“A
Russofobia é composta de ignorância, falha de cepticismo e raciocínio, orgulho,
hipocrisia, condescendência e grosseria, tudo colocado ao serviço do complexo
militar-industruial e da NATO: apoia uma Guerra Fria de um só lado, contra um
país que só agora começa a erguer-se depois da queda, está mais interessada em
melhorar as condições de vida do seu povo, não quer a guerra e não deseja ser
nosso inimigo a menos que tenha de defender-se. “
Imaginem
que Vladimir Putin não era um autocrata assassino e cleptocrata que passou os
últimos catorze anos no poder a viver à conta do seu passado no KGB e a
empurrar a Rússia cada vez mais para trás, para a autocracia do comunismo,
iliberalismo e expansionismo. Imaginem que em vez de ele ser um dos maiores
lideres que a Rússia já teve, cujas políticas tem auxiliado a produzir uma
subida maciça dos níveis de vida e da esperança de vida, recuperação do orgulho
nacional e reforço das leis, que se agarrou sabiamente a cleptocratas e
gangsters, cuja política externa tem sido em geral realística, diplomata e
pacífica, que preside a um país em que os direitos humanos estão bem melhor do
que nos Estados Unidos e em que os direitos civis estão a melhorar, e que tem
um apoio permanente de 65% — actualmente em relação à Ucrânia de 83% — da sua
população. Na minha opinião ele está mais próximo do primeiro cenário do que do
segundo — e digo isto como alguém que não tem ligações étnicas, financeiras,
profissionais ou políticas com a Rússia. Na realidade não sou uma especialista
na Rússia, mas também não tenho ideias preconcebidas. Sou uma observadora
amigável, do país.
Deixem-me
começar por explicar a história da minha ligação ao país. Quando era
adolescente a minha escola um tanto tímida e sem imaginação decidiu organizar
uma viagem descaracterizada a um local louco como a Rússia, onde, parecia, que
tinham acontecido muitas mudanças politicas. Assim visitei a União Soviética
durante o ultimo mês da sua existência, sem nenhum conhecimento dela com
centenas de milhões não apenas com umas centenas. Após formação em Inglês, nem
do que iria substitui-la. Alguns anos mais tarde, no meu ano antes da
universidade, descobri-me a viver na margem sul do Danúbio em Ruse, Bulgária, a
aprender búlgaro mas a pensar que se alguma vez aprendesse a sério uma língua
eslava seria para me entender com centenas de milhões e não apenas com sete
milhões. Depois de uma licenciatura em Inglês, fiz um movimento em diagonal
para um mestrado em Russo e Estudos Pós-Soviéticos na Escola de Economia de
Londres, onde era muito claro que os melhores kremlinologistas britânicos pouco
sabiam de como e quando terminara a União Soviética — e quem, nostálgicos do
czarismo ou nostálgicos soviéticos — estavam estarrecidos com o que acontecia
nesse momento no país. O pior já tinha acontecido quando me mudei para Moscovo
em 2002 para melhorar o meu russo aprendido nos livros, e para ensinar Inglês.
Tornei-me entre outras coisas uma especialista de Literatura comparada
anglo-russa e desde então tenho visitado o país todos os anos.
De
Moscovo de 1991, lembro-me como era febril, quase em pânico e terrivelmente
pobre. Moscovo que recordo de 2002 poderia chamar-se de «dura». Embora com uma
segurança que Londres não tinha, utilizei muitas vezes carros particulares como
táxis, sozinha à noite — havia muitas maneiras de morrer que Londres não tinha.
Buracos abertos, bêbedos a escorregar na neve, fogo cruzado. Era o capitalismo
duro — capitalismo selvagem, sem luvas. Afegãos literalmente de pernas nuas
arrastavam-se pela neve, os torsos a equilibrar-se em skates rudimentares.
Famílias acampavam a cantar pela ceia. Violinistas conceituados ambulantes.
Ginastas profissionais a fazer strip em clubes nocturnos. Armazéns camuflados em
que se vendiam marcas estrangeiras aparentemente em rublos, mas que de facto
eram dólares inflacionados e ilegais. O meu patrão numa escola particular
inglesa não pagava impostos sob a desculpa de que não o podia fazer porque não
tinha dinheiro. Evitávamos a polícia, porque de algum modo estávamos envolvidos
numa ilegalidade e porque eles eram mal pagos e aceitavam subornos.
Um
ano mais tarde, de visita, a situação estava um pouco melhor. A miséria mais
gritante já não aparecia. No ano seguinte, menos ainda. E a partir daí tem
sempre melhorado. O capitalismo está a calçar de novo as luvas. Os transportes
públicos estavam muito melhor. Nada se vende em dólares e as marcas
estrangeiras tem concorrentes russas. Uma estrutura clara de impostos significa
que o comércio e os assalariados podem e pagam as taxas. Não se vê ninguém
bêbado em público. As mulheres moscovitas já não exageram a sua feminilidade
num testemunho da sua insegurança financeira e numa imitação barata de um
Ocidente pornograficamente imaginado. E o melhor de tudo, para os ocidentais
habituados a isso, as pessoas devolvem-nos o sorriso. Mesmo nos casos mais
difíceis — os babuskis que guardam os museus, e os guardas de fronteira para
passaportes sorriem-nos. No ano passado, pela primeira vez, senti que a Rússia
entrara numa nova fase — o pós-pós soviético e, em que as pessoas já não estão
à espera que a normalidade seja restabelecida, ou a desejar viver num pais
normal. Surgiu já uma nova normalidade e um novo optimismo.
O
meu sítio de sentir o país tem sido sempre Moscovo ou até mesmo São
Petersburgo, Nizhnii Novgorod e Perm — mas segundo o que ouço do resto do país,
está a melhorar lenta, mas firmemente.
Ora
este período de conhecimento coincidiu com a era de Putin no poder. É uma
faceta dos media ocidentais que apresenta Putin metonímico do país, sendo uma
das afirmações o seu controlo cada vez mais autocrático. Não acredito, mas não
há duvida que Putin tem um impacto decisivo na política russa neste século.
Assim o meu interesse não é apenas a Russofobia, mas a Putinfobia e
considero-as semelhantes; uso aqui fobia no sentido de um preconceito negativo.
A
verdade é que a Rússia que conheço e a Rússia que vejo descrita no Ocidente e
principalmente nos jornais ingleses são completamente diferentes. A Rússia da
minha experiência tem melhorado em relação a qualquer indicativo que possa
imaginar, mas a sua imagem nos jornais estrangeiros tem piorado. Mas há muitas
maneiras de melhorando o nível de vida o tornar compatível com uma autocracia
crescente e beligerância internacional — caso de Hitler. Mas creio que isso não
acontece com Putin.
Quero
acabar esta introdução com uma anedota. No 1.o de Abril visitei o Instituto
Britânico em Moscovo e falei com dois empregados russos jovens. Pensaríamos que
essas pessoas se interessassem pelo Ocidente em geral e fossem anglófilas.
Parte do seu trabalho era analisar a cobertura da imprensa britânica sobre a
Rússia e enquanto pensaram que eu fosse uma jornalista da BBC, mantiveram-se
reservados quase hostis. Quando eu expliquei que era académica e céptica das
notícias britânicas sobre a Rússia, foram todos sorrisos e contaram-se como se
sentiam aborrecidos com o noticiário britânico. Não conheço nenhum russo com
conhecimento da representação russa na Inglaterra que não tenha muitas
críticas. Também eu me sinto aborrecida, principalmente porque penso que isso é
um dano moral e intelectual e de efeitos contraproducentes e perigosos.
Não
vou aqui simplesmente analisar a corrente noticiosa americana e britânica em
comparação com as minhas opiniões. Vou é tentar descrever algumas coisas que
dão uma imagem falsa e factores que a corroboram, na esperança de que a minha
descrição pareça verdadeira e contribua para uma visão correcta. Doravante,
analiso os efeitos práticos da imagem dos media sobre a Rússia.
A
sua origem vem das suspeitas habituais no caso de ideias feitas: distorção dos
factos através do exagero, afirmações e falseamento; inferências falsas,
inconsistências; e desconhecimento da língua.
Comecemos
com o exagero: o argumento de que Putin domina totalmente os media russos é
frequentemente exagerado. Muita da TV é estatal, mas alguns dos canais do
Estado, como a RIA Novosti, criticam Putin, assim como muitas estações de rádio
e jornais. Putin é muito mais criticado pela imprensa russa do que Cameron na
imprensa britânica. Não fomos comparar tudo, já que no geral há mais razões
para criticar Putin, mas é um facto, que entra em contradição com a imagem que
se tem actualmente da Rússia. A internet é mais livre do que na Inglaterra —
uma das razões por que a pirataria intelectual está disseminada — e muitos
russos recebem as notícias pela Internet. O controlo governamental da imprensa
não pode ser indicado como uma razão significativa para o apoio constante a
Putin.
Por
outro lado, os protestos contra ele, recebem boa cobertura mesmo que sejam
exagerados apesar do facto de os protestos, grandes e pacíficos, indicarem o
direito ao protesto. As demonstrações em Moscovo depois da eleição presidencial
em Março de 2012 são a prova disso. A cobertura desses protestos também
englobou declarações de muitos políticos importantes opositores – os
comunistas. O apoio ao partido comunista está nuns 20% tornando-o o partido de
oposição mais importante. Os media britânicos, porém, focam principalmente a
oposição liberal. É compreensível que o faça, dado que é essa a tendência que
apoia, mas dá também uma impressão falsa que agora a oposição «liberal» é de
facto a principal. O exame das demonstrações em que a bandeira comunista
predominou negou os comentários britânicos.
Este
exagero do tamanho e importância, tanto dos protestos como dos componentes
liberais, é claramente o produto de um modo de pensar positivo — mas se
realmente houver interesse em ver a substituição de Putin por um liberal, não é
bom exagerar a importância real da oposição liberal mesmo para si. Em vez disso
devíamos confrontar o facto de que os partidos liberais conseguiram apenas 5%
dos votos, e deveriam então tentar descobrir o que está errado com a mensagem
destes partidos e/ou dos lideres, e/ou o que esta errado com a capacidade dos
votantes para entender o interesse das suas mensagens.
Mas
a elisão mais importante ao cobrir a Rússia é a dos melhoramentos nos
indicadores democráticos, níveis de vida, afluência nacional e a regra de lei,
que mencionei. Durante os seus primeiros doze anos no poder o PIB aumentou cerca
de 850%. O país está quase sem dívidas, com uma grande reserva de moeda. Devido
às políticas de Putin as receitas do petróleo servem agora a economia nacional.
A mortalidade declinou muito, e os nascimentos aumentaram. Portanto fabricam-se
notícias ou especulações são apresentadas como factos.
Um
bom exemplo disso é a riqueza pessoal de Putin — que recebeu números
fantásticos na Forbes e na Bloomberg, incluindo que ele é o nono homem mais
rico no mundo, ou mesmo o homem mais rico do mundo. Estas teorias nascem muito
de reclamações de dois homens, o analista Stanislav Belkovsky, primo de
Berezovsky, e o politico liberal Boris Memtsov. As alegações são que ele tem secretamente
uma grande parte da Gazprom e companhias de energia relacionadas como a Gunvor.
Na verdade, quando The Economist publicou as alegações sobre o lugar de Putin
na Gunvor em 2008 foi multado e obrigado a publicar uma retratação. Haverá
poucas pessoas no mundo que realmente conheçam o verdadeiro estado das finanças
de Putin: ele próprio e mais uma ou duas pessoas. Diria, primeiro, que
alegações específicas não foram provadas; segundo, que especulações não devem
ser apresentadas como factos confirmados; e terceiro, que nada do que se sabe
sobre a história de Putin, o carácter orgulhoso e «workaholic» sugere alguém, a
quem as coisas que o dinheiro pode comprar interessam; ele não é um Goering
sibarítico.
Outras
reclamações sobre corrupção na Rússia são perfeitamente absurdas. Algumas sobre
a corrupção nos Olímpicos de Sochi, a serem verdade, significam que se teria
perdido mais dinheiro na corrupção do que todo o PIB do país.
A
credulidade destas reclamações feitas por críticos de Putin já que são feitas
por críticos de Putin levam-me a uma inferência inductiva falsa que normalmente
se aplica acerca de Putin: que o inimigo do meu inimigo é meu amigo. Quando
combinada com a assunção que há uma interferência governamental na operação da
lei na Rússia, tem como resultado que quando alguém é acusado de um crime na
Rússia vozes de crítica a Putin surgem normalmente ao lado de protestos da sua
inocência, principalmente na imprensa britânica.
Ou
seja, não só o inimigo do meu inimigo é meu amigo, e não só o critico de Putin
é meu amigo, mas o critico de Putin está inocente — não apenas negativamente
inocente de qualquer crime imputado, mas positivamente inocente e bom, porque
quem se opõe a um tirano, é dissidente e, portanto, do mesmo género de pessoa
como os santos Solzhenitsyn ou Sakarov. Na realidade, um prisioneiro com ideias
politicas não é o mesmo que um prisioneiro político.
É
certo que o sistema legal da Rússia é menos brando que o de Inglaterra, e tem
menos das suas características importantes tanto na lei civil como na criminal
— por exemplo o principio de abertura das provas contrárias. O sistema é jovem,
tendo sido criado pelo nosso sistema capitalista no fim do comunismo. Muitos
dos advogados e juízes são assim relativamente jovens e inexperientes. E cingem-se
muito à lei. A defesa ainda não está tão bem estabelecida na profissão como a
acusação. Estes factores afectam a justiça de todos os julgamentos do país.
Mas
devem acrescentar-se a isto duas coisas importantes. Primeiro, a situação vai
gradualmente melhorando. Putin não destruiu a independência judicial e antes
dele quase nada existia, e está agora a ser gradualmente criado. Segundo, a
alegação de que todos os julgamentos dos críticos de Putin são injustos pelos
padrões do sistema vigente pois há muito poucas provas em que se apoiar.
*
Jornalista
Este texto foi publicado em: http://www.informationcleaninghouse.info/article44908.htm
O
Diário.info - Tradução de Manuela Antunes
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