sábado, 8 de outubro de 2016

Moçambique: Várias FRELIMOS podem sair do XI Congresso, diz analista



Na abertura da III Sessão Extraordinária do Comité Central da FRELIMO, Presidente moçambicano diz que partido não pode ser plataforma para atingir fins pessoais. XI Congresso da FRELIMO é um dos temas em debate.

O encontro começou esta sexta-feira (07.10.) e termina no sabádo (08.10.). Os membros da Frente para a Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, discutem na cidade da Matola vários temas, entre eles a realização do seu XI Congresso, as próximas eleições e a disciplina partidária. Sobre o Comité Central extraordinário, a DW África entrevistou o analista moçambicano Severino Ngoenha: 

DW África: É mera coincidência que a III Sessão Extraordinária da FRELIMO aconteça num momento crítico em termos económicos e políticos?

Severino Ngoenha (SN): A gente só faz coisas extraordinárias quando os momentos também são extraordinários. O extraordinário pode ser positivamente, mas normalmente é negativo. Em Moçambique passamos por um momento extraordinariamente negativo e é preciso que aqueles que por função, os partidos políticos, governantes, etc, tomem a sério as medidas que se impõem para trazer o país e o povo a uma certa normalidade. Primeira coisa é que no dia 4 de outubro celebramos a paz, mas estamos em guerra. A guerra cria uma desestabilização ao nível humano. A juntar-se a isto temos uma falta de clareza, o Parlamento está a funcionar com bancadas que tentam impor a sua posição, mesmo quando estão erradas. Há problemas não resolvidos, como a questão das dívidas ocultas, que a própria comunidade internacional entrou e que faz com que praticamente não haja a ajuda que temos tido. E isso encarece o custo de vida. E isso leva a greves, ao descontentamento nacional e a uma situação de tensão que é patente no cotidiano dos moçambicanos. Faz com que o país passe por situações catastróficas que precisam de soluções. E o comité central é convocado para colmatar situações extraordinárias que nós vivemos.

DW África: No seu discurso de abertura o Presidente Filipe Nyusi destacou que a FRELIMO não pode ser encarada como uma plataforma de acesso ao poder para atingir fins pessoais ou de grupos. Sabendo que as elites deste partido dominam o mundo dos negócios, e até uns entram em conflitos, se pode entender a mensagem do líder do partido como uma chamada de atenção às tais elites? 

SN: Mais do que uma chamada de atenção, revela o que é a política moçambicana desde que passamos do monopartidarismo ao multipartidarismo. Em Moçambique não tínhamos dinheiro para todos aqueles que eram membros da FRELIMO até o momento dos Acordos de Paz e, de um dia para o outro, tornaram-se banqueiros, acionistas, etc. A gente não vai para a FRELIMO por uma ideologia, porque já não há ideologia, ou por convicções, porque não há convicções, mas porque a FRELIMO é provedora de oportunidades. Quem entra na FRELIMO sabe que pode ter com os camaradas mais oportunidades, isso quer dizer fazer riqueza. Mais do que chamada de atenção, a denúncia popular, a crítica pública e da sociedade civil tentam desconstruir essa amálgama que se criou. Mas essa autocrítica antes de ser feita aos outros tem de ser feita aos que governam, e o Presidente Nyusi faz parte dos que governam, faz parte daqueles que provavelmente se beneficiaram desse trampolim política-economia. Ora, sair disso é necessário, mas vai ser um trabalho de anos.

DW África: Um dos objetivos desta III Sessão Extraordinária é preparar o XI Congresso da FRELIMO. O Presidente Nyusi disse no seu discurso que é preciso renovar a confiança da sociedade no partido como força motriz da agenda nacional, e construção do bem estar de Moçambique e dos moçambicanos. Tomando em conta esse historial que acabou de citar é possível reconquistar essa confiança?

SN: Acho que o problema não é reconquistar a confiança. O povo perdeu a confiança na FRELIMO, mas infelizmente não é [só] a FRELIMO que perdeu a confiança, é a política toda que vai perdendo confiança. E a FRELIMO contribuiu muito, contribuiu a RENAMO, contribuiu muito a comunidade internacional, porque certas atitudes mostram que os nossos governantes não servem nada, porque quem governa é Washington, Nova Iorque e outras capitais ocidentais. Dentro da FRELIMO há frações, o próximo congresso não é para tentar encontrar remédios para pequenas feridas, é para tentar ver o que a FRELIMO tem de ser na conjuntura nacional. Se eles forem honestos e fizerem um congresso sério, aquilo vai ser partir pratos. E se for necessário, talvez até vai-se sair dali não com uma FRELIMO, mas com muitas FRELIMOS.

Nádia Issufo – Deutsche Welle

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