quarta-feira, 25 de maio de 2016

CIDADE DE INGLATERRA “REPARA” HISTÓRIA AO ELEGER PREFEITO NEGRO



Alberto Castro*, Londres – em Afropress

Londres/Reino Unido - O destaque mundial dado ao êxito do trabalhista Sadiq Khan, que nas eleições municipais de 5 de maio passado, no Reino Unido, entrou para a história como o primeiro prefeito (mayor) de Londres originário de uma minoria étnica (paquistanesa) e religiosa (muçulmana), ofuscou o feito de Marvin Rees, ex-jornalista e igualmente trabalhista, eleito prefeito de Bristol, a sexta cidade mais importante da Inglaterra.

Rees, de 43 anos, filho de um imigrante negro jamaicano e de uma inglesa branca bateu por margem significativa o carismático independente George Ferguson à frente da cidade mais populosa do sudoeste da Inglaterra desde 2012, tornando-se o primeiro negro eleito prefeito de uma importante cidade européiaeia.  

Traçando um paralelo entre a sua vitória com a de Khan na capital, Rees lembrou que ambos são políticos de origem familiar modesta que ascenderam à altos postos do Governo por intermédio do Partido Trabalhista. Ele recordou o árduo passado vivido com a mãe em um conjunto habitacional onde era uma das raras faces "castanhas" na cidade, cuja população ronda hoje cerca de 435 mil de habitantes, sendo cerca de 92% constituída por brancos.

Trajetória 

Segundo o jornal online Bristol 24/7, ter crescido naquele ambiente difícil com tensões raciais fez com que ele formasse as fundações para suas crenças políticas.

Mestre em Teoria Política pela Universidade de Swansea, ele se destacou no final da década de 1990 como líder comunitário juvenil ligado à organizações cristãs de combate à pobreza e pela justiça social, tanto no Reino Unido como nos EUA, casos daTearfund e Sojourners. Ainda nos EUA, obteve em 2.000 um mestrado em Desenvolvimento Econômico Global pela Universidade de Eastern, instituição cristã de ensino superior na Filadélfia, Pensilvânia.

De volta ao Reino Unido, iniciou entre 2001 e 2010, uma curta, intercalada e intensa carreira como jornalista e apresentador de rádio e televisão na BBC, entre outros. Afastou-se do jornalismo para trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (NHS, sigla em inglês) como diretor de um programa focado na igualdade racial no tratamento da saúde mental.

Concomitantemente engajou-se na política através da Operação Voto Negro (OBV, sigla em inglês), um grupo de campanha em favor da justiça racial nascido de um programa nacional criado em 1996 na Câmara dos Comuns para apoiar pessoas de minorias britânicas de origem africana e asiática que aspiram chegar à lideranças na esfera pública.

Foi nessa altura que chamou atenção e se beneficiou do Yale Fellows World, um programa de bolsas de estudo anual da universidade norte-americana de Yale destinado a um grupo entre 16 a 20 pessoas que ao meio de suas carreiras se distinguem como líderes na sua profissão, disciplina acadêmica e áreas geográficas. 

No seu segundo regresso ao Reino Unido em 2011, o seu talento e suas potencialidade políticas não passaram despercebidos ao Partido Trabalhista ao qual se juntou. Em 2012 foi selecionado para a liderança local do partido como candidato à mayor de Bristol e derrotou surpreendentemente correligionários concorrentes bem mais cotados incluindo o líder e o vice-líder locais do partido e um deputado da sigla no Parlamento de Westminster. 

Todavia, mesmo contando com o apoio da máquina partidária e do então líder Ed Miliband, Rees terminou em um frustrante segundo lugar atrás do independente Fergurson. Regressou ao seu trabalho na NHS mas foi novamente chamado para disputar a nomeação dos trabalhistas ao cobiçado cargo. Desta feita contou com a acirrada concorrência de Mark Bradshaw, vereador do município bristolense de Bedminster, a quem venceu tangencialmente. 

Contando com empenhado apoio do líder trabalhista Jeremy Corbyn, a aposta do partido nele revelou-se a melhor e a prová -la está a margem de cerca de 18% de vantagem com que ganhou categoricamente do oponente independente que o havia derrotado em 2012 e que, segundo o Independent, agradeceu ao novo homem forte da cidade por o "devolver à sua vida normal".

Simbolismo

Mas porque razão, ou razões, a vitória de Rees se reveste de um simbolismo histórico particular? A resposta é dada por Simon Woolley, diretor da OBV, em artigo para o Guardian. Com o título "Triunfo de Marvin Rees desafia o passado racista de Bristol", ele lembra a história da cidade, principal porto de escravos da Grã-Bretanha de 1730-45, que emergiu e prosperou como importante polo comercial na esfera global  em função do comércio internacional de africanos escravizados. 

Ela é igualmente o local de nascimento de Edward Colston, um dos mais conhecidos proprietários de escravos, cujos ganhos com tal famigerado comércio financiaram o crescimento da cidade que ainda hoje o homenageia ao manter uma estátua sua e uma escola com seu nome. 

Para Woolley, o feito simbólico de o descendente de escravizados estar agora a governar a cidade é uma história de esperança que não pode passar despercebida e nem ser esquecida. Importante porque, segundo ele, Bristol e sua governação, tal como algumas outras cidades inglesas, não pode ser compreendida efetivamente sem ser parcialmente analisada através do prisma da raça.

Note-se todavia que Marvin Rees que, segundo o Guardian se descreve a si mesmo como "uma mistura racial e o filho de uma mãe solteira branca", não é o primeiro afrodescendente a exercer o cargo mayor no Reino Unido. John Archer (1863-1932) nascido em Liverpool, filho de um negro de Barbados e de mãe branca irlandesa, eleito na municipalidade londrina de Battersea em 1913, é frequentemente citado como sendo o primeiro negro chefe do executivo de uma cidade britânica. Porém, segundo a Wikipédia, esse honroso título pertence ao médico, cirurgião e político Allan Glayser Minns (1858-1930), originário das Bahamas, eleito na cidade deThetford, Norfolk, em 1904.

*Alberto Castro é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

MEU IRMÃO, MEU AMIGO - E-book infantojuvenil




Francisco Paiva de Carvalho apresenta a sinopse e a capa do seu novo trabalho, intitulado “MEU IRMÃO MEU AMIGO”, e-book assinado pela Selo Off Flip Editora, que poderá ser adquirido através do link http://virusdaarte.net/livro-meu-irmao-meu-amigo/ .

Dois irmãos. Dois grandes amigos. José Maria e Joaquim têm uma ligação muito forte de amor, admiração e cuidado um com o outro. Dois irmãos inseparáveis, que não deixariam de estar lado a lado nem mesmo se o acaso ou o destino tentassem impor o seu afastamento. Uma semana antes das férias escolares de julho, devido a um trágico acidente, eles são obrigados a se separar para sempre. Mas José Maria acaba criando uma estratégia e, assim, consegue preservar o irmão do sofrimento incontido que parecia inevitável. Uma história comovente, de amor e lealdade, que vai emocionar os leitores que acompanharem as aventuras desses dois meninos irmãos.

Francisco Paiva de Carvalho

O GOLPE CONSUMADO



Rui Peralta, Luanda 

Duas faces de uma realidade política (que é sempre multifacetada) são constantes: a tragédia e a farsa No caso do Brasil a farsa e a tragédia envolveram-se de tal forma que subverteram a realidade, tornando o facto em delírio. A realidade metamorfoseou-se, assumiu a sua forma mágica, fantástica, e passou a surreal.

O golpe foi consumado, como era previsível. O Senado aprovou a admissibilidade da denúncia contra Dilma Roussef e a presidente brasileira ficará inabilitada até 180 dias, o máximo, para exercer as suas funções. No seu lugar uma dessas figuras do realismo mágico sul-americano, um verme execrável – durante o dia assume forma humana, mas durante a noite reassume a sua forma inicial de rastejante - que exercia o lugar de vice da deposta e que dá pelo nome de Miguel Temer.

Este desenlace foi desenhado pela oligarquia brasileira desde que Lula venceu as primeiras presidenciais e iniciou a sua passagem á ultima fase com a reeleição de Dilma. A oligarquia desestabilizou o Brasil através dos seus mandatários e executantes (o termo mais adequado a aplicar é: “jagunços”) nos Poderes Judicial, Legislativo e Executivo. Foi curioso ouvir os vozeiros da oligarquia a falarem sobre defesa das liberdades democráticas, da respeitabilidade da Pátria brasileira e recuperação da estabilidade politica e económica. Quanta demagogia e populismo baratucho saíram da boca dos corruptos fascistóides que vociferavam frases feitas e slogans empacotados.

Michel Temer é um político típico da escola dos conspiradores que conspiram por dá cá aquela palha e a preço barato. É uma figura castiça (embora temível, é certo, mas sempre trágico-cómica), um articulador de desarticulações, que tanto serve para decorar a sala como para bibelot de WC. É um funcionário barato da Federação das Industrias do Estado de São Paulo e um comissionista da banca e dos feiticeiros das finanças e da gestão dos fundos de pensões, da agro-indústria, dos conglomerados da comunicação social, da indústria farmacêutica, das empresas de segurança e de tudo o que lhe possa render umas moeditas para ter na carteira.

A oligarquia conseguiu dar o seu “coup d`etat” brando, colorido, sem utilizar os jagunços militaristas, apenas com os gerentes das lojas que obedecem cegamente aos seus administradores, representantes de accionistas, numa escada de cumplicidades que termina – em território brasileira - na embaixada norte-americana, por onde segue até á Casa Branca em Washington. Este novo tipo de ofensiva contra os governos democráticos e legítimos, através de uma mistura, de uma “sopa de técnicas” de golpes de Estado sem recorrer ao golpe militar, da utilização da guerra económica para provocar “revoluções primaveris e coloridas”, golpes em que as baionetas são substituídas pela extrapolação do Poder Judicial e do Poder legislativo (golpes palacianos) e dos quase-oligopólios (monopólios fortemente cartelizados e com grande concentração de capital) da comunicação social.

A plutocrática classe dominante brasileira desfila as suas ancas no Palácio do Planalto. Os seus funcionários foram promovidos a ministros de um novo elenco, que gerou um cenário branco e macho, a dupla superioridade, a racial e a do género. A superioridade social, essa, demonstra-se na rua e está patente nos bastões da polícia quando bate nos costados dos cidadãos que exigem o regresso á normalidade institucional e o regresso ao Poder da sua presidente legítima, eleita por vontade da soberania popular.

Este grupo de machos brancos (tal como um bando de cavalos correndo pelas planícies do Cáucaso) tem um documento escrito onde expõe o seu programa de governo. O documento chama-se “Uma ponte para o futuro” e o seu principal eixo gira em torno de um ajuste estrutural que será realizado através da contenção dos gastos sociais, da contracção salarial, com a flexibilização dos contractos laborais, com o fim das indexações para os salários, com a redução dos custos da Educação e da Saúde (para a Educação o PT tinha estabelecido a obrigação de aplicar 18% das receitas fiscais e para a Saúde 15%), e diversos cortes nos programas sociais como a “Bolsa Família”, a “Minha Casa Minha Vida”, o ProUni (universidade para todos), o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES),o Programa de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), a Farmácia Popular, e outros. Um outro documento indicativo da ideologia dominante deste grupo de funcionários acéfalos da oligarquia brasileiro é o “Travessia Social”, um documento onde é explicado como a oligarquia pretende atirar para o mercado o combate á pobreza e a concepção exclusiva de educação: uma ferramenta para o aumento da produtividade do trabalho (a oligarquia vê na Educação um centro de formação de assalariados semiespecializados em qualquer coisa).

Na rua, nos locais de trabalho, nas escolas e universidades adivinham-se lutas constantes e persistentes contra este futuro comprometido. Uma ampla mobilização cidadã superará esta onda revanchista dos oligarcas e seus jagunços e restabelecerá uma agenda democrática e progressista. O Estado moderno não é um bloco homogéneo, monolítico, de direcção única, mas sim um campo de batalha, um espaço de lutas e de equilíbrios instáveis, onde a correlação de forças define as políticas nacionais. Por isso a porta para o restabelecimento democrático e institucional que representa o regresso de Dilma á presidência, está em aberto. 

A RETOMADA DO TERRITÓRIO ANGOLANO HÁ 40 ANOS – II



  
7 – A viagem nocturna entre a base naval de Luanda e o N’Zeto (Ambrizete), foi feita em mar chão, sem incidentes ou imprevistos.

A minúscula armada manteve acesas as luzes de sinalização e as lanchas de desembarque lá seguiram à vista umas das outras e com a linha da costa perceptível a estibordo.

Logo pela manhã fizemos a aproximação ao N’Zeto, com proa ao areal e com as unidades a desembarcar em boa ordem.

A minha unidade foi a mais ligeira pois só tínhamos na altura a dotação individual e por isso auxiliou na descarga dos tambores de combustível transportados pela LDM, enquanto os “Corvos ao Embondeiro” faziam sair os blindados da LDG.

O N’Zeto já tinha efectivos angolanos e cubanos chegados por terra que haviam garantido a testa-de-ponte, efectivos esses que haviam constituído uma linha circular à volta da localidade, em posições defensivas; só o comando do dispositivo, a logística e o centro de comunicações estavam instalados na vila.

Algumas acções de reconhecimento foram sendo feitas em mbos os lados do rio M’Brige, antes da chegada da minha unidade e dos “Corvos ao Embondeiro”.

Por isso a minha unidade foi reforçar o cordão defensivo, recebendo alguns velhos BTR-152 K, armados com uma PKT de 7,62 mm, instalada sobre o tecto da cabine do veículo.…

Esses veículos de transporte de tropas eram autênticas “banheiras” com uma pouco fiável blindagem, difíceis de manobrar em estrada e foram baptizados pelos efectivos de origem lingala da FNLA (efectivos das Forces Armées Zaoiroises”), de “calo feiú” (caro feio)…

Preenchemos um espaço junto a uma unidade de tanques do MININT cubano, equipada com não menos velhos T-34…

8 – Foi assim que tive o primeiro contacto com efectivos cubanos em área operacional (antes só tivera contacto com os oficiais da superestrutura da Operação Carlota, que haviam ficado instalados sob guarda da minha unidade na Ilha Cabeleira, em lugar seguro e próximo do Estado Maior das FAPLA, ao Morro da Luz); a família Tavira, que vivia no local, havia colocado à disposição as instalações habitacionais tanto para servir de base camuflada à nossa unidade, como aos Comandantes cubanos, tudo num ambiente discreto, bem protegido e com um dispositivo humano envolvente favorável (os habitantes da Kamuxiba eram praticamente todos aderentes do MPLA)

A guarnição dos tanques T-34 do MININT cubano, haviam cavado buracos e trincheiras avançadas, que serviam também de refúgio face à onda de mosquitos dos capinzais de Ambrizete.

No final de cada período diurno os cubanos fumegavam as trincheiras e os buracos com capim e a pouca lenha seca que se conseguia coligir, mas mesmo assim nada impedia o assalto dos desalmados mosquitos noite dentro.

Já com os BTR-152 K distribuídos, havíamos recebido lonas de cobertura grandes e era com elas que, envolvendo os blindados, nos propúnhamos proteger dos mosquitos, adoptando a improvisada fumigação…

De pouco ou de nada servia e até mesmo eu, habituado aos mosquitos, sofri com as hordas de tão implacáveis inimigos., eu acabaram por nos pôr em pulgas para abandonar definitivamente esse enredo desprezível e partirmos para a manobra ofensiva que se aizinhva.

9 – Tivemos de esperar alguns dias em Ambrizete nessas condições alucinantes, pois estava-se à espera duma jangada motorizada para atravessar o rio M’Bridge com ua parte importante da dotação de blindados disponível para a constituição de duas colunas: a dos “Corvos ao Embondeiro” que seguiria para norte, pela estrada do litoral até tomar o Soio e a outra que se internaria em direcção nordeste até à Casa da Telha, Tomboco e Quiende, na perspectiva de alcançar M’Banza Congo.

Os operacionais da Iafeature à medida de sua retirada iam destruindo todas as pontes na tentativa de impedir o avanço das colunas que mesmo assim acabariam por tomar a norte todo o território angolano…

…A estratégia de recuo das FAPLA e do contra ataque que se seguiu com o desencadear da Operação Carlota, iria resultar em cheio!...

O tempo de espera permitiu-me ir familiarizando com os cubanos que seguiriam integrados na coluna onde eu iria participar.

Recordo um “santiaguero” de nome Basulto, membro do destacamento do MININT cubano, cujo efectivo era constituído por tropa já entrada nos quarenta anos… ele não era novato em África, sendo um dos tripulantes de T-34 que iriam partir para nordeste.

O seu pescoço apresentava pequenas chagas provocadas pelas picadelas dos mosquitos e isso apesar das pomadas que foram distribuídas pelos médicos do contingente cubano.

Depois de cada calamitosa noite sofrida sob o assalto dos mosquitos, o bom do Basulto puxava um tambor de 200 litros de combustível para o meio do arvoredo, subia nele e começava a cantar com voz estridente e de braços abertos, num ritual de desafio face ao verde nada…

Verifiquei nessa altura que os velhos T-34 haviam sido recuperados de guerras desconhecidas (mas que se adivinhavam) em que antes haviam participado; alguns apresentavam mesmo grandes remendos nas suas blindagens, mal disfarçadas com as pinturas novas que às pressas teriam sido feitas…

10 – Antes da chegada da jangada motorizada, efectivos das FAPLA haviam atravessado o M’Bridge e estabelecido um território sob controlo relativamente precário na margem direita e com acesso à estrada, a fim de assegurar a manobra da travessia em jangada dos meios pesados das duas colunas.

Quando tudo estava preparado a travessia foi realizada a coberto da noite, dando imediato início à progressão té alcançar a fronteira norte.

A vanguarda da coluna comum foi preenchida pelos “Corvos ao Embondeiro”, com batedores à frente e eu, no meu BTR-152 K com um efectivo de um pelotão a duas secções reforçadas com dois morteiros 60mm, dava início na sua peugada à coluna que a partir do entroncamento da estrada seguiria para nordeste.

No cruzamento da estrada houve uma escaramuça facilmente vencida pelos “Corvos ao Embondeiro”, tirando partido da superioridade de meios e da qualidade do pessoal.

Mesmo assim, os mercenários e o ELNA haviam feito a implantação de minas na estrada e o BTR-152 K que seguia à minha frente accionou uma delas… além dos danos materiais no blindado, houve vários feridos que foram imediatamente evacuados.

A cena foi filmada por uma equipa da então Televisão Popular de Angola que integrou a coluna que iria em direcção ao Soio.

11 – Vencido o obstáculo do cruzamento de estradas, a coluna partiu-se em duas e a que eu integrava derivou em direcção à Casa da Telha.

A coluna que partiu em direcção a Casa d Telha tinha entre os seus efectivos um Companhia de Comandos formados pela primeira vez pelas FAPLA, que usavam boina azul celeste, efectivos esses que fizeram boa ligação à minha unidade, merecendo nosso catinho, atenção e estímulo.

Com “Alex” a comandar a minha unidade integrada no conjunto de efectivos das FAPLA, ficou decidido que eu comandaria em destacamento avançado a vanguarda da coluna agregando ao BTR-152 K em que eu próprio seguia com meu pelotão, um BRDM 2 tripulado por angolanos e um T-34 tripulado por cubanos… o grosso da coluna seguiria a uma distância aproximada de 5/10km, com ligação rádio disponível em tempo real.

No caso de termos de enfrentar alguma dificuldade na progressão, comunicávamos à coluna e agiríamos em conformidade com o conjunto de decisões a tomar à altura das circunstâncias.

Desconhecia-se até que ponto teríamos pela frente capacidade de combate inimiga, mas a moral era elevada no nosso pessoal, que estava pronto para tudo desde que saíssemos do assalto nos capinzais de Ambrizete.

Na coluna colocou-se o destacamento feminino das FAPLA na retaguarda: sabendo-se da fraca preparação dos efectivos, pedi que esse destacamento fosse colocado atrás, a fim de melhor gerir a capacidade operativa existente na frente da coluna e na pequena vanguarda que passei a comandar.

12 – Depois de algumas horas de marcha preparámo-nos para a entrada na Casa da Telha, onde poderia haver alguma resistência.

Resolvi atravessar a povoação numa velocidade moderada e fazendo fogo de exploração a partir do BTR-152 K, de forma a levantar qualquer tipo de “lebre”…

Eu próprio peguei em minha G-3 de coronha retráctil e à medida da deslocação ia fazendo tiro a tiro para zonas de possível camuflagem ou abrigo de efectivos inimigos que nas proximidades nos pudessem flagelar.

Enquanto isso a PKT do BTR-152 K, entregue a um bom atirador, fazia fogo esporádico de proa e à esquerda (o lado do condutor) em cobertura à progressão.

A tomada da Casa da Telha foi em desfile.

Com a janela do blindado aberta, fui fazendo fogo tiro-a-tiro, até encontrar já próximo do fim da povoação, uma casota de folhas de palmeira secas onde me pareceu ter visto algo a mexer; fiz fogo instantâneo para lá, mas perante meu espanto saltaram, esvoaçando esbaforidas e cacarejantes, algumas galinhas, pelo que não pude resistir ao riso face ao insólito da situação…

…À noite escutaríamos religiosamente as últimas notícias do Angola Combatente, na voz do Comandante Juju: as gloriosas FAPLA haviam conquistado heroicamente, depois de intensos combates, a Casa da Telha!

Parámos 3 km fora da Casa da Telha (saída para Tomboco) e montámos imediatamente um dispositivo improvisado de contenção e emboscada: havia ordens para não se prosseguir na direcção de Tomboco, pois o comando da operação queria levar tudo pelo seguro e hesitava por que desconhecia, a capacidade de resposta do inimigo; a coluna do meio teria de esperar enquanto a ocidente a coluna dos “Corvos ao Embondeiro” tomava o Soio debaixo duma tempestade, apanhando se surpresa o inimigo e provocando-lhe baixas e a leste a coluna das FAPLA que encontrou maior resistência (face ao desvario alucinado do mercenário Callan), chegava a Maquela do Zombo.

13 – Com o dispositivo de emboscada montado dias depois da tomada da Casa da Telha surgiu-nos inopinadamente na estrada e no descampado que tínhamos à frente, uma viatura Unimog pintada da cor camuflada, em estado novo, isolada e em baixa velocidade, indiciando os receios do seu condutor.

Foi dada a ordem de abertura de fogo, que foi feita com um tiro de canhão dum T-34, a que se seguiu a imediata progressão do meu BTR-152 K, do BRDM 2 armado de metralhadora 14,5mm e do tanque que havia aberto fogo.

Verificou-se que o efectivo inimigo que seguia no Unimog fugira em debandada, abandonando-o e a uma carga de armas, explosivos e minas na sua carroceria.

Deduzi dessa escaramuça três coisas: que o veículo estava ao serviço de sapadores, que o facto de aparecer isolado e sem qualquer outra cobertura visível indicava que o inimigo não detinha informação sobre nossa progressão, nem sobre o nosso potencial e capacidade de fogo, estando a procurar minar as estradas a fim de desesperadamente retardar o nosso avanço (provavelmente a fim de se reorganizar), por fim deduzi que era necessário passar a explorar o êxito e não dar mais tempo a qualquer tipo de resposta do inimigo, muitomenos a oportunidade para a sua reorganização.

Utilizei a minha G-3 na tomada do Unimog, apontando e fazendo fogo para locais onde se poderiam esconder inimigos em fuga e dispersos nas imediações e depois de verificar que não havia resistência vi que o Unimog pertencia às Forces Armées Zairoises… fez muito jeito à nossa coluna, pois havia falta de viaturas de transporte de pessoal e o Unimog vinha mesmo a propósito!

No regresso ao local do grande alto, Basulto presenteou-nos com café quente feito no seu tanque e uns goles de bom rum cubano, um cerimonial que manteve quando por qualquer motivo se parava durante a progressão que seria feita até Tomboco.

14 – Tendo comunicado as minhas deduções ao “Alex”, o comando da operação entendeu dar luz verde ao nosso avanço em direcção de Tomboco e, logo que chegou a ordem, partiu-se nessa direcção.

Não houve qualquer incidente no percurso e nas imediações de Tomboco o dispositivo de vanguarda fez um alto de forma a aguardar o resto da coluna a fim de se entrar com todo o peso de fogo na povoação.

Enquanto se esperava mandei descer o pessoal do meu pelotão e ocupar os dois lados da estrada, uma secção à esquerda e outra à direita, com um morteiro de 60mm cada, enquanto o BRDM 2 e o T-34 aguardavam imediatamente atrás.

No BTR-152 K ficaram o atirador da PKT e o condutor, enquanto eu montava o dispositivo, e dava ordens nas imediações.

Tirei partido do traçado da estrada que se apresentava em carrossel terminando em ligeira subida com vários cotovelos em zig zag seguidos: da minha posição dominava esses cotovelos e conseguia ter por detrás o sol da tarde, o que inibia o campo de visão de quem quer que surgisse proveniente de Tomboco.

As secções estavam instaladas também a propósito: a estrada cortava um outeiro, o que permitia que o BTR-152 K ficasse abaixo cerca de 10 metros do nível em que se encontravam as secções apeadas, emboscadas no cpim próximo e prontas para combate.

Por fim ordenei: se houvesse algum veículo a sair de Tomboco, seria eu o primeiro a abrir fogo conjuntamente com a PKT e só depois as secções, mas o fogo deveria ser dirigido para os lados do(s) veículo(s) e expliquei: era necessário mais unidades de transporte para alojar o nosso efectivo e logística…

Fotos:
- Carreira de tiro na ilha Cazanga, com “Alex”, na preparação dos fuzileiros navais angolanos (Dezembro de 1975 e Janeiro de 1976);
- Dois protagonistas dos combates pela independência no Museu de História Militar em Luanda: os Panhard (60 e 90mm) e os BRDM 2;
- O T-34 que desfilou no dia da Vitória em Moscovo, similar aos que integraram as colunas de reconquista do território nacional angolano há 40 nos, em 1975/76.

A consultar de Martinho Júnior:
ANGOLA – CUBA – “OPERAÇÃO CARLOTA II” – A POSSÍVEL NOVA AJUDA INTERNACIONALISTA CUBANA EM PROL DA EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO E SAÚDE DO POVO ANGOLANO – http://paginaglobal.blogspot.com/2012/02/angola-cuba-operacao-carlota-ii.html
Prova de amor rigoroso –
Primeiro passo para a reconciliação nacional em Angola – http://pagina--um.blogspot.com/2010/12/o-primeiro-passo-para-reconciliacao.html
Cuba: 40 anos com a Operação Carlota – https://www.facebook.com/aspar.nacional/posts/1649543558628004

Consultas na Net:
Discurso pronunciado por el Presidente de la República de Cuba Fidel Castro Ruz, en el acto conmemorativo por el aniversario 30 de la Misión Militar cubana en Angola y el aniversario 49 del desembarco del Granma, Día de las F AR, el 2 de diciembre de 2005 – http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/2005/esp/f021205e.html
Cuba comemora 40 anos de campanha militar em Angola – http://www.africa21online.com/artigo.php?a=17341&e=Pol%C3%ADtica
Juicio en Luanda contra diez mercenarios británicos – http://elpais.com/diario/1976/06/05/internacional/202773602_850215.html

A ERA DO PETRÓLEO BARATO E EVENTUAIS CONSEQUÊNCIAS PARA ÁFRICA



Rui Peralta, Luanda

A Era do Petróleo barato e do gás começou. No período 1970-2013 os preços do barril de petróleo aumentaram cerca 900%. Para termos uma ideia do que isso representa em termos de impacto na produção e no consumo (na oferta e na procura), através da comparação com outros recursos finitos, observe-se que o índice de preços para os minerais e metais indica um aumento dos preços - no mesmo período - de 68%. A cartelização (mais politica do que económica) da produção petrolífera foi responsável por esse absurdo aumento de preço e pelas distorções criadas nas relações entre oferta e procura.

Aparentemente esse período de alta de preços parece ter chegado ao fim. No entanto, pelo facto de a cartelização continuar a persistir e a dominar este mercado – a solução encontrada entre os principais Estados produtores (e aqui reside o cerne da questão) – as distorções continuam a causar instabilidade no sector e a gerarem grandes incógnitas que ultrapassam o bom senso de uma análise realista. Por outro lado a propagação e as dinâmicas causadas por duas revoluções em curso asseguram uma mais ampla produção petrolífera e a preços muito mais módicos do que os praticados entre 2010-2014: a extracção a partir do xisto e a aplicação de novas tecnologias (ferramentas inteligentes) na extracção convencional (perfuração horizontal).

Iniciada nos últimos 10 anos a extracção a partir do xisto contornou, nos USA e no Canadá (países onde se desenvolveu), o declínio a longo prazo das respectivas produções. Apesar dos actuais preços baixos e dos danos que estes provocam nos lucros, um excedente criado pelos altos índices de produtividade obtidos nesta técnica extractiva gera um optimismo moderado no sector. Foram identificados uma série de impactos ambientais negativos e as pesquisas estão agora viradas para a ultrapassagem desses problemas, para que este método de extracção se torne compatível com a legislação ambiental e não tenha impactos negativos no ecossistema.

Quanto á introdução de novas tecnologias, principalmente ao nível de máquinas-ferramentas inteligentes, avança gradualmente e sem grande alarido na perfuração horizontal (o seu expoente encontra-se na Rússia, Austrália e Noruega). Os seus resultados acabarão por fazer-se sentir a longo-prazo, mas representarão uma significativa redução nos custos de produção.

A única solução viável para o sector petrolífero gira em torno dos baixos preços e estas duas silenciosas revoluções em curso poderão ser lucrativas e com margens razoáveis, a preços médios de 40 USD/barril, daqui por 10 a 15 anos. A propagação global destas revoluções e o subsequente preço baixo poderão trazer grandes vantagens á economia mundial, mesmo apesar da quebra de receitas nos países produtores. Estas quebras serão compensadas por factores diversos (politicas de diversificação das exportações e das entradas de divisas) externos ao sector petrolífero, ao mesmo tempo que as margens de lucro (proporcionadas pelas reduções dos custos de produção) normalizam.

Aparentemente estas duas revoluções cimentam e prolongam a dependência petrolífera e as políticas climáticas. Os esforços para desenvolver energias alternativas e renováveis com o objectivo da estabilização climatérica tornar-se-ão mais dispendiosos – uma vez que requerem mais subsídios – do que os baixos preços do petróleo. Petróleo barato e abundante gerará novos equilíbrios no mercado mundial e nas relações internacionais.

Para África este é um desafio que poderá representar uma oportunidade única. Uma vez mais a questão coloca-se no eixo da unidade e da integração africana. As petrolíferas estatais africanas são autênticos elefantes-brancos, máquinas colossais de burocratização e centros de custos exacerbados, além de grandes bancos experimentais de incompetência e de negociatas.

Inicialmente constituídas para dar respostas ao desenvolvimento das economias africanas as companhias petrolíferas estatais acabaram por fazerem parte da grande maquinação neocolonial que perpetua a situação periférica do continente e nos Estados neocoloniais não passam de grandes centros de subsidiarização das oligarquias locais. A integração das petrolíferas africanas (públicas, mistas e privadas) num grande conglomerado de capitais continentais, a constituição de grandes projectos regionais e de uma rede continental de oleodutos, gasodutos e rede petroquímica, e a criação de uma bolsa petrolífera para o mercado africano são passos fundamentais para o desenvolvimento do continente e para a afirmação de África no mundo.

No fundo, meus caros, trata-se de retomar o lema fundamental dos movimentos de libertação nacional da África progressista: “resolver os problemas do Povo”.

Guiné-Bissau. O problema real é outro, S. Exa. Sr. PR, Dr. JOMAV – por Abdulai Keita



Abdulai Keita*, opinião

A S. Exa. Sr. Presidente da República (PR) diz, entre outros, na sua nova mensagem de hoje (12.05.2016) à Nação, que acredita haver condições de criação de uma situação de governação estável até ao fim da presente legislatura, cito: “NO QUADRO DA CONFIGURAÇÃO PARLAMENTAR RESULTANTE DAS ÚLTIMAS ELEIÇÕES LEGISLATIVAS”. Fim da citação (e info à leitora, ao leitor: redigindo estas linhas, ainda não tinha conhecimento do decreto de hoje da demissão do atual Governo).   

Se a S. Exa. Sr. PR está referir-se à MAIORIA ABSOLUTA FORMAL (legal), anunciada pela CNE, como veredicto do soberano (povo), saído das urnas, na sequência do cumprimento do ato votivo das referidas legislativas do dia 13 de Abril de 2014, a saber: PAIGC: 57, PRS: 41, PCD: 2, UM: 1, PND: 1 mandatos cada sobre um total de 102, então está bem. Então, estamos agora a voltar para a via certa das buscas de uma solução, de facto, estável. Se caia o Governo, cairá para logo se procurar e estabelecer uma solução certa e justa (vou voltar mais em baixo a este ponto)

Ao contrário, se está a referir-se à “MAIORIA ABSOLUTA INFORMAL” (ilegal), tal como deixou entender na sua última mensagem à Nação (19.05.2016), baseada num arranjo EX POST eleição, via Bancada Parlamentar de Deputados Independentes, a forjar ilegalmente pelos jogos de dissidência, também EX POST eleição, e ainda por cima, a Bancada a instituir também ilegalmente, porque EXTRA Estrutura Orgânica e do Funcionamento legal da ANP, então ainda tudo está mal. Se se fazer cair o Governo neste espírito será o “déjà-vu”. Aumentar o problema no muntudo dos problemas já existentes.  

Porque na minha modesta apreciação da situação, não é como a S. Exa. Sr. PR está a crerer e diz nesta sua nova mensagem IN CAUSA que, cito: “O PROBLEMA REAL É O GOVERNO”. Fim da citação. Não!

Na minha opinião, o problema real desta situação toda é a existência de um Grupo de 15 Deputados da Nação na ANP, atualmente, não vinculados a nenhuma Bancada Parlamentar de nenhum Partido Político com assento parlamentar (em posse atualmente unicamente pelo PAIGC e PRS), ou a nenhum Partido com assento mas sem Bancada Parlamentar (atualmente casos do PCD, UM e PND). Isto como manda a lei. Esta situação é inédita e, ela é que constitui o Problema central de todos os bloqueios neste momento.

Porque todos os bem avisados nesta matéria sabem! Esta situação não está prevista nem no Estatuto dos Deputados e nem no Regimento da ANP. Uma situação de não previsão estabelecida evidentemente pelas normas e leis que estão bem em conformidade com a nossa atual Constituição da República.

Quer dizer, “os 15” que se encontram nesta situação inédita, não tem enquadramento nenhum na Estrutura Orgânica e do Funcionamento desta casa da criação das leis. Como se sabe e deve ser mesmo assim, onde tudo tem que ser feito e obedecer de maneira irrestrita, as leis, as normas e os procedimentos legais.

E outra coisa. Neste quadro e situação, também os 15 Deputados da Nação não podem ser agora transformados a bel-prazer, em Deputados Independentes, igualmente por um arranjo qualquer EX POST eleição baseado no total desrespeito das leis, normas e procedimentos legais atuais em vigor.

Refiro-me por exemplo, à Lei N.° 2/2010 criada deliberadamente no dia 25 de Janeiro de 2010 pelos nossos próprios Deputados da Nação (uns estão no “grupo dos 15”) para revogar a Figura Jurídica do Deputado Independente da Estrutura Orgânica e do Funcionamento da ANP, nomeadamente, do Estatuto dos Deputados e do Regimento deste hemiciclo. Por razões óbvias! Todas e todos Deputados da Nação e além sabem isto muito bem.  

Eis o problema central e real. Repito, o problema central à cabeça de todos os bloqueios neste momento na ANP, na Governação e no país todo.

Um problema que se prende (tira raízes) no fundo, no fundo ao MENOSPREZO E/OU DESRESPEITO dos três princípios centrais de fidelidade, disciplina e, de compromissos de lealdade partidários, sobretudo na democracia parlamentar representativa, a saber: o princípio de fidelidade e disciplina partidárias; o imperativo do respeito do princípio dos compromissos programáticos partidários, e; o imperativo do respeito do princípio dos compromissos assumidos para com assuntos programáticos relevantes do Partido.

Com o menosprezo e/ou desrespeito destes princípios estabelece-se uma situação de elevado enfraquecimento e de desorganização dos Partidos, aliás, das Bancadas Parlamentares dos Partidos políticos (ou seja, Partidos políticos no Parlamento), enquanto pilares da democracia parlamentar representativa. E, consequentemente, do enfraquecimento, desorganização ou bloqueamento do próprio parlamento e do Governo emanado deste. Pois sabe-se muito bem que é a Partidos políticos que cabe o papel de organizadores (1) da participação de todos os cidadãos no processo político democrático, (2) da organização, dinamização e disciplinação do processo eleitoral, (3) da organização, dinamização e disciplinação do próprio funcionamento da ANP e, (4) da organização, seleção dos membros da elite dirigente colocados na governação e, estabelecedor e implementador dos programas de governação do país. Estragando este fundamento, desorganizando este fundamento (uma atribuição constitucional dos partidos políticos no nosso caso e além), cai toda a casa da democracia. Eis de onde vem no fundo, no fundo o problema.

Sendo assim, este mesmo poderá ser resolvido sem custos nenhuns ao país e de maneira definitiva (nesta ronda) e duradoura (neste aspeto) apenas pela submissão deste caso da situação “dos 15” antes descrito, à plenária da ANP para a sua apreciação e votação. Mais nada!; e por razões óbvias, “os 15” poderiam participar nos debates mas sem direito a voto. Ora, se se votar não a sua permanência na sua situação atual na ANP, perdem os seus mandatos. Mas ao contrário, se se votar sim pela sua permanência, então, a ANP terá que criar uma outra lei para revogar a Lei N.° 2/2010 e reintroduzir a FIGURA JURÍDICA DO DEPUTADO INDEPENDENTE na sua Estrutura Orgânica e do Funcionamento, nomeadamente, no Estatuto dos Deputados e no Regimento da ANP. Ponto final. Estaríamos assim de novo na Lei e a decisão do Acórdão N.° 3/2016 também teria sido assim respeitado integral e estritamente.

Se se vai demitir agora mais uma vez o presente Governo, para salvar a cara, e depois proceder-se assim, então vamos lá. Mais valerá pena isto do que os arranjos EX POST’S eleição sem lucros nenhuns e nunca e sem fim desde há 21 anos.

A segunda via de solução ainda muito mais simples e de igual modo sem custos nenhuns ao país, é esta, também bem certa e justa, que se começa agora a desenhar-se, consagrada na decisão do Acórdão n.° 05/2016 do Tribunal da Relação de Bissau, publicada anteontem (09.05.2016). Tornava-se definitiva, pela via desta decisão, a perda de mandatos “dos 15”, e, se assim também for a decisão de outras instancias até ao STJ…; e, se se decidir parar lá... Então, OK, ponto final!, resolveu-se o problema.

Em todo o caso, o importante é, o respeito irrestrito das leis, normas e procedimentos legais em uso. Porque sem isto não há democracia estável, com instituições bem consolidadas. Democracia sã e bem-sucedida. E fingindo a democracia, ou fazer a democracia a bel-prazer, nunca iremos viver na estabilidade.

Obrigado e boa sorte a todos nós bissau-guineenses (Mulheres e Homens).  

Pela honestidade intelectual e, que a tranquilidade, paz e estabilidade governativa se instale neste nosso querido país do povo bom, a Guiné-Bissau.

Amizade.

*A. Keita - Pesquisador Independente e Sociólogo (DEA/ED; abiketa@yahoo.fr)

- Artigo do nosso colaborador A. Keita datado de 13/5 e só agora publicado devido a interrupção de publicações do Página Global

PARTIDO SOCIALISTA DE TIMOR CONDENA DERRUBE DO GOVERNO LEGÍTIMO DE DILMA



Sobre o golpe da direita no Brasil, que destituiu a presidente e o governo do país, também o Partido Socialista de Timor-Leste divulgou em comunicado de imprensa a sua reprovação, que fez chegar ao Página Global através da gentileza do seu Secretário-Geral, M. Azancot de Menezes, que também colabora no PG, assim como no Timor Agora – nosso parceiro. (PG)

COMUNICADO DE IMPRENSA

Partido Socialista de Timor (PST) condena o derrube do governo de Dilma Rousseft no Brasil

O Bureau Político do Partido Socialista de Timor (PST), em reunião realizada hoje, dia 18 de Maio de 2016, na Sede Nacional em Díli, deliberou tornar público o seguinte:

1. O PST, partido político timorense, lamenta a saída forçada da presidente Dilma Rousseft eleita por mais de 50 milhões de brasileiros;

2. O PST está profundamente preocupado com o processo democrático no Brasil pelo facto da presidente ser eleita democraticamente e apesar dos órgãos legislativos terem uma representação ampla do partido dos trabalhadores sejam tão facilmente derrotados, o que reflecte a desorganização da maioria dos partidos de esquerda.

Díli, 18 de Maio de 2016

O Secretário-Geral,

M. Azancot de Menezes

OS EMBUSTES SOBRE INVESTIMENTOS EXTERNOS DO BRASIL



Alberto Castro*, Londres

No "Tribunal de Inquisição" montado no Senado brasileiro para destituir Dilma Rousseff, alguns senadores eles mesmo sem moral, ignorantes e manipuladores de corações e mentes usaram do argumento de que os governos do PT financiaram corruptas ditaduras e governos ideologicamente próximos à expensas do contribuinte brasileiro. Uma falácia, se tivermos em conta que vem de democratas no mínimo duvidosos, para confundir e desinformar mentes menos informadas e críticas, sem contar que tal narrativa, com apoio de um setor da mídia, acaba por enfraquecer, ou mesmo destruir, empresas brasileiras tanto interna como externamente.

Financiamentos externos de empresas nacionais são políticas de Estado e prática de governos de todos países com capacidade financiadora, com a China no topo. Estando entre estes países, o Brasil não poderia se colocar à margem, sob pena de tornar suas empresas meras coadjuvantes em um mundo cada vez mais competitivo em razão da globalização da economia. É o que fizeram os governos do PT e governos que o antecederam.

Suas excelências, mal informadas ou mal intencionadas, omitem que os financiamentos não são para tais governos mas sim para empresas brasileiras que, em mundo cada vez mais competitivo, buscam inserção no mercado internacional, gerando milhares de empregos para brasileiros dentro e fora do Brasil. Omitem que o retorno de tais financiamentos para o país é bem maior, às vezes imoral e escandalosamente maior, e que os países receptores, particularmente os africanos, acabam por ser os mais penalizados porque no final são os que pagam a fatura mais elevada, tanto em dinheiro como na péssima qualidade de algumas obras e serviços prestados por empresas brasileiras. Não por acaso em 2008 o governo equatoriano do economista Rafael Correa expulsou a Odebretch por superfaturamento e defeitos nas obras da hidrelétrica San Francisco, ameaçando não pagar ao banco BNDES. 

Omitem que a porcentagem destinada por esse banco de desenvolvimento a essa modalidade de financiamento beneficiadora de empresas brasileiras é praticamente irrisória, cerca de 2% do total de seus empréstimos, segundo consta. Omitem que tais financiamentos não se comparam ao de países desenvolvidos, ou mesmo de alguns em vias de desenvolvimento, que seguem a mesma política estratégica de Estado. Omitem que muitas das relações envolvendo países receptores, por eles vistos com preconceito e desdém, se traduzem também em altos ganhos políticos não contabilizados para o Brasil porque é de tais países que vem, ou pode vir, apoio político e diplomático concertado para as aspirações do Brasil como ator que se pretende global.

O que deve sim ser monitorado e denunciado é a corrupção que existe nestes negócios que grandes lucros dão aos países financiadores com a colaboração de elites corruptas locais. Lembro, no entanto, que não há corruptos sem corruptores. Se o Brasil quiser continuar como gigante de pés de barro ou anão na política global, a escolha é sua. Mas passar a ideia do Brasil como país caridoso para com outros quando as mesmas vozes combatem ferozmente um modelo de inclusão social é de uma tamanha desonestidade política, de uma tacanhez e de uma menoridade dignas apenas de políticos longe de estarem à altura de um país que merecia melhores representantes.

*Alberto Castro é correspondente de Afropress em Londres e colabora em Página Global

- Artigo datado de 17/5 que somente agora é publicado em Página Global devido a interrupção do PG por duas semanas. O mesmo acontecendo com todos os artigos publicados a partir de ontem e assinados ou selecionados pelos colaboradores deste coletivo PG.

Brasil. UM LÍDER NEGRO NO SOCIALISMO DOS PAMPAS




“Trazemos no corpo
O mel do suor
Trazemos nos olhos
A dança da vida
Trazemos na luta, a Morte vencida
No peito marcado trazemos o Amor,” (D. Pedro Casaldáliga, Pedro Tierra  /  Milton Nascimento, Missa dos Quilombos).
   
Diante das novas relações de trabalho que se estabeleceram após a Abolição da Escravatura (1888), surgiram mecanismos de organização, nos quais operários de fábricas e de oficinas passaram a se aglutinar, visando a prestar ajuda mútua aos associados em diversas situações, como doenças, prisões e morte.  Nos primeiros anos da Primeira República (1889-1930), o operariado brasileiro vivenciava uma dura realidade, em sua rotina de trabalho, a exemplo de jornadas exaustivas, locais insalubres, crianças e mulheres exploradas nas fábricas. Dentro deste contexto, despontou uma militância sindical com importantes lideranças, lutando pela construção de uma sociedade mais justa e com menos desigualdades.

Francisco Xavier da Costa

É nesse período de ebulição de ideias e de contestação, sob a bandeira dos ideários anarquistas e socialistas, que desponta, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, a notável figura do mulato Francisco Xavier da Costa (187? -1934).  Nascido na capital gaúcha, na Colônia Africana, era filho do baiano José Pereira da Costa e da gaúcha Carolina dos Reis Costa, destacando-se em sua trajetória como gráfico, jornalista e militante socialista. As ideias marxistas foram introduzidas, no meio operário, devido à sua atuação.
  
No importante jornal socialista, “A Democracia”, fundado por ele, em 1905, na edição de 20 de agosto de 1905 p.1, este líder operário registrou:

“Filho de pai operário e de mãe pobre como ele, quando compreendi isto tornei-me nobremente orgulhoso.”   Ainda em seu jornal, na mesma data, p.p. 1-2,  ele escreveu:

(...) “Sou um pobre operário e acentuo ainda uma vez, orgulhoso disto: sou um simples trabalhador que convencido de que se cabem deveres ao proletariado cabem-lhe, igualmente, direitos (,,,) e tais direitos são sonegados – luta  por todos os meios ao seu alcance, com pena e com  a palavra impressa e na tribuna, contra a iníqua usurpação do poderoso capitalismo e contra as legiões de outros exploradores que engordam à custa do sacrossanto suor dos pobres que de fato trabalham.”

Em sua pesquisa documental, diante de desencontros de datas quanto ao nascimento de Francisco Xavier da Costa, o historiador Benito Bisso Schmidt, em sua tese, “O Patriarca e o Tribuno: caminhos, encruzilhadas, viagens e pontes de dois líderes socialistas – Francisco Xavier da Costa (187?-1934) e Carlos Cavaco (1878-1961)”, defendida, em 2002, na UNICAMP.  registra na p.37:

“Esta história começa em Porto Alegre no dia três de dezembro de um incerto ano da década de 1870. No seio de uma “família muito unida”, nasceu Francisco. (,,.) “ A expressão “família muito unida” é creditada à Anita Xavier da Costa - filha de Francisco Xavier da Costa -, durante a entrevista que se realizou no período de sua pesquisa.  No caso da carteira de identidade, de 27 de abril de 1917, e no título de eleitor, de 14 de fevereiro de 1922 e de 4 de abril de 1933, a  “cútis” do líder operário  é definida como “parda” e o ano de seu nascimento é registrado como 1873.

Infância

Quanto à infância de Francisco Xavier da Costa, sabe-se muito pouco. Ao ficar órfão de pai, os problemas financeiros o levaram a buscar um trabalho, para ajudar no sustento da família.  Aos 11 anos, empregou-se na Oficina Litográfica de Emílio Wiedmann e Domingos Cândido Siqueira na condição de ajudante de tipógrafo.   Após cinco anos, ele ascendeu ao cargo de perito oficial gravador. De acordo com o pesquisador e jornalista gaúcho, da cidade de Quaraí, João Batista Marçal, o contato com imigrantes alemães e a assimilação do idioma teuto assumiriam um papel importante na vida de Francisco Xavier da Costa, tanto no aspecto profissional quanto em sua vida pessoal.

Diante do trabalho conquistado, com muito esforço, ainda tão menino, Francisco Xavier da Costa abandonou seus estudos nos Colégios Cabral e VillaNova.   Há indicação de que teve aulas noturnas com professor Inácio Montanha, tendo então adquirido o cabedal de conhecimentos que atesta a qualidade da sua produção textual em periódicos da época.

Militância

A partir da última década do século 19, ele se inseriu no incipiente movimento operário gaúcho, tornando-se o porta-voz das ideias socialistas na capital. Dominando o idioma alemão, foi o introdutor das ideias marxistas entre os operários de Porto Alegre.  Em sua atuação política, participou da fundação de partidos operários e de associações profissionais, organizou congressos de operários, além de liderar greves. Francisco Xavier da Costa defendia a formação de partidos operários que elegessem seus representantes no embrião da própria classe de trabalhadores, priorizando a emancipação do proletariado e a luta por melhores condições de vida.

Em 1892, ocorreu pela 1º vez, no Brasil, o ato de Primeiro de Maio, “Dia do Trabalho”, reunindo a massa operária na Praça da Alfândega em Porto Alegre, direcionado por anarquistas. Em 1894, fundou-se, em Porto Alegre, o Grupo dos Homens Livres, que  congregou anarquistas, sendo a grande parte de origem italiana.

Fundado em 1º de maio de 1897, por Francisco Xavier da Costa, o Partido Socialista Rio-Grandense tem suas raízes no processo de formação da classe trabalhadora gaúcha. No ano de 1898, organizou o 1º Congresso Operário do Rio Grande do Sul.

No dia 5 de fevereiro de 1898, em Porto Alegre na Capela São Manoel, é celebrado o casamento da austríaca Leopoldina Schacherslehner e Francisco Xavier da Costa e desta união nasceram seis filhos.

Em 1º de maio de 1905, começou a circular, sob a responsabilidade do líder socialista Francisco Xavier da Costa, o jornal “A Democracia” e o partido passou a ser denominado de Partido Operário Rio-grandense, cujo lema era: “Para que o operário seja independente, deve conquistar todo o produto de seu trabalho”. 

A primeira Greve Geral no Estado

No ano seguinte, em 1º outubro de 1906, ocorreu a primeira greve geral no Rio Grande do Sul, conhecida como a “Greve dos 21 dias” que reivindicava, entre outras coisas, oito horas de trabalho e contou com a participação de mais de 5000 operários. O intendente municipal ( prefeito), nesse período, era o engenheiro José Montaury (1858-1939) e o presidente do estado era o advogado Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961). A greve iniciou com a categoria dos marmoristas, cuja liderança era anarquista. Neste contexto, destacou-se outro nome, cujo “verbo de fogo” incendiou a classe trabalhadora. Trata-se de um dos grandes tribunos da luta operária no Rio Grande do Sul: Carlos Cavaco (1878-1961).

Francisco Xavier da Costa e Carlos Cavaco convocam reuniões, nas quais se discutem a fundação da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS). Esta, na opinião do líder anarquista, Polydoro dos Santos (1881-1924), participou da “Greve dos 21 dias” apenas como elemento decorativo.

 As lideranças e a Imprensa

Quanto às lideranças, os anarquistas tinham na figura de Polydoro dos Santos um importante líder, defendendo a neutralidade e a independência política dos sindicatos divergindo dos líderes socialistas Francisco Xavier da Costa e Carlos Cavaco. A polêmica se dava por meio do jornal “A Luta”, fundado, em 1906, pelo líder anarquista e pelo gráfico José Rey Gil. Este último havia rompido com os socialistas. “A Luta” foi um periódico que travou grandes polêmicas com a social–democracia e seus principais veículos: “A Democracia” (1905-1908) – dirigida por Francisco Xavier da Costa e Carlos Cavaco -, e “O Avante” que começou a circular em 1901.  Embora o confronto ideológico, ambas correntes combatiam as más condições de trabalho, a excessiva carga horária do operário, baixos salários e maus tratos sofridos pelos trabalhadores. De acordo com Isabel Bilhão:

“ (,,,) pacto de fidelidade à causa da greve que envolve a todos que dela participam, não interessando se a liderança é anarquista, socialista, sindicalista, interessa sim que, tendo assumido compromisso com a classe, dela não se afaste, sob pena de ser considerado traidor”. (BILHÃO, 1999, p. 58).

Durante a greve o policiamento foi ostensivo, e os piquetes tentavam impedir os chamados “fura-greves”. No dia 9 de outubro, trabalhadores se pronunciaram contrários à proposta da classe patronal de 9h diárias e decidiram que a greve seria mantida. Seguiram várias prisões... A classe patronal não se manteve coesa e alguns cederam frente à força dos operários.

Não ocorreu consenso sobre os rumos da greve no movimento operário. A greve terminou oficialmente no dia 21 do mesmo mês. Os anarquistas acusavam os socialistas por terem influenciado no encerramento da greve sem que as reivindicações fossem atendidas.  Os anarquistas, por meio do jornal “A Luta” de 1906, também, denunciavam que, ao contrário do que o Jornal do Comércio (1865-1911) divulgava, havia perseguições contra os grevistas quando retornavam ao trabalho. A categoria dos marmoristas continuou em greve até a vitória das 8 horas.

Na visão do líder Francisco Xavier da Costa o importante era manter as conquistas alcançadas pelo movimento como a redução de 10 a 12 horas de trabalho para 9 horas e o aumento de salário para algumas categorias.

No dia 21 de outubro de 1906, o “Jornal do Comércio” (1864-1911), de Porto alegre, comenta o final da greve com a seguinte nota:

“Vendo que infrutíferos eram seus esforços no sentido de conseguirem as 8 horas o operariado em boletim ontem profusamente distribuído tornou público que amanhã [ 22/10] voltaria ao trabalho. Dizendo-se socialista, o autor do já citado manifesto recomenda às comissões “ que procurem manter os companheiros que se acham sob sua influência, a fim de que eles estejam sempre prontos para outro provável movimento de classe”.

Duelo de palavras

No ano de 1907, Francisco Xavier da Costa foi chamado de analfabeto por Octávio Rocha (1877-1928), então, diretor do jornal “A Federação” (1884-1937), que era o Órgão Oficial do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR).  Diante da atitude tão deselegante, o líder operário, em seu jornal “A Democracia” (1905-1908), de 20 de agosto de 1907, p.1 , pronunciou -se:

“Doutor! A quem é analfabeto não confiam a redação de um órgão tão importante [ o jornal A Democracia] nem tampouco os colegas da imprensa fazem francos elogios como fizeram a mim, apesar de ser eu apenas humilde operário. E o Doutor, que é tão erudito, mereceu elogios assim, alguma vez ?”

O jornalista  Francisco Xavier da Costa

No ano de 1895, O jornalista Francisco Xavier da Costa se tornou colaborador no jornal socialista “Gazetinha” (1891-1900). Seu diretor Octaviano de Oliveira por criticar de forma contudente o governo positivista de Julio Prates de Castilhos (1860-1903) foi espancado, optando por encerrar a circulação do periódico. No ano de 1900,  não assumindo sua posição de esquerda, ele lançou o jornal “ O Independente (1900-1923). No importante jornal “A Democracia”, editado entre 1905-1908, Francisco Xavier da Costa  ratificou sua liderança política, despontando  como representante da classe operária  no Estado, quando assumiu a liderança nas negociações com o presidente do estado  Antônio Augusto Borges de Medeiros (1863-1961), durante o movimento grevista de 1906. Ainda naquele ano, surgiu o Clube da Imprensa Operária onde Francisco Xavier da Costa exerceu o cargo de 1º Secretário. Este Clube contribuiu para o fortalecimento e legitimação da imprensa operária.  O líder operário Francisco Xavier da Costa atuou também nos jornais “0 Avante” - fundado em  1901 -, “Echo do Povo” (1908-1914) e “Gazeta do Povo” (1915-1923). Nesse período, a disputa pela liderança do movimento operário, entre anarquistas e socialistas, estava presente nas páginas dos  periódicos. Alguns importantes periódicos, como “ A Democracia’ ( 1905-1908), fazem  parte da  hemeroteca do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, que tem como missão guardar , preservar e difundir a memória da comunicação no Rio Grande do Sul. Neste ano de 2016, no dia 10 de setembro, esta importante instituição completará  42 anos de importantes serviços prestados junto à comunidade cultural do nosso Estado.

A presença de periódicos operários , em arquivos da Europa,  representa o que o pesquisador e jornalista João Batista Marçal chama de “visão conservacionista”: “Os anarquistas, que foram pioneiros na organização do movimento operário no sul do Brasil e que em sua grande maioria eram oriundos de países europeus como Espanha e Itália, tinham isso como hábito: qualquer publicação que fosse feita aqui tinha um exemplar enviado para a Europa.”

Sua adesão ao Partido Republicano Rio-Grandense (PRR)

Os conflitos e trocas de acusações constantes com as lideranças libertárias da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS), fizeram com que Francisco Xavier da Costa se afastasse do maior órgão representativo do operariado rio-grandense.

Em torno de 1911, a figura de Xavier da Costa passou a ser vinculada ao Partido Republicano Rio-grandense (PRR), que trazia em seu programa, de acordo com positivismo científico, inspirado em Augusto Comte (1798-1857), a inclusão da classe operária conforme o dístico “Ordem e Progresso”. A Constituição Estadual de 1891, de inspiração positivista, trazia vários artigos acerca da regulamentação do trabalho e garantias dos direitos do cidadão e da ordem. (PETERSEN, 2001).  No ano de 1912, Francisco Xavier da Costa fez parte da nominata dos candidatos oficiais do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), ao Conselho Municipal de Porto Alegre, tendo sido o primeiro negro eleito para a essa função legislativa. O cargo era uma espécie de vereador à época e Francisco Xavier da Costa obteve 4337 votos.

  A eleição de Francisco Xavier da Costa, como conselheiro municipal de Porto Alegre, pelo Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), resultou em críticas nos jornais da imprensa operária de Porto Alegre, principalmente, por parte das correntes anarquistas da Federação Operária do Rio Grande do Sul (FORGS). Reeleito, em 1916, conquistou 6032 votos. Após dois quatriênios, distante das atividades do Legislativo, de Porto Alegre, é novamente eleito em 1928, atingindo 7421 votos.

Durante as greves de 1917 e 1918, o presidente do estado atuou de forma decisiva, tomando medidas objetivas e as colocando em prática. Conforme mensagem enviada à ALERGS,  Antônio Augusto Borges de Medeiros. 20 de setembro de 1917, declarou: “Por ocasião da greve nesta capital verifiquei a necessidade imediata de suspender a exportação do trigo e fiscalizar as exportações e o consumo de outros gêneros alimentícios de modo a ficar habilitado a prover com segurança sempre que for mister. A par dessas medidas, aumentei os salários dos proletários ao serviço do Estado e por uma ação harmônica e solidária com o governo municipal e com o comércio e indústrias, nesse e noutros pontos, restabeleceu-se a tranquilidade geral e uma satisfatória situação para as classes trabalhadoras”.

No jornal “O Inflexível”, de 1918, fundado por Francisco Xavier da Costa, ele acrescentou o subtítulo “Diário Republicano”, demonstrando, assim, a sua sintonia política à orientação  partidária dos republicanos no Rio Grande do Sul.

Com destacada atuação no campo político e profissional, ele trabalhou como litógrafo na famosa Livraria do Globo até os últimos dias de sua existência. Considerado um homem de caráter exemplar, Francisco Xavier da Costa, ao falecer, no dia 11 de maio de 1934, deixou a sua esposa Leopoldina e quatro filhas: Emilia Carlota, Amanda Olícia, Francisca Leopoldina e Anita; e dois varões: Carlos Silvio e Miguel Francisco. A trajetória de Francisco Xavier da Costa foi pontuada pela dedicação e amor ao trabalho e intensa militância política pela causa operária.   Francisco Xavier da Costa é nome de uma rua, no Bairro Ipanema, na zona sul de Porto Alegre.

Memória recuperada

O historiador Benito Bisso Schmidt ao construir a biografia de Francisco Xavier Ferreira durante a elaboração de sua tese, já citada no texto, contou com a colaboração da filha do biografado - Anita Xavier da Costa-, que narrou fatos importantíssimos durante entrevista  realizada pelo historiador. Preocupada com a perpetuação da memória de seu pai  Anita  doou importantes documentos como afirmou o historiador: “ Depois, temendo não encontrar herdeiros para essa memória, doou-me fotografias, jornais, papéis e objetos de seu pai, um verdadeiro relicário de lembranças e afetos”.

Consciente do valioso material, o historiador passou a guarda e a preservação deste tesouro para o Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho onde recebeu tratamento arquivístico e museológico, da melhor qualidade, graças a um grupo de funcionários abnegados, competentes e qualificados no exercício de suas funções.

Atualmente, este precioso material está disponibilizado a todos que queiram mergulhar na história da vida desse afrodescendente que a historiografia oficial negligenciou, por muito tempo, em trazê-lo a público e graças ao excelente trabalho de pesquisa está memória permanece viva !

VIDEO:  https://www.youtube.com/watch?v=okVB4wfaaq8   Breve histórico do Movimento Grevista e Operário do Brasil

*Pesquisador e Coordenador do Setor de Imprensa do Musecom

Bibliografia
BILHÃO, Isabel. Rivalidades e Solidariedades no Movimento Operário. Porto Alegre (1906-1911). Porto Alegre:  EDIPUCRS, 1999.
------------------------------- Identidade e Trabalho / Uma história do Operariado Porto-alegrense (1898-1920). Londrina : EDUEL , 2008.
JARDIM, Jorge Luiz Pastoriza. Comunicação e Militância / A Imprensa Operária do Rio Grande do Sul (1892 -1923). Porto Alegre: IFCH / PUCRS
MARÇAL, João Batista; MARTINS, Mariângela MARTINS. Dicionário Ilustrado da Esquerda Gaúcha. Porto Alegre: Evangraf, 2008.
MARÇAL, João Batista. A imprensa operária do Rio Grande do Sul (1873-1974). Porto Alegre: [s.n.], 2004.
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
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Site : http://www.ufrgs.br/ppgas/ha/pdf/n12/HA-v5n12a10.pdf   acessado em 20/05/2016 às 23:08 h

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