“Ninguém
mais útil que o jornalista, aquele que se propõe mostrar, com evidência, os
acontecimentos do presente e aclarar as sombras do futuro.” (Correio
Braziliense, Londres, junho de 1808).
Neste
ano de 2016, a nossa imprensa escrita completa 208 anos. No dia 1º de junho de
1808, circulou, em português, na Inglaterra, o primeiro número do “Correio
Braziliense” (1808-1822), fundado pelo gaúcho Hipólito José da Costa Pereira
Furtado de Mendonça (1774-1823). Acusado de pertencer à Maçonaria, ao retornar
de uma missão na Inglaterra, em 1802, que envolvia, secretamente, o contato das
lojas portuguesas com as lojas inglesas, o patrono da nossa imprensa foi preso,
em Portugal, e entregue à Santa Inquisição. Durante o período em que esteve na
prisão, foi interrogado, diariamente, sob maus tratos; porém não revelou nenhum
nome ligado à Ordem Maçônica, pois o objetivo da Igreja era confiscar os bens
dos chamados hereges e, até a terceira geração, suas famílias eram
esconjuradas.
Em
fuga espetacular, com o auxílio de irmãos maçônicos, em 1805, chegou a Londres,
novamente, iniciando uma nova fase de sua vida. Na Inglaterra, contou com o
apoio do seu amigo maçom, o Duque de Sussex, filho de Jorge III, que o
introduziu na sociedade britânica. Na liberal Inglaterra, ele viveu 18 anos, e
casou-se, em 1817, com Mary Ann Troughton. Desta união nasceram três filhos.
A
infância e adolescência
Hipólito
José da Costa nasceu na Colônia do Sacramento, hoje, no Uruguai, em 25 de março
1774, quando esta estava sob a dominação portuguesa. Ao passar o local para o
domínio espanhol , em 1777, sua família se mudou para a região do Capão do
Leão, na atual cidade de Pelotas, no Rio Grande do Sul. Com a finalidade de
estudar em Coimbra, em 1792, ele partiu, aos 18 anos, para Portugal onde se
formou em Direito e ocupou cargo importante na Imprensa Régia devido à sua
cultura geral e desenvoltura. Hipólito José da Costa realizou também
importantes contatos diplomáticos, visando a realizar estudos econômicos e
científicos, como os que ocorreram nos Estados Unidos das Américas, França e
México. O “Patrono da Imprensa no Brasil” faleceu, em 11/09/1823,
em Londres, onde se encontrava asilado, sem tomar conhecimento da sua nomeação
como cônsul geral do Brasil na Inglaterra.
O
Correio Braziliense
Preocupado
quanto à corrupção, e a forma como o Brasil era administrado por Portugal,
Hipólito José da Costa criou o “Correio Braziliense” (1808-1822), que se
constituiu numa tribuna em prol da liberdade de pensamento e divulgação dos
principais acontecimentos que ocorriam na Europa e no Brasil. Este mensário,
durante a sua existência, totalizou 175 edições, que foram agrupadas em 29
volumes. Circulando clandestino, no Brasil, devido à Censura Régia, o “Correio
Braziliense” foi responsável pela difusão dos ideais liberais que nortearam a
Independência do Brasil (1822). Para que compreendamos a dimensão da obra de
Hipólito José da Costa, torna-se fundamental a leitura de dois livros de sua
autoria: “Diário de minha viagem para Filadélfia” (1798-1799) e ”Narrativa da
Perseguição” (1811).
O
combate à escravidão no Brasil
Em
seu “Correio Braziliense” (1808-1822), Hipólito José da Costa, de forma
pioneira, propôs a implantação de máquinas modernas e a substituição gradual do
braço escravo por imigrantes de alguns locais da Europa que, devido ao término
das Guerras Napoleônicas, ofereciam uma população necessitada de emprego. O
Patrono da nossa Imprensa considerou estranho que, no Brasil, após sua
independência (1822), os escritores permanecessem em silêncio quanto à
permanência do sistema escravocrata. Nas páginas do primeiro jornal brasileiro,
o “Correio Braziliense” (1808-1822), em novembro de 1822, fez a seguinte
crítica:
“É
ideia contraditória querer uma nação livre, e se o consegue ser, blazonar, em
toda a parte e em todos os tempos, de uma liberdade, mantendo dentro de si a
escravidão, isto é, o idêntico costume oposto à liberdade. Os brasileiros,
portanto, devem escolher entre essas duas alternativas: ou eles nunca hão de
ser um povo livre, ou hão de resolver-se a não ter consigo a escravidão.”
A
lei que reconheceu o 1º de junho: Dia da Imprensa
O
reconhecimento do “Correio Braziliense”, de Hipólito José da Costa (1774-1823),
como o primeiro periódico brasileiro, efetivou-se com a lei 9.831, assinada, em
13/09/1999, pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. A lei que oficializou o
dia 1º de junho, como o “Dia Nacional da nossa Imprensa”, foi um projeto de
autoria do deputado Nelson Marquezan do PSDB gaúcho. A atuação da Associação
Riograndense de Imprensa (ARI), da Fundação Assis Chateaubriand, do historiador
Claúdio Moreira Bento e do jornalista Raul Quevedo (1926-2009) foi fundamental
durante a campanha.
In Memoriam
O
jornalista gaúcho Raul Quevedo (1926 2009) - admirador incondicional da obra de
Hipólito da Costa -, batalhou, incansavelmente, desde 1972, para que o “Correio
Braziliense” (1808-1822) fosse reconhecido como o marco inaugural da Imprensa
no Brasil. Desde o Estado Novo (1937-1945), implantado por Getúlio Vargas
(1882-1954), a data alusiva à Imprensa, no Brasil, era comemorada em 10 de setembro,
quando começou a circular, após a chegada da Família Real no Brasil (1808), a
“Gazeta do Rio de Janeiro” - periódico oficial do governo português-, que
representava apenas os interesses lusitanos. No ano de 2001, a Fundação
Assis Chateaubriand promoveu o translado, dos restos mortais de Hipólito José
da Costa, da Inglaterra para o Museu Nacional da Imprensa em Brasília. O
Patrono da Imprensa brasileira, atualmente, faz parte da “Galeria dos Heróis
Nacionais”.
O
Diário de Porto Alegre
O
1º de junho nos remete, também, a um momento significativo da história da
imprensa no Rio Grande do Sul: há 189 anos, no ano de 1827, começou a circular
o “Diário de Porto Alegre” (1827-1828), primeiro jornal impresso na Província
de São Pedro (RS). Criado sob a proteção do Presidente da Província, o
Brigadeiro Salvador José Maciel, o jornal possuia duas páginas, medindo 30 cm
de altura por 18 cm de largura. O “Diário de Porto Alegre” circulou
diariamente, exceto em “dias santos” e feriados, sendo seu título uma homenagem
a capital da Província de São Pedro (RS).
A
circulação do “Diário de Porto Alegre” se tornou possível devido à participação
dos franceses Dubreuil e Estivalet - responsáveis por sua composição e
impressão-, que desertaram das tropas do Gen. Alvear durante a Guerra da
Cisplatina (1825-1828). Seu primeiro redator e administrador foi João
Inácio da Cunha, seguido por Vicente Ferreira Gomes cuja alcunha era “Carona”.
O primeiro periódico gaúcho trazia, em suas páginas, atos oficiais do governo da
Província, anúncios, em geral, incluindo venda e aluguel de escravizados e
notícias acerca do Comércio e Navegação.
A
Tipografia Rio-grandense foi comprada por meio de subscrição pública, no Rio de
Janeiro, e chegou a Porto Alegre, no dia 04 de agosto de 1822, a bordo do
Bergantim Reino Unido. Passaram-se cinco anos, para que a mesma
fosse ativada e imprimisse nosso primeiro jornal, que circulou até 30/06/1828.
Esta demora é atribuída, por alguns pesquisadores, ao fato de que não havia
ninguém capacitado, para lidar com a prensa.
Após
o “Diário de Porto Alegre”, circularam vários periódicos de cunho político e
ideológico, sendo a maioria de curta duração. De acordo, como historiador
Aurélio Porto (1879-1945), entre 1827 e 1838, circularam 35 jornais. Estes
jornais fomentaram a eclosão da mais longa guerra civil: a Revolução
Farroupilha (1835-1845) que combateu o centralismo do Império e os abusos
econômicos em relação à Província de São Pedro (RS). Dentro deste contexto,
Legalistas (Conservadores/Caramurus) e revolucionários Liberais se digladiaram,
defendendo suas posições políticas nas páginas desses jornais.
Um
espaço de Memória
A
leitura dos jornais, que circularam nos primórdios da nossa imprensa, é um
mergulho no oceano do tempo. O Museu da Comunicação Hipólito José da Costa,
cujo nome é uma homenagem ao “Patrono da Imprensa no Brasil”, foi fundado, na
capital gaúcha, em 10 de setembro 1974, pelo jornalista Sérgio Dillenburg, e
contou com o apoio incondicional da Associação Riograndense de Imprensa (ARI),
por meio da figura de seu presidente Alberto André (1915-2001). Criado durante
as comemorações do bicentenário de nascimento de Hipólito José da Costa, sua
inauguração se constituiu numa homenagem ao “Patrono da Imprensa no Brasil“.
Esta instituição guarda, preserva e disponibiliza para a pesquisa um
valioso acervo, que representa a “Memória da Comunicação” do Rio Grande
do Sul.
Museu
da Comunicação Hipólito José da Costa
Vídeo
: https://www.youtube.com/watch?v=2DHlvKrMTuE
Isabel Lustosa Observatório da Imprensa 22-03-11 Correio Braziliense.
Bibliografia
COSTA,
Hipólito José. Narrativa da Perseguição e Prisão pelo Santo Ofício. Porto
Alegre: Ed. ARI / Sulina, 1975.
----------------------------Diário
da Minha Viagem para Filadélfia. Porto Alegre: Sulina, 1974.
MACEDO,
Riopardense de. Hipólito da Costa e o Universo da Liberdade. Porto Alegre: Ed.
ARI / Sulina, 1975.
QUEVEDO,
Raul. Em Nome da Liberdade / A saga de Hipólito da Costa. Pelotas: UFPEL 1997.
RIZZINI,
Carlos. Hipólito da Costa e o Correio Braziliense. São Paulo: Companhia
Editorial Nacional, 1957.
SILVA,
Jandira M.M. da; CLEMENTE, Ir. Elvo; BARBOSA, Eni. Breve histórico da imprensa
sul-rio-grandense. Porto Alegre: Corag, 1986.
SOBRINHO,
Barbosa Lima. Hipólito da Costa: Pioneiro da Independência. Brasília: Fundação
Assis Chateaubriand, 1996.
ViANNA,
Lourival. Imprensa Gaúcha (1827-1852). Porto Alegre: Museu da Comunicação
Hipólito José da Costa / CORAG, 1977.
Imagens
1-
Hipólito José da Costa
2-
Correio Braziliense (1808- 1822)
3- Raul
Quevedo (1926 2009)
4- Diário
de Porto Alegre (1827-1828)
*Pesquisador
e Coordenador do Setor de imprensa do Musecom
Sem comentários:
Enviar um comentário