Conta
a Lusa que o ministro da Defesa de Angola e vice-presidente do MPLA, João
Lourenço, denunciou hoje tentativas de “denegrir” a imagem de Agostinho Neto,
primeiro Presidente angolano e fundador do partido, na passagem do 94.º
aniversário do seu nascimento.
Óscar
Cabinda*
O governante
discursava em Mbanza Congo, província do Zaire, ao presidir ao acto solene das
comemorações do dia do Herói Nacional, feriado alusivo precisamente ao
nascimento do primeiro Presidente de angolano.
“A
grandeza e a dimensão da figura de Agostinho Neto é de tal ordem gigante que,
ao longo dos anos, todas as tentativas de denegrir a sua pessoa, a sua
personalidade e obra realizada como líder político, poeta, estadista e
humanista, falharam pura e simplesmente porque os factos estão aí para
confirmar quão grande ele foi”, afirmou.
João
Lourenço, continuamos a citar a Lusa, nunca se referiu ao caso na sua
intervenção, mas o bureau político do MPLA criticou em Julho, duramente, o
lançamento em Portugal de um livro sobre aquele partido e o primeiro Presidente
angolano, Agostinho Neto, queixando-se então de uma nova “campanha de
desinformação”.
Em
causa está o livro “Agostinho Neto – O Perfil de um Ditador – A História do
MPLA em Carne Viva”, do historiador luso-angolano Carlos Pacheco, lançado em
Lisboa a 5 de Julho, visado no comunicado daquele órgão do Comité Central do
partido no poder em Angola desde 1975.
Carlos
Pacheco disse – conta a Lusa – que a obra resulta de uma década de investigação
histórica e que “desmistifica” a “glória” atribuída ao homem que conduziu os
destinos do movimento que lutou pela libertação do jugo colonial português em
Angola (1961/74). Contudo o livro tem sido fortemente criticado em Luanda, por
parte de dirigentes e elementos afectos ao MPLA e da fundação com o seu nome.
“A
República de Angola está a ser vítima, mais uma vez, de uma campanha de
desinformação, na qual são visadas, de forma repugnante, figuras muito
importantes da Luta de Libertação Nacional, particularmente o saudoso camarada
Presidente Agostinho Neto”, lê-se no comunicado de Julho do bureau político.
Na
intervenção de hoje, prossegue a Lusa, João Lourenço, que falava em
representação do chefe de Estado, José Eduardo dos Santos, sublinhou que
Agostinho Neto “será sempre recordado como lutador pela liberdade dos povos” e
um “humanista profundo”.
“Como
atestam as populações mais carenciadas de Cabo Verde, a quem Agostinho Neto
tratou gratuitamente, mesmo estando ele nas condições de preso politico. É
assim como será sempre lembrado, por muitas que sejam as tentativas de
denegrir”, afirmou o ministro da Defesa.
“Em
contrapartida”, disse ainda o governante, os “seus detractores não terão nunca
uma única linha escrita na História, porque mergulhados nos seus recalcamentos
e frustrações, não deixarão obra feita digna de respeito e admiração”.
“Não
terão por isso honras de seus povos e muito menos de outros povos e nações. A
História encarregar-se-á de simplesmente ignorá-los, concentremos por isso
nossas energias na edificação do nosso belo país”, disse João Lourenço, que
desde Agosto é também o novo vice-presidente do MPLA.
Como
em 1977, pensar mete medo aos donos do poder
Sabendo
o que diz mas não dizendo o que sabe, João Lourenço alinha na lavagem da imagem
de Agostinho Neto numa altura em que, como sabe o regime, os angolanos começam
cada vez mais a pensar com a cabeça e não com a barriga… vazia.
Terá
João Lourenço alguma coisa a dizer aos angolanos sobre os acontecimentos
ocorridos no dia 27 de Maio de 1977 e nos anos que se seguiram, quando dezenas
de milhar de angolanos foram assassinados por ordem de Agostinho Neto?
Agostinho
Neto, então Presidente da República, deu o tiro de partida na corrida do
terror, ao dispensar o poder judicial, em claro desrespeito pela Constituição
que jurara e garantia aos arguidos o direito à defesa. Fê-lo ao declarar,
perante as câmaras da televisão, que não iriam perder tempo com julgamentos.
Tal procedimento nem era uma novidade, pois, na história do MPLA tornara-se
usual mandar matar os que se apontavam como «fraccionistas. O que terá a dizer
sobre isto o general João Lourenço?
Agostinho
Neto deixou a Angola (mesmo que João Lourenço utilize toda a lixívia do mundo)
o legado da máxima centralização de um poder incapaz de dialogar e de construir
consensos, assim como de uma corrupção endémica. E os portugueses que nasceram
e viveram em Angola, ainda hoje recordam o papel que teve na sua expulsão do
país. Antes da independência declarava que os brancos que viviam em Angola há
três gerações eram os «inimigos mais perigosos». Em 1974, duvidava que os
portugueses pudessem continuar em Angola. Em vésperas da independência
convidava-os a sair do país. E já depois da independência, por altura da morte
a tiro do embaixador de um país de Leste, cuja viatura não parara quando se
procedia ao hastear da bandeira de Angola, dirigiu-se, pela televisão, aos
camaradas, para lhes dizer que era preciso cuidado, pois nem todos os brancos
eram portugueses.
Um
dos maiores genocidas
Em
Maio de 1977, não houve pioneirismo, pelo contrário, não tendo Agostinho Neto
conseguido massacrar a humilhação passada no Congresso de Lusaka, o primeiro
democrático do MPLA, onde o eleito foi Daniel Júlio Chipenda, Agostinho Neto
consumou a grande chacina, para estancar, com o temor, uma série de cisões e problemas
que calcorreavam incubados, desde a sua chegada ao MPLA, convidado pela
anterior direcção.
Esta
demonstração de força, serviu para demonstrar, que se o poder fosse posto em
causa, a direcção e Agostinho Neto, não teriam pejo de sacrificar com a própria
vida todos quantos intelectualmente o afrontassem. Foi assim ontem, é assim
hoje, infelizmente, como bem sabe João Lourenço.
Numa
só palavra, quando este MPLA sente o poder ameaçado, não hesita: humilha,
assassina, destrói, elimina, atira aos jacarés.
É
a sua natureza perversa demonstrando não estar o MPLA preparado para perder o
poder e, em democracia, com a força do voto se isso vier a acontecer, a opção
pela guerra será o recurso mais natural deste partido, não é general João
Lourenço?
Não
é em vão que temos dois exércitos: as FAA e o exército privado a UGP (Unidade
de Guarda Presidencial), mais a partidarização da Polícia Nacional; da
Segurança de Estado; do SIC (Serviços de Investigação Criminal); do sistema de
Justiça e dos Tribunais e a maioria dos juízes, tudo previamente montado, para
contrariar a vontade popular.
Em
todos os meses do ano nunca devemos esquecer, por força do sofrimento de
milhares e dos assassinatos de igual número, das prisões arbitrárias, da
Comissão de Lágrimas, da Comissão de Inquérito, dos fuzilamentos
indiscriminados, etc.
Muitos
acreditaram, em 1979, com a ascensão de Eduardo dos Santos ao poder, num
eventual reencontro com a verdade e a reconciliação interna, sobre a alegada
intentona, que ele próprio sabe nunca ter existido. Infelizmente, não se
conseguiu despir da cobardia e cumplicidade, ostentada desde o tempo de
Agostinho Neto e sua clique: Lúcio Lara, Onambwé, Iko Carreira, Costa Andrade
“Ndunduma”, Artur Pestana “Pepetela”, entre outros.
Dos
Santos mostrou ser um homem que, pelo poder, é capaz de tudo: viola a
Constituição, as leis, humilha, desonra e assassina, todos quantos não o
bajulam. Exemplos para quê, eles estão à mão de semear… nas cadeias, no exílio,
nos cemitérios, no estômago dos jacarés.
“Não
vamos perder tempo com julgamentos”, disse no pedestal da sua cadeira–baloiço,
um dos maiores genocidas do nacionalismo angolano e da independência nacional,
Agostinho Neto. João Lourenço sabe que isto é verdade.
Esta
posição da lei da força, marcaria para todo o sempre o sistema judicial,
judiciário e de investigação policial em Angola, onde a presunção e a defesa de
uma ideologia diferente da do partido no poder, são causa bastante para
acusação, julgamento, prisão e até mesmo assassinato político, ainda que a pena
de morte, não esteja consagrada na Constituição.
Sempre
que o regime diz o que agora repete João Lourenço, todos devemos fazer uma
viagem de regresso a 1977 para ver como estão as cicatrizes daquele período de
barbárie, que levou, muitos de nós, às fedorentas masmorras da polícia política
de Agostinho Neto, ou mesmo aos assassinatos atrozes, como nunca antes o
próprio colono português havia praticado contra muitos intelectuais pretos,
sendo o próprio Neto disso um exemplo.
Há
39 anos que Angola, o Povo, aguarda pela justiça, mas com as mentes caducas no
leme do país, essa magnanimidade de retractação mútua, para o sarar de feridas,
não será possível, augurar uma Comissão da Verdade e Reconciliação, muito
também, por não haver um líder em Angola.
*Folha
8
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