, apenas ficou de fora o PSD, por sua opção, incapaz de vencer a perigosa amnésia que dele se apoderou recentemente. Uma falha de memória tão radical que chegaram a votar contra cerca de 70 artigos - iguaizinhos aos do Orçamento que aprovaram quando ainda governavam, em 2015!. Como notava Carlos César, no discurso de encerramento do debate parlamentar, "da "caranguejola" da Direita, que se desconjuntou, foi o PSD que ficou a pé mas não de pé: não quis servir quem o elegeu, nem quis servir para o que foi eleito. Ficou à porta da democracia, do lado de fora da procura do melhor para o seu próprio país"...

Não parece que o PSD venha a recuperar tão cedo desse infausto sinistro que foram as eleições de outubro. Começou por festejar uma vitória esquiva que lhe valeu o Governo mais efémero da história da democracia. Não se resignando, entrou em estado de denegação e construiu, então, a tese da "ilegitimidade" de uma solução governativa que era suportada pela maioria parlamentar. Quando os partidos da Esquerda firmaram os acordos que viabilizaram o Governo do PS, ridicularizaram o seu conteúdo e mal foi aprovado o programa de Governo, vaticinaram o fracasso da aprovação do Orçamento. E não se meteram apenas a adivinhar! Moveram influências junto dos seus correligionários do Partido Popular Europeu, em Bruxelas, na expectativa de que a Comissão Europeia, de forma inédita, rejeitasse o plano orçamental submetido pelo Governo português.

Ainda o Orçamento não tinha sido aprovado pela única instância competente para o fazer - a Assembleia da República - e já eles vociferavam que tinham sido exigidas medidas suplementares ao Orçamento ainda inexistente! Ao longo dos últimos meses, a Direita foi confrontada com a demonstração sistemática da falsidade de todos os dogmas com que governou uma legislatura inteira, desde o fracasso da receita da austeridade para equilibrar o défice, até à inevitabilidade da obediência hipócrita perante os burocratas de Bruxelas. Além disso, viu expostas perante a opinião pública quer a tentativa de ocultação do desastre do Banif - que obrigou, já em dezembro, à necessidade de mais um Orçamento Retificativo - quer a confirmação por um tribunal londrino da incompetência imperdoável com que geriu as dívidas de várias empresas públicas.

A aprovação do Orçamento ao fim da manhã de ontem assume, por tudo isso, um significado muito especial. Afinal, há alternativa! Confirma-se que é possível governar respeitando os compromissos com os nossos parceiros e procurando responder positivamente às aspirações legítimas dos eleitores. A democracia ficou mais forte e o nosso prestígio internacional, incólume. No mesmo dia, o Parlamento exprimia a sua solidariedade com o sofrimento dos milhares de refugiados que aguardam junto às fronteiras externas que a Europa cumpra finalmente os seus deveres humanitários e respeite as convenções internacionais que subscreveu. No Conselho Europeu, esta semana, o Governo da República irá bater-se pelos valores fundacionais da União e que é urgente resgatar para que o projeto europeu não sucumba.

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