A
Guiné-Bissau tem aparentemente dois governos: um empossado pelo chefe de Estado
esta quinta-feira (02.06) e outro demitido, que se recusou a abandonar as
funções em sinal de protesto contra a decisão de José Mário Vaz.
O
novo Governo da Guiné-Bissau foi empossado pós a divulgação da sua composição
através de um decreto presidencial, esta quinta-feira (02.06). No entanto, a
situação política continua confusa em Bissau.
O
novo executivo conta com 31 membros, dos quais 19 ministros, três dos quais
ministros de Estado e 12 secretários de Estado, mas não foi apresentado, no
entanto, um nome para a pasta dos Negócios Estrangeiros. Outra contrariedade no
novo executivo é o facto de Botche Candé, o indigitado ministro de Estado e do
Interior da Guiné-Bissau, que declinou o convite que lhe foi endereçado para o
cargo pelo Presidente guineense, José Mário Vaz.
Em
curtas declarações na sede do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo
Verde (PAIGC), Botche Candé prometeu revelar nesta sexta-feira (03.06), em
conferência de imprensa, os pormenores da conversa que manteve com o chefe de
Estado, aquando do convite, mas adiantou que decidiu não integrar o Governo de
Baciro Dja.
Entretanto,
os membros do Governo que antecedeu a equipa de Baciro Dja continuam a ocupar o
palácio do executivo em sinal de protesto pela decisão do chefe de Estado, José
Mário Vaz, em demiti-los no passado dia 12 de maio.
Cerimônia
de posse
No
discurso de posse aos membros do Governo, José Mário Vaz disse que o tempo que
resta para o fim da legislatura é curto, mas que dois anos são "mais que
suficientes" para resolver os problemas imediatos da população.
"Este
Governo tem de ser realista e concentrar toda a sua energia em recursos, quer
internos ou externos, para melhorar as condições de vida dos guineenses – ou
seja, salvar a campanha da castanha de caju. Arroz, comida para a mesa das
famílias guineenses, através da utilização da nossa rica terra," declarou
José Mário Vaz.
O
chefe de Estado guineense quer que se incluam também nesse cabaz de medidas o
fornecimento de peixe às populações, mas também água potável, energia elétrica,
melhor educação, serviços de saúde e infraestruturas sociais. O Presidente
guineense instou a comunidade internacional a apoiar o novo Governo na
materialização desses objetivos através de ajudas técnicas ou financeiras.
"Estou
convicto de que a nova equipa governamental saberá gerir, conduzir a bom porto
os destinos do país, com transparência e zelo pela coisa pública. Para
reafirmar o que disse na tomada de posse do primeiro-ministro: vou agora mudar
a Guiné-Bissau," garantiu.
O
novo primeiro-ministro, Baciro Dja, disse que com a entrada em funções do seu
Governo a crise política que a Guiné-Bissau vive há mais de três meses chegou
ao fim.
Baciro
Djá afirmou, contudo, conhecer as dificuldades que o seu Governo terá que
enfrentar, nomeadamente o fato de os principais parceiros financeiros, Fundo
Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial (BM), terem cortado,
temporariamente, a cooperação com a Guiné-Bissau.
Entre
as várias medidas, o novo primeiro-ministro prometeu trabalhar para restaurar a
autoridade do Estado.
Vozes
discordantes
Entretanto,
também esta quinta-feira (02.06), o Governo de Carlos Correia, demitido a 12 de
maio, completou uma semana de ocupação do palácio do Executivo, em protesto
contra o fato de o Presidente da República, José Mário Vaz, ter nomeado um novo
primeiro-ministro, Baciro Dja deputado dissidente do PAIGC, um ato que este
partido considera inconstitucional.
Momentos
antes da cerimónia da tomada de posse, uma missão de mediação da crise política
na Guiné-Bissau composta por deputados de alguns países da Africa Ocidental,
apelara aos políticos guineenses para respeitarem a Constituição do país e
promoverem "um diálogo inclusivo franco".
A
missão do comité interparlamentar para a paz do conselho de prevenção de riscos
de crise na Africa Ocidental terminou uma visita de quatro dias a Bissau, onde
se encontrou com o Presidente guineense, José Mário Vaz, com a direção do
Parlamento, do Supremo Tribunal de Justiça entre outros responsáveis políticos.
Para
o analista Miguel de Barros, que é também diretor-executivo da organização não
governamental "Tiniguena – Esta Terra É Nossa", a solução para a
atual crise na Guiné-Bissau não passa somente pela formação de um governo.
"Quando
estamos a discutir que a saída da crise passa essencialmente por formar um
governo que integra as pessoas, estamos a olhar o Estado numa perspetiva de
como é que se deve capturar para distribuir os recursos do país a esses grupos.
Estamos pura e simplesmente a promover uma cultura predatória do Estado por
parte de quem deveria servir ao Estado," dispara.
Segundo
o analista, tem que haver uma perspetiva de responsabilização dos atores
políticos em relação à sua agenda pública e aos seus comportamentos.
"É
inaceitável que os interesses da população acabem por ser subjugados a
interesses mesquinhos e desconhecidos e que não fazem parte daquilo que é o
compromisso que esses atores assumiram com o povo da Guiné-Bissau,"
destaca Miguel de Barros.
O
analista também aponta o dedo à comunidade internacional presente na
Guiné-Bissau que deve estar mais atenta à situação no país.
"Quem
coloca os recursos para a vida na Guiné-Bissau é a comunidade internacional. O
seu papel não pode ser o de um mero acompanhamento, tem que ser de um processo
de influência sério e, ao mesmo tempo, com capacidade de responsabilizar os
atores políticos em respeitar a liberdade democrática, aquilo que são os
compromissos para com as necessidades da população e aquilo que é a
transparência que leva a governação para o centro do processo de
desenvolvimento de um país, garantindo a estabilidade," diz.
Ausência
de cultura política
O
analista Miguel de Barros considera por outro lado, que o que se assiste na
Guiné-Bissau tem a ver, sobretudo, com um déficit da cultura política no país.
"Falta
compromisso eleitoral, onde os interesses individuais, a começar pelo
Presidente da República até os partidos políticos que não assumem um
compromisso em relação àquilo que foram as promessas – da estabilidade, da paz,
da governação – pondo em causa questões essenciais da nossa vida,"
critica.
Para
fundamentar a sua tese, Miguel de Barros cita exemplos começando pelas questões
sociais. Segundo ele, o país está a viver praticamente um momento de quase
ruptura.
"Estão
em causa o sistema de ensino, a segurança alimentar e também a nossa capacidade
de produzir consensos. Do ponto de vista econômico, o país tinha perspetiva de
crescimento, entrou para um perspetiva de estagnação e neste momento estamos a
ver bolsas de pobreza a aumentar," relata.
Do
ponto de vista da governação, Miguel de Barros considera que a fragilidade é
tremenda.
"O
bloqueio que se criou desde a demissão do Governo tem provocado uma letargia
total ao nível das respostas das instituições públicas às necessidades da
população," avalia.
"Do
ponto de vista político, há uma espécie de roubo daquilo que são os princípios
éticos da democracia participativa que tem levado a que as próprias
instituições do Estado acabem por ser reféns das entidades que têm a
responsabilidade de garantir o seu próprio funcionamento," conclui.
Braima
Darame / António Rocha - Deutsche Welle
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