O
termo samba, desde o século XVIII, já era conhecido no Brasil Colônia e em
Portugal graças aos viajantes que tiveram contato com danças africanas em
Angola e no Gongo. De forma mais ampla, os nomes dados a estas danças era
batuque e samba, Este último termo se originou da palavra africana semba que
significa umbigada. Ao som de tambores e palmas, o semba tem uma coreografia
própria, na qual o participante é convidado para dançar no centro da roda
quando recebe uma “umbigada” de alguém que já se encontra a dançar.
A
roda, na tradição da “Mãe África”, simboliza a energia em movimento e pode
representar tanto a alegria como a tristeza. O espaço do sagrado e do
profano, por meio da dança, expressa-se, retratando histórias e os mitos
presentes no universo cultural do negro. Com o passar do tempo, a expressão
batuque cedeu espaço para a palavra samba que passou a denominar de forma
genérica qualquer festa popular.
As
raízes do samba
O
samba se constitui num legado importante de resistência da cultura africana no
Brasil, e assumiu uma identidade local, com algumas variações, a partir da sua
essência. Em uma classificação de caráter básico, encontramos três
importantes variações: o samba baiano, o samba paulista e o samba carioca.

A
segunda manifestação, o samba paulista, é uma adaptação cabocla da tradição
africana. Embora permaneça como uma dança de terreiro e de poeira, ele se
diferencia pela ausência de umbigadas. Segurando, pelas duas pontas, um lenço
sobre a cabeça, as mulheres solistas dançam com os braços erguidos.
A
terceira variação se apresenta na forma do samba urbano carioca. Este não se
derivou diretamente, a exemplo do baiano e do paulista, da coreografia
africana. È evidente que a influência do batuque foi irrefutável, porém ainda
teria que esperar até o início do século XX, para se configurar, de forma
singular, ao agregar também a influência europeia, resultando naquilo que o
consagrado escritor Mário de Andrade (1893-1945) definiu como um segredo
que só o carioca consegue decifrar.
Nesta
ambiência surgiram nomes, como Heitor dos Prazeres. João da Baiana,
Pixinguinha, Donga e Sinhô, que compuseram sambas conhecidos como
sambas-maxixe. As características modernas do samba urbano se tornaram
presentes no final da década de 1920, quando ocorreram inovações em duas
frentes: uma com o grupo de compositores de blocos carnavalescos oriundos do
Estácio de Sá e Osvaldo Cruz e outra com os compositores dos morros
cariocas da Mangueira, Salgueiro e São Carlos. Não é por acaso que
este samba é identificado como "original" ou "de
raiz".
Na
medida em que, no Rio de Janeiro, o samba vai se consolidando como uma
expressão musical urbana e moderna, ele também conquista os espaços nas rádios,
difundindo-se, de forma rápida, ao mesmo tempo, pelos morros cariocas e bairros
da zona sul do Rio de Janeiro. De criminalizado e olhado com preconceito e
desconfiança, devido a sua origem africana, o samba, passo a passo,
conquistaria de forma definitiva o seu espaço no cenário musical
brasileiro.
O
princípio desta longa jornada, percorrida pelo samba, leva-nos até o ano de
1916 quando vivenciávamos a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) e o presidente do
Brasil era Wenceslau Brás (1868-1966). Dentro deste contexto histórico, na Rua
Visconde de Itaúna, na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil,
reunia-se, com certa frequência, um grupo de amigos, visando a confraternizar e
a saborear a famosa moqueca da baiana, nascida em Salvador, Hilária Batista de
Almeida (1854-1924), conhecida como tia Ciata, que chegou ao Rio de Janeiro com
22 anos.
De
acordo com a tradição oral, o presidente Wenceslau Brás sofria bastante com
erupções na epiderme que o torturavam de forma intensa. Como nenhum
médico conseguira lhe curar, ele pediu socorro a Tia Ciata que, com ajuda de
seu Orixá Oxum, por meio de alguns trabalhos magísticos, recuperou a saúde que
estava fragilizada do presidente da República. O presidente ficou muito
grato pela cura obtida com a graça dos Orixás. Diante disso, decidiu nomear o
companheiro de tia Ciata, João Batista, para ocupar importante cargo na polícia
carioca.
Durante
os encontros, o grupo, além das conversas e reflexões sobre a vida, compunha
canções carnavalescas. A residência de tia Ciata foi a célula mater, donde se
originou, “Pelo Telefone” (1917), o primeiro samba urbano gravado no Brasil.
Tia Ciata e as baianas Veridiana e Presiliana fundaram os primeiros blocos e
ranchos carnavalescos no Rio de Janeiro, Na verdade, também era uma forma de
mascarar os cultos do candomblé, na época, proibidos pelas autoridades.

A
primeira Escola de Samba
A
casa da baiana tia Ciata foi o principal local, no qual se tocavam músicas
e ritmos africanos daquela comunidade. Nele se originaram sambas históricos e
exímios compositores. No ano de 1926, devido às perseguições policiais, alguns
compositores fundaram uma "escola de samba". O nome, na
realidade, visava a driblar a repressão policial, pois se tratava de uma
associação recreativa que não tinha fins voltados à educação. A primeira escola
carioca fundada, em 12 de agosto de 1928, foi batizada com o nome "Deixa
Falar". O destino determinou que divisões internas, a partir do fracasso
de seu primeiro desfile, como rancho, dela se originasse a União da Estácio de
Sá.
No
ano de 1932, o prefeito Pedro Ernesto organizou o primeiro desfile oficial
de escolas de samba na Praça Onze de Junho. Naquele ano, a Estação Primeira de
Mangueira foi a grande vencedora. A partir desta iniciativa, os desfiles
passaram a ser anuais, contando com uma grande presença de público. Hoje,
o Carnaval carioca assumiu uma dimensão internacional. Considerado o maior
espetáculo do mundo, o desfile do grupo especial das escolas de samba ocorre no
Sambódromo da Marquês de Sapucaí, localizado nesta área que outrora foi reduto
e resistência cultural do samba.
A
origem do samba “Pelo Telefone”
A
origem do primeiro samba nos remete ao dia 30 de outubro de 1916, quando o
chefe de Polícia, da então capital federal, o Sr. Anaurelino Leal, publicou um
edital nos jornais, determinando a sua oficialização: “ao delegado do
distrito... que lavre auto de apreensão de todos os objetos de jogatina”.
Estava, naquele momento, iniciando-se uma intensa campanha contra o jogo. Segue
a transcrição da ordem: “Antes, porém de se lhe oficiar ,comunique-se-lhe esta
minha recomendação por telefone”.

Alguns
autores afirmam que foi incorporada à letra original uma quarta parte que
iniciava por ‘Olha a rolinha / sinhô, sinhô’. Em fevereiro de 1917, ano em que
o samba “Pelo Telefone” foi gravado pela primeira vez, o verso ‘O Chefe da
Polícia” foi substituído pela expressão “O Chefe da Folia”. Há consenso dos
estudiosos de que a composição, de Donga e Mauro de Almeida, apresenta as
características rítmicas, melódicas e harmônicas necessárias que confirmam seu
pioneirismo como o primeiro samba urbano gravado. Foi um longo caminho
percorrido desde o período colonial no Brasil, para que este gênero musical se
configurasse como uma marca da nossa diversidade cultural, fazendo parte da
identidade do povo brasileiro. Como afirma o verso do genial Dorival Caymmi
(1914-2008) presente na inesquecível canção “Samba da minha terra”: “Quem
não gosta de samba bom sujeito não é / É ruim da cabeça ou doente do
pé”.
O
samba e o Carnaval em Porto Alegre

A
Academia de Samba Praiana introduziu, em Porto Alegre, o modelo que se conhece
como escola de samba, baseado no Carnaval carioca. Sua origem nos remete a
jovens pelotenses que se reuniam na extinta Lancheria Praiana. Este local se
localizava na Rua dos Andradas, conhecida como Rua da Praia, e ali, em 1960,
surgiu a ideia de se criar uma escola de samba. O famoso figurinista Cattani
que faleceu em 2006, inovou e encantou o público, quando a Praiana, em 1961,
desceu a Borges de Medeiros, apresentando o enredo "Coroação de Dom
Pedro".
Até
a década de 50, o Carnaval de rua era visto com “maus olhos” por grande parcela
da sociedade gaúcha, sendo considerado uma festividade de negros,
principalmente devido à presença majoritária da cultura europeia. Já na próxima
década, ele passou a ganhar bastante popularidade, quando passou a seguir, de
acordo com a nossa realidade econômica, o modelo dos carnavais do eixo Rio –
São Paulo. Essa significativa mudança ocorreu, em 1961, quando a Academia de
Samba Praiana elaborou seu carnaval com tais características.

Como
um apelo às futuras gerações, ao encerrar este breve histórico sobre a origem
do samba, é importante que se registre esta joia da música brasileira:
"Não deixe o samba morrer". Composto por Edson Conceição e Aloísio Silva,
este samba foi gravado de forma brilhante, em 1975, pela cantora Alcione, “A
marrom”, constituindo-se num clamor em prol do samba e pela defesa de suas
raízes como legado cultural do negro em nossa formação cultural.
“Não
deixe o samba morrer
Não
deixe o samba acabar
O
morro foi feito de samba
De
samba pra gente sambar”...
Viva
o samba! Salve a Praça Onze e meu Agô às baianas da tia Ciata.
*Pesquisador
e coordenador do setor de imprensa do Musecom
Bibliografia
COPSTEIN,
JAYME. Samba cinquentão mais dois. Publicado no Correio do Povo de
13 de agosto de 1968. Porto Alegre / RS.
MARCOMDES,
Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira – erudita, folclórica e
popular. Arte Editora/Itaú Cultural/Publifolha, 1998.
MATTOS,
Jane Rocha de. “Que arraial que nada, aquilo lá é um areal”: O Areal
da Baronesa: Imaginário e História (1879-1921). Mestrado em história.
PPGH-PUCRS, Porto Alegre, 2000.
SANDRONI,
Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro,
1917-1933. Jorge Zahar, 2001. Disponível em PDF.
SILVA,
Josiane Abrunhosa da. Bambas da Orgia: um estudo sobre o carnaval de rua
de Porto Alegre, seus carnavalescos e os territórios negros. Porto Alegre,
1993. Dissertação de mestrado. PPG em Antropologia Social, UFRGS, 1993.
BSCSH/UFRGS;
TINHORÃO,
José Ramos Música Popular — Um Tema em Debate. São Paulo: Editora
34, 1997.
Site
: http://www.chumbogordo.com.br/5012-a-casa-de-tia-ciata-onde-o-samba-de-alexandre-levy-nasceu-por-henrique-veltman/
Acessado em 13/03/2016.