sábado, 4 de junho de 2016

Incerteza política continua na Guiné-Bissau, apesar de novo Governo



A Guiné-Bissau tem aparentemente dois governos: um empossado pelo chefe de Estado esta quinta-feira (02.06) e outro demitido, que se recusou a abandonar as funções em sinal de protesto contra a decisão de José Mário Vaz.

O novo Governo da Guiné-Bissau foi empossado pós a divulgação da sua composição através de um decreto presidencial, esta quinta-feira (02.06). No entanto, a situação política continua confusa em Bissau.

O novo executivo conta com 31 membros, dos quais 19 ministros, três dos quais ministros de Estado e 12 secretários de Estado, mas não foi apresentado, no entanto, um nome para a pasta dos Negócios Estrangeiros. Outra contrariedade no novo executivo é o facto de Botche Candé, o indigitado ministro de Estado e do Interior da Guiné-Bissau, que declinou o convite que lhe foi endereçado para o cargo pelo Presidente guineense, José Mário Vaz.

Em curtas declarações na sede do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Botche Candé prometeu revelar nesta sexta-feira (03.06), em conferência de imprensa, os pormenores da conversa que manteve com o chefe de Estado, aquando do convite, mas adiantou que decidiu não integrar o Governo de Baciro Dja.

Entretanto, os membros do Governo que antecedeu a equipa de Baciro Dja continuam a ocupar o palácio do executivo em sinal de protesto pela decisão do chefe de Estado, José Mário Vaz, em demiti-los no passado dia 12 de maio.

Cerimônia de posse

No discurso de posse aos membros do Governo, José Mário Vaz disse que o tempo que resta para o fim da legislatura é curto, mas que dois anos são "mais que suficientes" para resolver os problemas imediatos da população.

"Este Governo tem de ser realista e concentrar toda a sua energia em recursos, quer internos ou externos, para melhorar as condições de vida dos guineenses – ou seja, salvar a campanha da castanha de caju. Arroz, comida para a mesa das famílias guineenses, através da utilização da nossa rica terra," declarou José Mário Vaz.

O chefe de Estado guineense quer que se incluam também nesse cabaz de medidas o fornecimento de peixe às populações, mas também água potável, energia elétrica, melhor educação, serviços de saúde e infraestruturas sociais. O Presidente guineense instou a comunidade internacional a apoiar o novo Governo na materialização desses objetivos através de ajudas técnicas ou financeiras.

"Estou convicto de que a nova equipa governamental saberá gerir, conduzir a bom porto os destinos do país, com transparência e zelo pela coisa pública. Para reafirmar o que disse na tomada de posse do primeiro-ministro: vou agora mudar a Guiné-Bissau," garantiu.

O novo primeiro-ministro, Baciro Dja, disse que com a entrada em funções do seu Governo a crise política que a Guiné-Bissau vive há mais de três meses chegou ao fim.

Baciro Djá afirmou, contudo, conhecer as dificuldades que o seu Governo terá que enfrentar, nomeadamente o fato de os principais parceiros financeiros, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), terem cortado, temporariamente, a cooperação com a Guiné-Bissau.

Entre as várias medidas, o novo primeiro-ministro prometeu trabalhar para restaurar a autoridade do Estado.

Vozes discordantes

Entretanto, também esta quinta-feira (02.06), o Governo de Carlos Correia, demitido a 12 de maio, completou uma semana de ocupação do palácio do Executivo, em protesto contra o fato de o Presidente da República, José Mário Vaz, ter nomeado um novo primeiro-ministro, Baciro Dja deputado dissidente do PAIGC, um ato que este partido considera inconstitucional.

Momentos antes da cerimónia da tomada de posse, uma missão de mediação da crise política na Guiné-Bissau composta por deputados de alguns países da Africa Ocidental, apelara aos políticos guineenses para respeitarem a Constituição do país e promoverem "um diálogo inclusivo franco".

A missão do comité interparlamentar para a paz do conselho de prevenção de riscos de crise na Africa Ocidental terminou uma visita de quatro dias a Bissau, onde se encontrou com o Presidente guineense, José Mário Vaz, com a direção do Parlamento, do Supremo Tribunal de Justiça entre outros responsáveis políticos.

Para o analista Miguel de Barros, que é também diretor-executivo da organização não governamental "Tiniguena – Esta Terra É Nossa", a solução para a atual crise na Guiné-Bissau não passa somente pela formação de um governo.

"Quando estamos a discutir que a saída da crise passa essencialmente por formar um governo que integra as pessoas, estamos a olhar o Estado numa perspetiva de como é que se deve capturar para distribuir os recursos do país a esses grupos. Estamos pura e simplesmente a promover uma cultura predatória do Estado por parte de quem deveria servir ao Estado," dispara.

Segundo o analista, tem que haver uma perspetiva de responsabilização dos atores políticos em relação à sua agenda pública e aos seus comportamentos.

"É inaceitável que os interesses da população acabem por ser subjugados a interesses mesquinhos e desconhecidos e que não fazem parte daquilo que é o compromisso que esses atores assumiram com o povo da Guiné-Bissau," destaca Miguel de Barros.

O analista também aponta o dedo à comunidade internacional presente na Guiné-Bissau que deve estar mais atenta à situação no país.

"Quem coloca os recursos para a vida na Guiné-Bissau é a comunidade internacional. O seu papel não pode ser o de um mero acompanhamento, tem que ser de um processo de influência sério e, ao mesmo tempo, com capacidade de responsabilizar os atores políticos em respeitar a liberdade democrática, aquilo que são os compromissos para com as necessidades da população e aquilo que é a transparência que leva a governação para o centro do processo de desenvolvimento de um país, garantindo a estabilidade," diz.

Ausência de cultura política

O analista Miguel de Barros considera por outro lado, que o que se assiste na Guiné-Bissau tem a ver, sobretudo, com um déficit da cultura política no país.

"Falta compromisso eleitoral, onde os interesses individuais, a começar pelo Presidente da República até os partidos políticos que não assumem um compromisso em relação àquilo que foram as promessas – da estabilidade, da paz, da governação – pondo em causa questões essenciais da nossa vida," critica.

Para fundamentar a sua tese, Miguel de Barros cita exemplos começando pelas questões sociais. Segundo ele, o país está a viver praticamente um momento de quase ruptura.

"Estão em causa o sistema de ensino, a segurança alimentar e também a nossa capacidade de produzir consensos. Do ponto de vista econômico, o país tinha perspetiva de crescimento, entrou para um perspetiva de estagnação e neste momento estamos a ver bolsas de pobreza a aumentar," relata.

Do ponto de vista da governação, Miguel de Barros considera que a fragilidade é tremenda.

"O bloqueio que se criou desde a demissão do Governo tem provocado uma letargia total ao nível das respostas das instituições públicas às necessidades da população," avalia.

"Do ponto de vista político, há uma espécie de roubo daquilo que são os princípios éticos da democracia participativa que tem levado a que as próprias instituições do Estado acabem por ser reféns das entidades que têm a responsabilidade de garantir o seu próprio funcionamento," conclui.

Braima Darame / António Rocha - Deutsche Welle

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