Rui Peralta,
Luanda
Com
a imposição, por parte do FMI, do “Ajustamento Estrutural”, os governos
cortaram despesas públicas nos sectores da saúde, educação, assistência a
crianças, etc., abrindo as portas para as ONG`s entraram. A privatização da
vida económica também significou a ONGnização da economia e da política social.
Os empregos e meios de subsistência desapareceram? Eis as ONG`s, uma importante
fonte de emprego!
Certamente
que nem todas se regem pela mesma bitola. Dos milhões de ONG`s existentes na
economia-mundo, algumas fazem um trabalho notável e seria caricato e irrealista
pintá-las todas com o mesmo pincel e da mesma cor, ou com ligeiras variações.
No entanto, é bom não esquecer e ignorar, que muitas ONG`s são um instrumento
para desestabilizar, comprar e infiltrar os movimentos de resistência,
exactamente da mesma forma que os accionistas compram acções de empresas, e em
seguida tentam controlá-las a partir de dentro. Funcionam como nódulos do
sistema nervoso central, os caminhos ao longo dos quais fluem as finanças
globais. São transmissores, receptores e amortecedores, um alerta para cada
impulso, cuidadosas e suficientemente diplomáticas para não irritar os governos
dos seus países de acolhimento (não é por acaso que a Fundação Ford, por
exemplo, exige que as organizações que financia assinem um compromisso com essa
finalidade).
Servindo
como postos de escuta, produzindo relatórios, workshops e outros dados de
alimentação de actividade, movimentando-se num elaborado sistema de vigilância,
as ONG`s operam no terreno de forma mais ou menos discreta, conforme a sua
actividade seja consciente da sua função ou inadvertida (infiltrada). O seu
numero numera determinada área é determinado pela conturbação, ou seja, quanto
mais conturbada uma área for, maior será a quantidade de ONG`s.
Um
dos focos principais da sua actividade (um dos seus nichos de mercado) é o da “indústria
dos direitos humanos”, um discurso cujo objectivo é a utilização dos direitos
humanos para actividades de desestabilização politica, recrutamento,
vigilância, propaganda e contra-informação, além de permitir uma análise
baseada em atrocidades, onde o factor principal é bloqueado. Focam as
atrocidades e as violações primárias com o objectivo não de denunciar mas de
encobrir as causas. Desta forma contam-se estórias que nos põem com uma lágrima
no canto do olho e afastam-nos da História e da realidade do presente.
Também
o movimento feminista foi objecto deste discurso. Na década de 60 estes
movimentos revelaram incapacidades diversas em acompanhar a radicalização das
mulheres no sentido das lutas anti-imperialistas e anticapitalistas. Uma forte
corrente do movimento feminista caminhou neste sentido mas muitas outras
tendências não o fizeram, deixando o movimento fragilizado e tendente a
divisões, o que foi aproveitado, de forma genial, pelas fundações dos oligopólios
e pelas ONG´s. A ONGnização do movimento das mulheres fez do feminismo liberal
ocidental (a “marca” mais vendida) o porta-estandarte do feminismo. A batalha
jogou-se sobre o corpo das mulheres, resumindo-se a posições de liderança,
burcas e moda feminina. Para trás ficaram as mulheres trabalhadoras, a luta
surda contra o patriarcado no seio da família patriarcal, os direitos no
trabalho, o acesso ao mercado, a violência contra a mulher (abordada sempre de
forma muito inconsequente e baseada na agressão física, nas marcas no corpo) e
outras formas de exploração da mulher.
Para
as ONG`s, através do seu discurso anódino, tudo é assunto particular,
profissionalizado, de interesse especial. Neste âmbito, o desenvolvimento
comunitário, liderança, direitos humanos, saúde, educação, direitos
reprodutivos, AIDS, órfãos com AIDS é marcado e encerrado no seu próprio
espaço, para melhor ser rentabilizado o financiamento atribuído. Questões
sociais como a pobreza, a miséria, a precariedade, tornam-se - através do discurso
insalubre do ONGnismo - um problema de identidade (a exemplo do feminismo),
como se os pobres não fossem obra da injustiça, mas uma tribo perdida que só se
limitou a existir e pode ser resgatada em pouco espaço de tempo por um sistema
de alívio à injustiça (administrado pela ONG e pelo seu “activismo”), no âmbito
da politicamente correcta “boa governação”.
ONGnizados,
os pobres, as mulheres, os trabalhadores, as vítimas da guerra, da fome e da
miséria, as vítimas do abuso, as vítimas do desrespeito pelos direitos humanos,
assumem o seu lugar nos mercados periféricos da economia-mundo…
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