sexta-feira, 29 de julho de 2016

ANGOLA: PATRIMÓNIO NATURAL E SOBERANIA NACIONAL



 Rui Peralta, Luanda

O desenvolvimento demográfico e tecnológico ao longo dos dois últimos séculos revelou as limitações em recursos naturais. O resultado da exploração desenfreada dos recursos naturais foi a saturação dos sistemas naturais de produção e de regulação do ecossistema indispensável á vida humana. Os mecanismos de acumulação inerentes ao capitalismo, baseados na apropriação dos rendimentos produzidos pelo trabalho e orientados para a disputa territorial e subsequente apropriação dos recursos (imperialismo) mantêm-se no essencial, embora no campo imperialista uma das consequências do “sobreaquecimento” dos mecanismos de acumulação seja a mudança de orientação no sentido da especulação com bens básicos para a sociedade, como a água e a energia.

Em função das conquistas sociais efectuadas, a consciencialização e a defesa dos inalienáveis recursos naturais e ecossistemas são factores que caracterizam as sociedades mais informadas e emancipadas. Momentos, circunstâncias e contextos favoráveis ao exercício dos direitos permitem aos povos, sociedades e nações inscreverem nas respectivas leis fundamentais o carácter primordial dos recursos naturais. Assim acontece na Constituição da Republica de Angola, que concede ao Estado os direitos de soberania e de jurisdição sobre a conservação, exploração e aproveitamento dos recursos naturais biológicos e não biológicos (Titulo I, artigo 3º, paragrafo 3) e que estes são propriedade do Estado, que determina as condições para concessão, pesquisa e exploração (Titulo I, artigo 16º).

Essas conquistas dos povos, bem como as responsabilidades assumidas pelos Estados sofrem constantes ataques, que têm como objectivo a fragilização dos processos participativos das populações e a liberalização da exploração privada desse património, subvertendo a relação de equilíbrio entre o Homem e a Natureza. Em Angola esse processo é sentido de formas diversas sendo a salvaguarda dos recursos naturais e da sua capacidade de renovação exposta a subtis - e menos subtis – manobras, escondidas sob a capa do crescimento económico, do papel da iniciativa privada e das parcerias público-privadas. Desta forma torna-se o crescimento económico efémero e imediatista, comprometendo o desenvolvimento e a salvaguarda das necessidades das gerações futuras.

No país existe, ainda, um elemento adicional (á imagem de muitos países africanos): o da guerra. Esta contribuiu em muito para as questões relacionadas com a conservação da natureza, biodiversidade e condições de vida das populações locais. Todo este quadro implica a necessidade de um forte investimento público, para que não se continue a degradar o património natural e os serviços públicos que lhe estão directamente associados.

Para que esse investimento seja eficaz e possa contar, de forma eficiente e proveitosa, com a participação do investimento privado, torna-se necessário apetrechar as estruturas locais administrativas (e também as extensões locais da administração central) para que a tomada de decisões não seja centralizada e afastada das populações e das realidades locais e os planos orçamentais sejam efectivamente realistas, não pecando pela escassez nem pela fartura, e não sejam delapidados pela corrupção e pelas negociatas que já se tornaram norma em múltiplos sectores e a diversos níveis da sociedade angolana.

Há que acrescentar um outro factor não menos importante: a produção e o rendimento das populações dos parques naturais. O envolvimento das populações residentes é um factor essencial, pois estas populações são os mais directos e imediatos elementos de relação com os espaços naturais. Para que isso aconteça é necessário que os programas de acção equacionem e compatibilizem a conservação da natureza e o desenvolvimento local, levem em conta as funções das populações residentes, não esquecendo que estas são detentoras e utilizadoras do espaço protegido, são um elemento da biodiversidade. É necessário um constante e quotidiano contacto directo com as realidades sociais específicas, o que não se compadece com políticas e técnicas de gestão á distancia e feita de visitas pontuais. As populações não podem ter dificuldades em aceder aos serviços públicos e não podem deixar de ser daas respostas às suas demandas e reclamações.

A articulação no terreno entre os diversos ministérios, organismos e departamentos da administração central (Ambiente, Cultura, Turismo, Agricultura, Administração Territorial, Geologia e Minas, Energia e Águas) e local é essencial, assim como a sua interacção com as populações. Desta forma serão criadas redes estratégicas de parque naturais, fundamentadas numa rede mais ampla que abrangerá todos os parques, reservas e zonas estratégicas de interesse nacional.

É necessário promover as populações residentes nos parques naturais e compatibilizar a protecção da natureza com as actividades económicas destas populações, assim como valorizar os parques naturais, torna-los auto-sustentáveis, por via do investimento público, captando investimento privado e aproveitando o potencial de investimento das populações locais, através de cooperativas, uniões camponesas, etc.

Urge reverter a degradação do património natural angolano e impedir a sua abertura à especulação privada, com sacrifício do desenvolvimento integrado do seu espaço protegido e à custa dos rendimentos e do futuro das populações residentes. É um resgate efectivo e soberano.

A FRANÇA NA MIRA DIRETA DO ESTADO ISLÂMICO



Não ceder ao impulso de declarar todos os muçulmanos cúmplices dos atos reivindicados por Daech é a principal preocupação das autoridades

Leneide Duarte-Plon, de Paris* - Carta Maior

Por que a França? Como se proteger dos atentados sem renunciar ao Estado de direito?

Essas duas perguntas feitas e respondidas por políticos, juristas, sociólogos ou filósofos percorreram diversas edições de jornais franceses nos últimos dias.

No dia da festa nacional, um único terrorista em um caminhão em desabalada carreira  pela pista da Promenade des Anglais, em Nice, matou 84 pessoas ferindo dezenas de outras. A pista havia sido fechada ao tráfego para os fogos de artifício do 14 de julho. 


“A França está em guerra”, repetem o primeiro-ministro Manuel Valls e o presidente François Hollande desde novembro do ano passado, quando o país despertou para a novidade dos atentados kamikaze em seu território.  O inimigo designado é o Estado Islâmico (Daech em árabe). O termo “guerra” é discutível, contestado por diversos intelectuais, pois ao reconhecer o Estado Islâmico como inimigo seus “soldados” ganham o status de combatentes e não seriam  « terroristas ». O mesmo dilema se colocou durante a Guerra da Argélia, só reconhecida como tal em 1999.

Na realidade, o inimigo só começou a intensificar os ataques no solo francês depois do envolvimentodireto e maciço da França nas diversas guerras que ela trava hoje : na Síria, no Iraque, na Líbia e na África Central. Todas têm o pretexto de combater o terrorismo.

“Nós não podemos destruir Daech na França senão transformando-nos em Estado policial militarizado. O que seria preciso para vencer Daech ? A resposta é simples : fazer a paz no Oriente Médio », escreveu no « Le Monde » o filósofo e sociólogo Edgar Morin, de 95 anos, quando o terrorismo atingiu Paris em novembro passado.

Corajoso, Morin lembrou que os drones e bombardeios americanos e franceses matam principalmente populações civis e não militares.

O papa Francisco também foi claro ao analisar o mundo, depois da degolação do padre francês numa pequena cidade da França, na terça-feira, 26 de julho : « Não tenhamos medo de dizer a verdade. O mundo está em guerra. Mas não é uma guerra de religião. Ela encontra suas raízes nas questões de dinheiro, acesso a recursos naturais, dominação dos povos ».

Diversos analistas enfatizam que uma guerra civil na França entre cristãos (os « cruzados » na linguagem do Estado Islâmico) contra os muçulmanos seria o sonho de Daech. E isso só será evitado se os franceses preservarem o respeito a todas as religiões, no contexto da laicidade republicana, tão solidamente implantada no país mais laico da Europa.

Coabitação serena 

Mudando de armas e de estratégia, o Estado Islâmico chocou ainda mais esta semana. Não pelo número de vítimas mas pelo simbolismo. Dois jovens de 19 anos degolaram o padre Jacques Hamel, de 86 anos, em plena missa, diante do altar, na pequena cidade de Saint-Etienne-du-Rouvray, perto de Rouen. Era a primeira vez que o terrorismo usava uma arma branca e matava um representante da Igreja.

Os habitantes da cidade descreveram uma coabitação serena entre católicos e muçulmanos. O terreno da mesquita fora cedido por freiras católicas por um euro simbólico. A convivência era exemplar até que dois jovens djihadistas entraram na igreja para matar um representante dos « cruzados ».

O ataque indiscriminado de Nice matou e feriu homens, mulheres e crianças no 14 de julho, data que une todos os franceses independentemente de suas origens. Naquele dia, o terrorista fez muitas vítimas entre seus correligionários: um terço dos mortos eram de cultura muçulmana pois na cidade, tradicionalmente governada pela direita, vive uma grande população magrebina que fez questão de frisar que « o terrorista não representa o Islã, uma religião de paz ».

Prevenir o ódio inter-religioso

Não ceder ao impulso de declarar todos os muçulmanos cúmplices dos atos reivindicados por Daech é a principal preocupação das autoridades civis e religiosas. A teoria do « choque de civilizações » que levaria a uma guerra de religiões seria o principal erro que daria razão à ideologia que sustenta Daech.

Nessa tarefa, os representantes do culto muçulmano se unem  aos políticos para declarar sua lealdade às leis da « République » e condenar os atos de terrorismo cego que mata civis indiscriminadamente.

A direita e a extrema-direita têm sido contidas em suas demandas securitárias pelo bom-senso e inteligência dos governantes preocupados em não fazer novas leis mais repressivas a cada novo atentado. Assim mesmo, o estado de emergência (decretado no dia seguinte aos atentados do Bataclan e dos cafés no dia 13 de novembro de 2015) foi prorrogado por mais 6 meses logo após o atentado de Nice.

«A legislação anti-terrorista foi reforçada todos os anos desde 1986. Ousar dizer que esse arsenal jurídico é insuficiente é um erro histórico e jurídico. Não se pode ir mais longe a não ser saindo do Estado de direito », alerta o respeitado jurista Serge Portelli.

Alvo preferencial

Por que a França é o alvo preferencial de Daech?

As guerras são em parte a resposta. A coalizão da qual a França faz parte fez mais de 14 mil bombardeios no Iraque e na Síria, em dois anos. Tudo isso para impedir que o Estado Islâmico continue a se expandir. Segundo Washington,  o EI perdeu no Iraque e na Síria cerca de 50% e 20% ,respectivamente, dos territórios conquistados em 2014.

Mas quem é o responsável pelo caos instalado no Oriente Médio desde a queda de Saddam Hussein em 2003, passando pela queda de Kaddafi e pela guerra civil na Síria?  O mesmo Ocidente, que usou o ataque do 11 de setembro de 2011 contra as torres do Wolrd Trade Center para invadir o Iraque e iniciar uma transformação total do Oriente Médio, segundo planos do Pentágono.

«Em vez de gastar somas colossais em armamentos no estrangeiro, a França deveria dirigir seus recursos para financiar os serviços públicos como a saúde, a educação,  a cultura e o emprego para reduzir as fraturas na sociedade francesa. Isso evitaria a frustração e amargura que conduz  jovens a se refugiar na radicalização islamista e outros a adotar reflexos xenófobos dos fascistas », escreveu no jornal « L’Humanité » a historiadora Chloé Maurel, especialista das Nações Unidas.

Ela aponta a contradição :  a França tem contratos milionários de venda de armas à Arábia Saudita que, segundo ela, é apenas «a forma limpa e respeitável de Daech». Os historiadores Sophie Bessis e Mohamed Harbi mostraram em artigo no «Le Monde» a existência de uma filiação ideológica entre Daech e a Arábia Saudita. O que não impede que a monarquia saudita seja uma excelente aliada dos Estados Unidos e da França.

Uma prova a mais, se preciso fosse, das contradições e incoerências das alianças militares no mundo, regidas por interesses inconfessáveis disfarçados em defesa da democracia.

*Leneide Duarte-Plon é autora de « A tortura como arma de guerra-Da Argélia ao Brasil : Como os militares franceses exportaram os esquadrões da morte e o terrorismo de Estado » (Editora Civilização Brasileira)


Créditos da foto: Présidence de la République

TURQUIA: O GOLPE QUE PODE ABALAR A OTAN



Tudo indica: Washington e talvez Paris foram informadas da tentativa de derrubar Erdogan — e permitiram que ela avançasse. Agora, presidente aproveitará para voltar-se à Ásia

Pepe Escobar ~Outras Palavras - Tradução Vila Vudu

Em pleno espantoso expurgo, incansável, de amplo alcance, que não dá sinais de arrefecer, com 60 mil (e cada dia mais) funcionários públicos, acadêmicos, juízes, procuradores de justiça, policiais, soldados já presos, demitidos, suspensos ou que tiveram cassadas as licenças para trabalhar, já não parece restar qualquer dúvida de que o governo turco foi, sim, muito bem informado de que estava em organização um golpe militar, para o dia 15 de julho. É muito possível que a informação tenha chegado até ele graças à inteligência russa, mas evidentemente nem Moscou nem Ancara revelarão qualquer detalhe. Assim sendo, e de uma vez por todas: não foi autogolpe encenado.

Importante analista do Oriente Médio, secular, que assistiu de Istambul a todo o golpe, esclareceu o contexto político antes até da declaração – esperada – do estado de emergência (se a França pode declarar estado de emergência, por que a Turquia não poderia?):

“Ficaram sabendo com 5-6 horas de antecedência que havia um golpe em andamento, e deixaram que prosseguisse, sabendo, como sabiam, que fracassaria (…), o que promoveu Erdogan ao status de semideus, entre seus apoiadores. O caminho está aberto para ele fazer o que queira (uma presidência forte, e remover o princípio secularista da Constituição). Assim estará preparado o cenário para introduzir alguns aspectos da lei da Xaria. Erdogan já tentou esse movimento nos primeiros anos do governo do AKP, quando tentou introduzir a Zina, lei estritamente islamista, que criminalizaria o adultério e abriria o caminho para criminalizar outras relações sexuais que o islamismo considera ilícitas, uma vez que a Zina é geral, não trata só de adultério. Mas a União Europeia objetou, e Erdogan recuou.”

A mesma fonte da inteligência acrescenta que:

“nas semanas que levaram a esse desfecho, Erdogan permaneceu discreto e calado, o que não é usual. Mas o primeiro-ministro foi substituído e o novo anunciou política exterior completamente nova, que previa inclusive recompor relações com a Síria. Teria o próprio Erdogan concluído que a política para a Síria era insustentável? Ou a ideia lhe teria sido imposta pelos mais velhos do partido, considerado o terrível dano que aquela política já causara à Turquia, além do que já fizera à Síria? Se lhe foi imposta, nesse caso o golpe fracassado dá a Erdogan oportunidade para reafirmar a própria autoridade também sobre o alto escalão do AKP. Com certeza, veio em momento muito oportuno”.

O historiador turco Cam Erimtan ajuda a compreender o contexto. Explica como:

“no início do próximo mês, o Alto Conselho Militar da Turquia (YAŞ, na sigla em turco) vai-se reunir, e espera-se que grande número de oficiais sejam dispensados. O Estado turco deve entrar num exercício de limpeza, com remoção de todos e quaisquer opositores ao governo do AKP. Esse golpe-que-não-foi-golpe serve pois como munição poderosa para faxina nas fileiras (…) mesmo que o presidente ande apontando o dedo para o outro lado do Atlântico, contra a figura sinistra de Fethullah Gülen e sua suposta organização terrorista FETÖ (Fettullahçı Terör Örgütü, ou Organização de Terror Fethullahista), insinuando que os organizadores do golpe seriam parte da mesma organização claramente impalpável, e possivelmente não existente”.

O resultado final não será agradável:

“Erdoğan já está sendo citado como Comandante-em-chefe da Turquia, o que indicaria, dentre outras coisas, que vê a tentativa de golpe como ataque pessoal direto contra ele. Sejam quais tenham sido os motivos dos conspiradores, o resultado final da ação deles será a aceitação muito mais ampla, apaixonada e entusiasmada da política de Erdoğan, de sunificação e, talvez, o desmonte discreto do estado-nação turco, a ser substituído por uma “federação anatoliana de etnias muçulmanas” – possivelmente ligada a um califado ressuscitado, e a um possível retorno da Xaria à Turquia”.

É como se Erdogan tivesse sido abençoado com um efeito “Poderoso Chefão” reverso. No filme, obra prima de Coppola, Michael Corleone diz “No instante em que você pensa que saiu, eles puxam você outra vez para dentro”. No caso do Poderoso Chefão Erdogan, no instante em que ele pensou que estivesse inapelavelmente dentro da arapuca, “Deus” – como ele admitiu – o puxou para fora. É o Sultão do Vaivém.

Leões contra Falcões

Com Erdogan firmando suas garras de ferro dentro da Turquia, garras de ferro pré-existentes – OTAN/Turquia – vão-se lentamente dissolvendo no ar. É como se o destino da base aérea Incirlik estivesse pendurado e balançando, enforcado – literalmente –, nuns poucos, selecionados fios de radar.

Há desconfiança extrema em todo o espectro na Turquia de que o Pentágono sabia do que os “rebeldes” estavam preparando. Não há quem não saiba que não cai um alfinete em Incirlik sem que os norte-americanos saibam. Membros do AKP destacam o uso da rede de comunicação da OTAN para coordenar os putschistas e assim escapar da inteligência turca. No mínimo, os putschistas podem ter acreditado que contariam com a OTAN para garantir-lhes a retaguarda. Pois nenhum “aliado na OTAN” dignou-se a alertar Erdogan sobre o golpe.

E há também a saga do avião para reabastecimento de jatos em voo, que reabasteceria os F-16s “rebeldes”. Todos os aviões de reabastecimento em voo em Incirlik são do mesmo modelo – KC-135R Stratotanker – para norte-americanos e turcos. Trabalham lado a lado, sob o mesmo comando: a 10ª Main Tanker Base, cujo comandante é o general Bekir Ercan Van, devidamente preso no domingo passado – e sete juízes já confiscaram todos os controles da torre de comunicações da base. Não por acaso, o general Bekir Ercan Van é muito próximo de Ash Carter do Pentágono.

O que aconteceu no espaço aéreo turco depois que o Gulfstream IV de Erdogan deixou o litoral do Mediterrâneo e aterrissou no aeroporto Ataturk em Istambul já está quase completamente mapeado – mas ainda há buracos crucialmente importantes na narrativa, abertos à especulação. Erdogan tem-se mantido de boca fechada em todas as entrevistas, e resta esse cenário estilo Missão Impossível, com dois F-16s “rebeldes”, “Leão I” e “Leão II”, em “missão especial”, com ostransponders desligados; o encontro deles com os “Falcão I” e “Falcão II”; um dos “Leões” pilotado por ninguém menos que o homem que derrubou o Su-24 russo em novembro passado; o hoje já famoso avião de reabastecimento em voo que decolou de Incirlik para reabastecer os “rebeldes”; e mais três duplas extras de F-16s que decolaram de Dalaman, Erzurum e Balikesir para interceptar  os “rebeldes”, inclusive a dupla que protegia o Gulfsteam de Erdogan (que voava sob prefixo THY 8456, disfarçado como voo da Turkish Airlines).

Mas quem estava por trás de tudo isso?

Erdogan em missão dada por Deus

O conhecido “vazador” saudita “Mujtahid” causou frisson porrevelar que os Emirados Árabes não apenas “tiveram uma função” no golpe mas, também porque manteve a Casa de Saud no circuito. Como se já não houvesse aí problemas que bastassem, o autodeposto emir do Qatar, Sheikh Hamad al-Thani, muito próximo de Erdogan, afirmou que EUA e outra nação europeia (alta probabilidade de ser a França) montaram toda a operação, com envolvimento da Arábia Saudita. Ankara, como seria de prever, negou tudo.

O Irã, por sua vez, viu claramente o jogo de longo prazo e apoiou firmemente Erdogan desde o início. E mais uma vez ninguém falará sobre o assunto, é claro, porque a inteligência russa sabia perfeitamente de todos esses passos – o que o rápido telefonema do presidente Putin a Erdogan, imediatamente depois do golpe, só confirma.

Mais uma vez, os fatos básicos: todos os agentes operadores de inteligência no sul da Ásia sabem que sem luz verde do Pentágono, todas as facções militares turcas encontrariam imensa dificuldade – senão absoluta impossibilidade – de organizar qualquer golpe. Além disso, durante aquela noite fatídica, até que se teve certeza de que o golpe fracassara, nenhum dos conspiradores – de Washington a Bruxelas – foi apresentado precisamente como “o mal”.

Uma fonte da alta inteligência norte-americana, que não acompanha o consenso da Av.Beltway [o cinturão rodoviário que circunda Washington e define seu perímerto], não precisa de meias palavras. Para essa fonte,

“os militares turcos jamais dariam um passo sem luz verde de Washington. Planejou-se o mesmo para a Arábia Saudita em abril de 2014, mas o movimento foi bloqueado nos mais altos escalões em Washington, por um amigo da Arábia Saudita”.

Essa fonte, que é capaz de pensar fora da caixa, adere à hipótese que se tem de tomar como hipótese chave e atual hipótese de trabalho: o golpe aconteceu, ou foi acelerado, essencialmente, “por causa da repentina reaproximação de Erdogan com a Rússia”. Turcos de todo o espectro jogam gasolina ao fogo, insistindo que é mais que provável que as bombas contra o aeroporto de Istanbul tenham sido uma Operação Gladio. Não param de surgir rumores, de leste e de oeste, já sinalizando que Erdogan deixará a OTAN mais dia, menos dia; para integrar-se à Organização de Cooperação de Xangai.

Apesar de Erdogan ser ator no qual absolutamente não se pode confiar e canhão geopolítico giratório, não se deve descartar a possibilidade de que esteja a caminho um convite de Moscou-Pequim, em futuro não muito distante. Putin e Erdogan terão encontro absolutamente crucial no início de agosto. Erdogan conversou por telefone com o presidente do Irã Hassan Rouhani. O que disseram disparou calafrios pela espinha da OTAN:
“Hoje estamos decididos, mais que antes, a contribuir para a solução dos problemas regionais, de mãos dadas com a Rússia e em cooperação com eles”.

Assim sendo, mais uma vez está configurada a disputa crucial que definirá o século 21: OTAN contra a integração da Eurásia, com o Sultão do Vaivém da Turquia exatamente no meio. “Deus” com certeza brincou com esse cenário arrepiante, quando falou diretamente a Erdogan, pelo Face Time.

Portugal. A CRISE POLÍTICA MAIS RÁPIDA DA HISTÓRIA



Ana Sá Lopes – jornal i, editorial

Ontem, com a sua particular linguagem, com muito de terra-a-terra - Marcelo é político mais próximo de Jerónimo de Sousa no uso da linguagem eminentemente popular -, o Presidente da República deu por encerrada a crise política mais rápida da história da democracia portuguesa.

A linguagem de Marcelo Rebelo de Sousa é, obviamente, património nacional, e isso começou a acontecer muito antes de se ter tornado Presidente da República. Não está cá Roland Barthes para explicar como isso - a linguagem de Marcelo - também o ajudou a ser eleito chefe de Estado. Mas dava um bom ensaio do tipo “fragmentos de um discurso amoroso-político”. 

Ontem, com a sua particular linguagem, com muito de terra-a-terra - Marcelo é político mais próximo de Jerónimo de Sousa no uso da linguagem eminentemente popular -, o Presidente da República deu por encerrada a crise política mais rápida da história da democracia portuguesa. Para “facto político”, a frase é uma delícia: “A crise política evaporou-se tal como tinha aparecido.”

Marcelo ouviu esta semana os partidos com representação parlamentar e os parceiros sociais e nem em sinais de fumo viu uma crise no Orçamento de 2017. “Basta ter ouvido o que disseram os partidos e parceiros à saída das audiências para terem percebido que não há crise política e não vai haver crise política”. Ou: “Daquilo que ouvi dos partidos que apoiam o governo, não ouvi nenhum falar em qualquer hipótese de retirar o apoio ou de haver qualquer cenário, mesmo vago, de crise.” Nem um cenário “vago” de crise.

O mundo muda de um momento para o outro, mas é difícil de explicar a origem do epifenómeno que se evaporou numa semana. Foi Passos Coelho que assustou alguém quando anunciou “vem aí o diabo” numa reunião do conselho nacional do PSD? Mas à saída da reunião com o Presidente, também para o PSD a crise já se tinha “evaporado”. Sofia Galvão, vice-presidente do partido, anunciou ao país que o PSD não encontrava razões para a possibilidade de uma crise política. Na realidade, a crise não interessava a ninguém: nem a Costa, porque não pode pôr em risco o sistema financeiro e os compromissos com Bruxelas; nem a Passos, que se arrisca a perder e a ser demitido. Como diz Marcelo, evaporou-se...

Portugal. Troika. Autoavaliação do FMI arrasa opções de Vitor Gaspar, que trabalha agora para o FMI



Relatório do fundo faz autoanálise crítica dos programas na Grécia e em Portugal. Redução da TSU é apontada como um dos pontos negativos: tirou apoio à intervenção externa e teria pouco impacto na competitividade

O Gabinete de Avaliação Independente do Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou esta quinta-feira um relatório que aponta múltiplas falhas às intervenções na Grécia, na Irlanda e em Portugal desde 2010. E no caso português, o relatório põe em causa opções tomadas pelo então ministro das Finanças Vítor Gaspar, entretanto contratado pelo fundo para liderar o Departamento de Assuntos Orçamentais. A malograda descida da TSU das empresas e o “enorme” aumento de impostos são alvo de críticas.

O relatório destaca especificamente a polémica da TSU, que transferia os descontos patronais para os trabalhadores - o que resultaria numa diminuição dos salários líquidos. Essa ideia, que mais tarde Gaspar assumiu como sendo da sua autoria, quebrou o “consenso político implícito” quanto ao programa de ajustamento, numa “tentativa falhada” de tentar concretizar um conceito conhecido na teoria económica como “desvalorização interna”.

O relatório lembra que a medida foi anunciada sem “consulta aos parceiros sociais”. E depois de uma “igualmente fracassada” tentativa de desviar parte das contribuições patronais para o IVA, “o governo optou por um aumento significativo do IRS”. “Consequentemente, os partidos da oposição retiraram apoio ao programa e prometeram reverter algumas medidas fiscais se fossem eleitos”, lembra o relatório.

Mas a própria ideia de aplicar em Portugal um conceito como o da “desvalorização interna” gera reticências. O relatório lembra que a génese deste conceito é académica - é citado um estudo do famoso economista Olivier Blanchard - e que ele foi apenas testado com um grau “misto” de sucesso em Itália. E são citados estudos da Comissão Europeia que indicam que a descida da TSU “não teria qualquer efeito sobre a competitividade de Portugal”, já que a medida seria “absorvida” principalmente pelos setores não transacionáveis. “No final, apesar da sua atratividade conceptual na melhoria da competitividade externa e do impacto benéfico esperado a nível orçamental, a proposta de transferência parcial das contribuições patronais foi rejeitada mesmo pelos empregadores, devido às potenciais consequências prejudiciais nas relações de trabalho.” 

Falhas nos programas Além de criticar estas opções específicas de Vítor Gaspar, o estudo aponta múltiplas falhas às intervenções da troika na Grécia, na Irlanda e em Portugal desde 2010. Embora a avaliação global seja positiva, já que os programas terão impedido que a crise na Zona Euro alastrasse a outros países e contribuído para o regresso aos mercados, são criticadas as previsões económicas demasiado otimistas, a medição incorreta dos impactos das medidas de austeridade e a forma como o ajustamento orçamental foi desenhado, sem impedir que a dívida dos países continuasse a aumentar.

O gabinete que fez o estudo é um departamento autónomo que avalia a atividade do organismo dirigido por Christine Lagarde. O FMI tem uma vasta experiência em lidar com crises de pagamentos em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, e foi a primeira vez que acompanhou países desenvolvidos no contexto de uma união monetária.

O relatório realça que o ajustamento nos países da Zona Euro foi o mais rápido das últimas décadas, com exceção de um caso recente, na Letónia, e que o esforço exigido pode ter sido excessivo. “Os programas apoiados pelo FMI na Grécia e em Portugal incorporaram projeções de crescimento demasiado otimistas. Projeções mais realistas teria deixado claro o provável impacto da consolidação na dinâmica de crescimento e da dívida, e teria permitido às autoridades prepararem adequadamente ou persuadirem os parceiros europeus a considerar um financiamento adicional - e mais concessional -, preservando a credibilidade do FMI como uma instituição independente e tecnocrática”, refere o relatório.

O cão e cauda Em economias sem moedas próprias e com fraca procura externa, o ajustamento colocou um “foco extraordinário” no esforço orçamental. Mas a dimensão do ajustamento “pode ter sido excessiva nestes países”, onde o impacto orçamental das medidas não foi bem calculado e não se deixaram atuar livremente medidas conhecidas como estabilizadores automáticos - medidas contracíclicas como o reforço do subsídio de desemprego quando há mais desempregados.

De resto, o documento questiona a opção por um ajustamento orçamental tão pró-cíclico - com demasiadas medidas recessivas que agravaram a situação da economia - e os economistas não encontram justificação para que, tanto na Grécia como em Portugal, as metas para o défice nominal tenham sido revistas ao longo do programa, em função da evolução do PIB, que contraiu mais do que o esperado. Esta abordagem, explica o relatório, tem na base o facto de a Comissão Europeia ter metas do défice em percentagem do PIB, quando o FMI costuma utilizar metas nominais. Ao indexar o défice ao PIB, há uma espécie de pescadinha de rabo na boca. Como o PIB diminui, o défice em função do PIB aumenta e são necessárias mais medidas de consolidação, “exacerbando a contração”.

“Esta abordagem é autodestrutiva, tal como o caso de um cão a perseguir a própria cauda”, refere o relatório.  Em contrapartida, no caso da Irlanda não houve revisões das metas do défice e permitiu-se que os estabilizadores funcionassem em pleno, “contribuindo para a correção orçamental e uma recuperação mais cedo”. A própria composição do ajustamento orçamental - baseado sobretudo em aumentos de impostos, e não em cortes de despesa - é alvo de críticas. “Nesta perspetiva, a implementação dos programas foi, em alguns casos, prejudicial ao crescimento e, como corolário, inimiga da sustentabilidade da dívida.”

João Madeira – jornal i

Portugal. "Nenhum dos profetas da desgraça reconhecerá o erro" – João Galamba



Em causa está o "discurso da Direita" que apontava para que o "atual Governo" destruísse postos de trabalho, sustenta João Galamba.

“Não sei se estão recordados", começa por escrever o deputado socialista, num post que publicou esta sexta-feira na sua página no Facebook e ao qual anexa uma notícia do Jornal de Negócios com o título: 'Foram criados 100 mil empregos desde o início do ano'.

Em causa, prossegue, está "o discurso da Direita de que o atual Governo ia destruir emprego com as suas políticas e que a subida do salário mínimo era incomportável".

"Afinal, desde que o salário mínimo subiu, foram criados 100 mil empregos (48 mil se corrigirmos os efeitos da sazonalidade)", destaca João Galamba.

"Resultado: taxa de desemprego já está abaixo do que consta do Orçamento e emprego cresce a excelente ritmo", porém, acrescenta, "como é evidente, nenhum dos profetas da desgraça reconhecerá o erro".

"Limitar-se-ão a encontrar outra qualquer desgraça que há de vir", remata o socialista, dirigindo-se à oposição.

Ana Lemos – Notícias ao Minuto

Portugal. "Presidente da República cometeu o seu primeiro grande erro político”



Ascenso Simões considera veto de Marcelo "preocupante" e "inadmissível"

O socialista Ascenso Simões considera que o veto de Marcelo Rebelo de Sousa às novas regras de concessão dos Transportes Coletivos do Porto e do Metro do Porto foi "o primeiro grande erro político” do Presidente, que desta vez “interveio no património constitucional do Governo sem qualquer justificação”

Num artigo publicado no site Ação Socialista, Ascenso Simões refere que se trata de uma “decisão preocupante e que deve ser combatida”.

O socialista vai mais longe ao dizer que a sustentação da decisão do chefe de Estado é "inadmissível" e se baseia numa “lógica absurda”, criticando o facto de Marcelo tratar a Administração Pública “como algo com pernas e com inteligência artificial própria".

“Para um ilustre professor de Direito, que deve continuar a contar com os bons e fundados ensinamentos, parece ter havido uma intenção clara – limitar o governo no seu campo, regular a relação de parceria entre partidos da maioria parlamentar”, acusa Ascenso Simões.

Para o socialista, o Presidente da República pode “patrocinar e aplaudir intervenções no congresso do seu antigo partido, jogar a informação e a contrainformação em telefones alternativos”.

"Mas há uma coisa que o Presidente não pode esquecer – ser verdadeiramente Presidente". 

Daquilo que Ascenso Simões analisa, o Governo e a maioria têm uma “legitimidade acrescida” para voltar a sufragar o diploma, uma vez que Marcelo nunca antes se pronunciou sobre o assunto. 

Melissa  Lopes – Notícias ao Minuto

OS CANALHAS DO FMI E OS OUTROS CANALHAS



Os períodos de verão são tempos de lazer, de calaceira, de reunião de amigos e famílias, de campo, de praia, de petiscadas, assadas de peixe e carne, mariscos, negro de estradas que quase nem se vê devido a serem tantas as viaturas em circulação, etc., etc. 

Disso todos sabem, ou quase todos. Mas essa rica vida não é a de todos os portugueses. A maioria fica em casa e vai dar umas voltinhas por perto – se derem. E os desempregados de longa duração não têm férias, têm as carências e a miséria à espreita. Esses e outros desempregados, muitos deles, nem dinheiro têm para o título de transporte nos autocarros ou comboios urbanos. E há tantos portugueses assim. Esses não têm assadas porque fritos e mal pagos estão eles e a família lá da casa. Vêem o alcatrão das ruas à farta. Negro como as suas vidas. Não os esquecemos aqui no PG. Sabemos que eles só estão assim com aquelas malditas vidas porque há os que exploram e roubam impunemente. Esses são aquilo a que chamam as elites económico-financeiras, políticas… Toda essa súcia de cafajestes. Um dia as contas serão feitas, novamente. Para a próxima oportunidade é aconselhavel que sejam bem feitas, as contas, para não se repetir o que vimos assistindo após 25 de Abril de 1974. Este vira o disco e toca o mesmo tem de ser corrigido de alto a baixo e nas entranhas.

Referir o período de férias para alguns porque as publicações aqui no PG têm sido muito irregulares. Quando falha o principal obreiro – Mário Motta – nem sempre o PG cumpre o número de postagens razoável. Desculpem.

Abreviando, vamos lá ao Expresso Curto. Reparei só hoje, distração inadmissível, que até parece que este elemento do Expresso é muitíssimo escrito por diretores e sucedâneos da Impresa. Quase se poderia chamar o Expresso dos diretores que não será exagero. Será porque esses já estão muito mais domados? Não levem a questão por ofensa. É só algo que me veio à cabeça. Vejo e sinto.

Hoje este Expresso Curto vem pelas teclas do diretor da SIC, Ricardo Costa, antes diretor do Expresso. Fiquem com ele e com a abordagem que faz após título condizente sobre os canalhas do FMI. Estamos mesmo metidos num poço sem fundo repleto de víboras. Vamos ter de dar a volta a isto. Ou eles ou nós, os que realmente têm construído e constroem o país. Este Portugal que não merece este trato de polé das elites da atualidade - que além de serem alegados doutores também adquiriram o canudo de canalhas.

Bom dia. Faça tudo por isso. Por si, pelos seus, por todos nós, pelo país. Unidos como os dedos da mão...

Carlos Tadeu / PG

Bom dia, este é o seu Expresso Curto

Ricardo Costa – Expresso

Lembra-se do FMI? Qual FMI? O FMI! Ah, mas qual deles?

O FMI é uma caixa de surpresas. Nos últimos anos habituou-nos a alguma variedade de opiniões entre as suas equipas técnicas, gabinetes de estudos e funcionários políticos. Mas ontem conseguiu ir um pouco mais longe na sua esquizofrenia.

Não é fácil ficar indiferente ao documento do Independent Evaluation Office, um órgão independente do Fundo Monetário Internacional que faz avaliações das suas políticas, e que produziu um relatório sobre os programas conduzidos na zona euro durante a crise da dívida pública.

Além do FMI Técnico, do FMI Académico e do FMI Político, temos agora o FMI Independente. E o que diz este último FMI sobre o trabalho que os outros FMI’s fizeram em Portugal nos últimos anos? Diz mal, ou para ser mais preciso, diz muito mal. O programa foi mal desenhado, mal pensado, mal aplicado, mal corrigido e teve maus resultados.

Nem sei bem por onde começar. Para simplificar, basta dizer que se o documento tivesse sido encomendado por alguém que detestasse a troika não teria conclusões muito diferentes.

Vamos aos cinco erros principais, elencados pelo meu colega João Silvestre no Expresso: a) as previsões económicas falharam completamente; b) o impacto da consolidação orçamental foi sempre subestimado; c) o pacote de financiamento foi excessivamente curto;d) houve insistência em estratégias erradas depois das metas falharem; e) a célebre desvalorização fiscal nunca existiu.

Pois. Para quem, como eu, pôde assistir por razões profissionais a várias conversas à porta fechada com a delegação do FMI, este documento é ridículo. Seja porque ridiculariza a ação do Fundo, seja porque diz com extrema naturalidade aquilo que a maior parte dos críticos já tinha dito, seja porque entra em contradição frontal com o que os funcionários do FMI ainda dizem hoje. Não dá mesmo para usar outra palavra, a não ser ridículo. Pronto, risível também serve. Se me esforçar um pouco ainda descubro mais adjetivos, mas nenhum é simpático.

Apesar de tudo, convém sublinhar as três vitórias apontadas ao modelo de ajustamento: a) regresso aos mercados; b) retoma económica e c) reformas estruturais. O problema é o balanço entre as duas coisas. A lista de insucessos é muito superior à dos sucessos. Pelo menos faz-nos sorrir.

OUTRAS NOTÍCIAS

Hillary Clinton é oficialmente a candidata do Partido Democrata à Presidência dos EUA. É um momento inédito, com a primeira mulher a vencer a nomeação partidária para a corrida à Casa Branca. O marco histórico decorreu esta madrugada, na convenção dos democratas.

Hillary fez um discurso a tentar combater a divisão no seu próprio partido e, claro, no país. As frases elogiosas para Bernie Sendersforam muitas, porque a luta contra o seu ex-concorrente deixou feridas no partido. O ex-rival fez tudo para promover a conciliação, mas uma parte dos apoiantes do senador do Vermont não pareceram convencidos.

Donald Trump foi o alvo principal do discurso da candidata democrata, que sabe tem um concorrente particularmente difícil pela frente. Trump respondeu de imediato no twitter – onde tem 10 milhões de seguidores –, com cinco mensagens. As ideias principais de Trump são estas:

Hillary recusa-se a mencionar o islão radical, que ameaça o dia dia americano, e quer aumentar em 550% o numero de refugiados nos EUA

Hillary não pode reformar Wall Street, porque Wall Street manda nela

Hillary defede um mundo sem fronteiras, onde a classe trabalhadora não tem poder, emprego ou segurança

Foi a guerra de Hillary no Médio Oriente que iniciou a onda de destruição e terrorismo do Daesh

Ninguém tem pior capacidade de avaliação do que Hillary, uma candidata que anda de mão dada com a corrupção

Basta este pequeno exemplo das últimas horas para termos a certeza de que vamos assistir a uma campanha sem precedentes. As sondagens estão longe da unanimidade. Há mais estudos a dar a vitória a Hillary, mas vários apostam na chegada de Trump à Casa Branca.

Após dois dias de reclusão no Palácio de Belém, onde recebeu os partidos e parceiros sociais, Marcelo Rebelo de Sousa saiu à rua. E o que disse o Presidente? Bem, afastou qualquer cenário de crise política e manifestou-se tranquilo em relação à aprovação do Orçamento do Estado para 2017.

"Basta terem ouvido aquilo que disseram os partidos e os parceiros sociais à saída das audiências para terem percebido que não há crise política e não vai haver crise política", sublinhou o PR, acrescentando que não vê "nenhuma razão de tensão adicional quanto ao Orçamento de 2017". Traduzindo, vão de férias e esqueçam as crises por uns meses, que eu tenho uma agenda preenchida e muitas condecorações a distribuir.

Com o mês a chegar ao fim, o Diário de Notícias escolheu para a primeira página uma fotografia com um ano, quando a autoestrada entre Lisboa e o Algarve parou literalmente. É bem lembrado porque hoje e amanhã é natural que se vejam imagens parecidas nas estradas. Mas este ano já dá para caçar Pokemons enquanto a fila não anda.

Num sentido contrário, o JN recorda que até domingo devem chegar a Portugal cerca de 150 mil emigrantes. O jornal recorda que as remessas de dinheiro dos emigrantes estão em queda, depois dum pico de 1,2 mil milhões em 2015.

José Sócrates revelou ontem que foi obrigado a pedir a pensão vitalícia, a que tem direito com ex-deputado e ex-membro do governo, num gesto de protesto contra o Ministério Público, que,segundo o ex-primeiro-ministro, o impede de trabalhar. O Correio da Manhã escreve hoje em manchete que o valor da pensão corresponde a €3800 mensais, cerca de €2550 líquidos.

Aqui ao lado, a incerteza continua. As eleições espanholas já lá vão, aliás já lá vão duas, e ainda não se percebeu que governo vem aí. Mariano Rajoy foi ontem indigitado pelo Rei para tentar formar governo mas continua sem o apoio de nenhum outro grande partido. A ideia de que o atual primeiro-ministro pode ter que sair para dar lugar a uma nova liderança do PP que consiga um acordo está a ganhar força, mas não se percebe se é ou não exequível. Para os mais esquecidos, as primeiras eleições inconclusivas foram dia 20 de… dezembro.

A luta contra o terrorismo continua a agitar a política europeia. Em França, as alegadas falhas policiais que têm permitido ataques por pessoas já referenciadas continuam a provocar ondas de choque. Na Alemanha, a situação não é mais fácil para o governo,mas Angela Merkel voltou a dizer ontem, numa corajosa declaração, que serecusa a alterar a sua política para com os refugiados. Uma posição nada fácil.

Uma das notícias mais extraordinárias e curiosas do ano envolve dois países nórdicos. É que a Finlândia está à beira de comemorar o seu 100º aniversário como país independente e aNoruega está a pensar oferecer ao país vizinho uma… montanha! Isso mesmo, a Finlândia tem mais de 180 mil lagos mas a natureza não foi nada generosa no que toca a montanhas e picos.

Foi esta evidência geográfica e a certeza de que as fronteiras foram um pouco desenhadas à pressa em 1750, que levou o governo norueguês a acolher a ideia de um geógrafo: basta mexer 40 metros na dita fronteira e a Finlândia recebe de prenda de anos o seu maior pico, com 1331 metros.

A generosa ideia tem alguns problemas jurídicos mas o governo norueguês quer mesmo ultrapassá-los e avançar com a oferta. Se Marcelo sabe disto ainda vai convencer o Rei de Espanha a devolver Olivença num aniversário da pátria. Não são 40 metros até ao Guadiana, mas tudo se arranja…

FRASES

“A crise política evaporou-se”. Marcelo Rebelo de Sousa a afastar um cenário de crise política, na sequência das reuniões que fez com os partidos e parceiros sociais

“Carlos Costa não cometeu qualquer falha grave no caso Banif”.Eurico Brilhante Dias, relator da Comissão de Inquérito do Banif, em entrevista ao jornal i

“Eu sou o Michael Jordan e apoio Hillary. Disse isto porque Donald Trump não conseguiria perceber a diferença”. Kareem Abdul-Jabbar, um dos melhores jogadores de sempre da NBA, no discurso de apoio a Hillary Clinton

"Outro jogador disse-me que podia encontrá-lo ali, chamei um Uber e pedí ao condutor que conduzisse em círculos até o apanharmos".Nick Johnson, o primeiro jogador do mundo a terminar o Pokemon Go depois de fazer uma viagem de 110 km até Nova Jersey

O QUE EU ANDO A LER

Um livro muito pequeno que encaixa bem no que recomendei no meu último Expresso Curto: A grande evasão, de Angus Deaton. Se o livro do Prémio Nobel da Economia de 2015 já era interessante e polémico, com uma abordagem muito profunda aos índices de desigualdade e de saúde em todo o mundo, este Sobre a Desigualdade, de Harry. G. Frankfurt é curto, seco e bem mais polémico.

Harry Frankfurt é professor de Filosofia em Princeton e nestepequeno livro de 76 páginas desenvolve uma ótima (e muito discutível) tese sobre a melhor forma de combater a desigualdade. Num estilo frontal e sem meias medidas, sustenta que a desigualdade não se combate através da promoção da igualdade, mas sim pela luta contra a pobreza. E sustenta que a ideia de igualdade acaba mesmo por promover a desigualdade.

Sobre a desigualdade (editora Gradiva) é um texto de filosofia moral, com profundo interesse económico e político e que vem contribuir para um dos mais interessantes debates contemporâneos, muito presente nos debates políticos nos últimos anos.

Para quem gosta destes temas, sugiro ainda um dos livros que levo de férias, Pós-Capitalismo: guia para o nosso futuro, editado pela Objectiva. Neste livro, que provocou acesso debate, no Reino Unido, Paul Mason prepara as exéquias do capitalismo, apontando para todos os sinais de morte iminente que nos rodeiam.

Mason defende que o capitalismo está enredado num choque com a revolução tecnológica em rede e a sociedade do conhecimento e que isso abre oportunidades para uma nova economia e política. (pode ler aqui um artigo do meu colega Jorge Nascimento Rodrigues sobre o livro)

O mês está quase a acabar, mas o mundo gira à mesma velocidade em agosto e é bom continuar de olho no Expresso Online e na SIC Notícias. Ao fim da tarde chega o Expresso Diário e amanhã há Expresso nas bancas. Bom dia e, já sabe, se encontrar alguém do FMI na rua, faça como no frei Luís de Sousa e pergunte: "FMI, FMI, quem és tu?"

Mais lidas da semana