sábado, 8 de outubro de 2016

OS 10 PONTOS QUE EXPLICAM O NOVO SISTEMA MUNDIAL




Precisamos tomar consciência das rápidas evoluções em curso e refletir sobre a possibilidade de que cada um de nós pode intervir de alguma forma.

Ignacio Ramonet * - Carta Maior

Como é o Novo Sistema Mundial? Quais são suas principais características? Que dinâmicas estão determinando o funcionamento real do nosso planeta? Que características dominarão os próximos 15 anos, de aqui até 2030?

Para tentar descrever este Novo Sistema Mundial e prever seu futuro imediato, vamos a utilizar a bússola da geopolítica, uma disciplina que nos permite compreender o jogo das potências e avaliar os principais riscos e perigos. Para antecipar, como num tabuleiro de xadrez, os movimentos de cada potencial adversário.

O que essa bússola nos diz?

O declínio do Ocidente

A principal constatação é o declínio do Ocidente. Pela primeira vez desde o Século XV, os países ocidentais estão perdendo poderio diante da ascensão das novas potências emergentes. Começa a fase final de um ciclo de cinco séculos de dominação ocidental do mundo. A liderança internacional dos Estados Unidos se vê ameaçado hoje pelo surgimento de novos polos de poder (China, Rússia, Índia) a escala internacional. O “rebaixamento estratégico” dos Estados Unidos já começou. O “século americano” parece chegar ao fim, ao mesmo tempo em que vai se desvanecendo o “sonho europeu”…

Embora os Estados Unidos continuem sendo uma das principais potências planetárias, está perdendo sua hegemonia econômica paulatinamente, com o crescimento da China, e já não exercerá sua “hegemonia militar solitária” como fez desde o fim da Guerra Fria. Caminhamos em direção a um mundo multipolar, no qual os novos atores (China, Rússia e Índia) têm vocação de constituir sólidos polos regionais para disputar a supremacia internacional com Washington e seus aliados históricos (Reino Unido, França, Alemanha, Japão).

Na terceira linha aparecem as potências intermediárias, com demografias em alta e fortes taxas de crescimento econômico, que podem se transformar também em polos hegemônicos regionais, com talvez, se mantiverem essa tendência nos próximos quinze anos, em um grupo de influência planetária. São os casos de Indonésia, Brasil, Vietnã, Turquia, Nigéria e Etiópia.

Para se ter uma ideia da importância e da rapidez da queda de prestígio do Ocidente, basta observar estas duas cifras: parte dos países ocidentais que hoje representam 56% da economia mundial serão apenas 25% em 2030 – em menos de quinze anos, o Ocidente perderá mais da metade de sua preponderância econômica. Uma das principais consequências disso é que os Estados Unidos e seus aliados já não terão os meios financeiros para assumir o rol de guardiães do mundo. Desse modo, esta mudança estrutural poderia debilitar o Ocidente de forma duradoura.

O inabalável crescimento da China

O mundo se “desocidentaliza” rapidamente, e é cada vez mais multipolar. Nesse cenário, se destaca, uma vez mais, o papel da China, que emerge como a grande potência do Século XXI. Embora a China se encontre ainda longe de representar um autêntico rival para Washington, por enquanto. Em parte, a estabilidade do novo candidato a império não está garantida, porque coexistem em seu seio o capitalismo mais salvagem e o comunismo mais autoritário. A tensão entre essas duas dinâmicas causará, cedo ou tarde, uma quebra que poderia debilitar o seu poder.

De qualquer forma, neste 2016, os Estados Unidos continuam exercendo uma indiscutível dominação hegemônica sobre o planeta. Tanto em termos de domínio militar (fundamental) como em vários outros setores cada vez mais determinantes: em particular, o tecnológico (Internet) e o soft power (cultura de massas). O que não significa que a China não tenha realizado prodigiosos avanços nos últimos trinta anos. Nunca na história, nenhum país cresceu tanto em tão pouco tempo.

Por enquanto, o poder dos Estados Unidos está em declínio, e o da China em ascensão inabalável. Já é a segunda potência econômica do mundo, superando o Japão e a Alemanha.

Para Washington, a Ásia é agora uma zona prioritária, e o presidente Barack Obama decidiu reorientar a estratégia de sua política exterior. Os Estados Unidos tenta frear a expansão da China no continente, cercando-a com bases militares e se apoiando em seus sócios locais tradicionais: Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Filipinas. É significativo que a primeira viagem de Barack Obama, depois de reeleito em 2012, tenha sido uma turnê por Birmânia, Cambodja e Tailândia, três Estados da Associação de Nações do Sudeste da Ásia Sudeste (ASEAN, por sua sigla em inglês), uma organização que reúne os aliados de Washington na região, a maioria deles com problemas de limites marítimos com Pequim.

Os mares da China se tornaram as zonas de maior potencial de conflito armado da área Ásia-Pacífico. As maiores tensões entre Pequim e Tóquio têm a ver com a soberania das Ilhas Senkaku – Diaoyú para os chineses. Também há disputas com o Vietnã e as Filipinas, sobre a propriedade das Ilhas Spratly, um conflito que vem crescendo gradualmente. A China está trabalhando para modernizar o arsenal de sua marinha. Em 2012, lançou seu primeiro porta-aviões, o Liaoning, e está construindo um segundo, com a intenção de intimidar a Washington. Pequim suporta cada vez menos a presencia militar dos Estados Unidos na Ásia. Entre estos dois gigantes, se está instalando uma perigosa “desconfiança estratégica” que, sem sombra de dúvidas, poderia marcar a política internacional da região daqui até 2030.

O terrorismo jihadista

Outra das ameaças globais que nossa bússola indica é o terrorismo jihadista praticado pela Al Qaeda e pela organização Estado Islâmico (ISIS, por sua sigla em inglês). As principais causas desse terrorismo jihadista atual são os desastrosos erros e os crimes cometidos pelas potências ocidentais que invadiram o Iraque em 2003, além dos disparates nas intervenções armadas na Líbia (2011) e na Síria (2014).

No Oriente Médio continua sendo o foco de conflito mais perturbador do mundo. Particularmente, em torno da inexplicável guerra civil na Síria. Está claro as grandes potências ocidentais (Estados Unidos, Reino Unido, França), aliadas aos Estados que mais difundem pelo mundo a concepção arcaica e retrógrada do Islã (Arábia Saudita, Qatar e Turquia), decidiram apoiar, com dinheiro, armas e instrutores, as milícias insurgentes sunitas. Os Estados Unidos constituiu nessa região um amplo “eixo sunita”, com o objetivo de derrubar Bashar al-Assad e despojar o Irã de um grande aliado regional. Mas o governo de Bashar al-Assad, com o apoio da Rússia e do Irã, vem resistindo, e continua se consolidando. O resultado de tantos erros é o terrorismo jihadista atual que multiplica os atentados odiosos contra civis inocentes na Europa e nos Estados Unidos.

Algumas capitais ocidentais continuam pensando que a potência militar massiva é suficiente para conter o terrorismo. Porém, na história militar, abundam os exemplos de grandes potências incapazes de derrotar adversários mais fracos. Basta recordar os fracassos norte-americanos no Vietnã, nos Anos 70, ou na Somália, nos Anos 90. Num combate assimétrico, aquele que pode mais, não necessariamente vence. O historiador Eric Hobsbawn recordava que “na Irlanda do Norte, durante cerca de trinta anos, o poder britânico se mostrou incapaz de derrotar um exército tão minúsculo como o IRA, que certamente nunca esteve em vantagem no conflito, mas tampouco foi vencido”.

Os conflitos em que o mais forte enfrenta o mais fraco em terreno são fáceis de iniciar, mas não de terminar. O uso massivo de meios militares pesados não significa necessariamente alcançar os objetivos buscados.

A luta contra o terrorismo também está autorizando, em matéria de governação e política interior, todas as medidas autoritárias e todos os excessos, inclusive uma versão moderna do “autoritarismo democrático” que tem como principal alvo não as organizações terroristas em sia mas sim os grupos insubmissos e insurgentes que se opõem a las políticas globalizadoras e neoliberais em certas regiões do mundo.

A crise será longa…

Outra constatação importante: os países ricos continuam padecendo pelas consequências do terremoto econômico-financeiro que foi crise de 2008. Pela primeira vez, a União Europeia vê sua coesão e até a sua existência sob ameaça – situação confirmada pelo “brexit”. Na Europa, a crise econômica durará ao menos uma década mais, ou seja, até pelo menos 2025…

As crises, em qualquer setor, acontecem quando algum mecanismo deixa de atuar como o esperado, começa a ceder, até que se quebra. Essa ruptura impede que o conjunto das máquinas continue funcionando. É o que está ocorrendo na economia mundial desde que estourou a crise do subprime, em 2007-2008.

As repercussões sociais desse cataclismo econômico têm sido de uma brutalidade inédita: 23 milhões de desempregados na União Europeia e mais de 80 milhões de pobres… Os jovens em particular são as vítimas principais; gerações sem futuro. Mas as classes médias também estão assustadas, porque o modelo neoliberal de crescimento as abandona à margem do caminho.

A velocidade da economia e do mercado financeiro hoje é como a de um relâmpago, enquanto a velocidade da política se parece à de um caracol, para melhor comparação. É cada vez mais difícil conciliar tempo econômico e tempo politico. E também crises globais e governos nacionais. Tudo isso provoca nos cidadãos sentimentos de frustração e angústia.

A crise global produz vencedores e perdedores. Os vencedores se encontram, essencialmente, na Ásia e nos países emergentes, que não têm uma visão tão pessimista da situação como a dos europeus. Mas também há muitos “vencedores” entre os países ocidentais, cujas sociedades se encontram fraturadas pelas desigualdades entre ricos cada vez mais ricos e pobres cada vez mais pobres.

Na verdade, esses países não estão suportando uma só crise, mas sim uma soma de crises mescladas tão intimamente umas com as outras que não conseguimos distinguir entre causas e efeitos. Os efeitos de umas são as causas de outras, formando assim um verdadeiro sistema de crises. Ou seja, enfrentamos uma autêntica crise sistêmica do mundo ocidental, que afeta a tecnologia, a economia, o comércio, a política, a democracia, a identidade, a guerra, o clima, e meio ambiente, a cultura, os valores, a família, a educação, a juventude, etc.

Do ponto de vista antropológico, estas crises estão se traduzindo num aumento do medo e do ressentimento. As pessoas vivem em estado de ansiedade e de incerteza. Voltam a estar presentes os grandes pânicos diante de ameaças indeterminadas, como a da perda do emprego, dos eletrochoques tecnológicos, das consequências da biotecnologia, das catástrofes naturais, da insegurança generalizada… Tudo isso configura um desafio para as democracias. Porque esse terror se transforma às vezes em ódio e em repúdio. Em vários países europeus, e também nos Estados Unidos, esse ódio se dirige hoje contra o estrangeiro, o imigrante, o refugiado, o diferente. A ojeriza contra os chamados “outros” (muçulmanos, latinos, ciganos, subsaarianos, indocumentados, etc) vem crescendo e fomentando os partidos xenófobos e a extrema direita.

Decepção e desencantamento

É preciso entender que, desde a crise financeira de 2008 (da qual ainda não saímos), já nada é igual em nenhum lugar do mundo. Os cidadãos estão profundamente desencantados. A própria democracia como modelo vem perdendo sua credibilidade. Os sistemas políticos foram sacudidos até as raízes. Na Europa, por exemplo, os grandes partidos tradicionais estão em crise. E em todos os lugares e possível perceber o avanço das agrupações de extrema direita (na França, na Áustria e nos países nórdicos) ou de partidos antissistema e anticorrupção (na Itália e na Espanha). A paisagem política foi radicalmente transformada.

Esse fenômeno chegou aos Estados Unidos, um país que já viveu uma onda populista devastadora, em 2010, protagonizada então pelo chamado Tea Party. A candidatura do multimilionário Donald Trump para ocupar a Casa Branca prolonga aquela onda e configura uma revolução eleitoral que nenhum analista poderia prever. Embora persista, em aparência, a velha dicotomia entre democratas e republicanos, a ascensão de um candidato tão heterodoxo como Trump constitui um verdadeiro sismo. Seu estilo direto, bonachão, seu discurso maquiado e reducionista, apelando aos baixos instintos de certos setores da sociedade, deram a ele um caráter de autenticidade aos olhos dos mais decepcionado eleitores da direita.

Vencedor das primárias do Partido Republicano, Trump soube interpretar o que poderíamos chamar de “rebelião das bases”. Melhor que ninguém, ele percebeu que, por um lado, existe a fratura cada vez mais ampla entre as elites políticas, econômicas, intelectuais e midiáticas, e por outro, uma quebra na base do eleitorado conservador. Seu discurso violentamente crítico à burocracia de Washington, aos meios de comunicação e a Wall Street seduz particularmente os eleitores brancos, pouco cultos e empobrecidos pelos efeitos da globalização econômica.

Sismos e mais sismos

Neste sentido, poderíamos dizer que outra grande característica do Novo Sistema Mundial são os sismos. Sismos financeiros e monetários, sismos climáticos, sismos energéticos, sismos tecnológicos, sismos sociais, sismos geopolíticos – como o restabelecimento de relações entre Cuba e Estados Unidos, ou, em outro sentido, o recente golpe de Estado institucional no Brasil, contra a presidenta Dilma Rousseff. Sem esquecer dos sismos eleitorais, como a vitória do “Não” aos acordos de paz no plebiscito realizado na Colômbia, além do “brexit” no Reino Unido, ou o sucesso da extrema direita na Áustria, ou a derrota de Angela Merkel em várias eleições parciais na Alemanha. Ou o enorme sismo eleitoral que poderia constituir efetivamente a eventual vitória de Donald Trump nos Estados Unidos, em novembro.

Acontecimentos imprevistos que surgem com força, sem que ninguém, ou quase ninguém, possa se prevenir. Há uma falta de visibilidade geral. Se governar é prever, vivemos uma evidente crise de governança geral. Em muitos países, o Estado que protegia os cidadãos deixou de existir. Há uma crise da democracia representativa: “não nos representam!”, diziam os “indignados”. As pessoas reclamam que a autoridade política volte a assumir o seu papel de condutor da sociedade. Se insiste na necessidade de reinventar a política e de fazer o poder político entender que precisa colocar freios ao poder econômico e financeiro dos mercados.

Internet, a ciberespionagem e a ciberdefesa

O Novo Sistema Mundial também se caracteriza pela multiplicidade de rupturas estratégicas cujo significado às vezes não compreendemos. Hoje, a Internet é o vetor da maioria das mudanças. Quase todas as crises recentes têm alguma relação com as novas tecnologias da comunicação e da informação, com a desmaterialização e a digitalização generalizadas e com a propagação das redes sociais. Mais que uma tecnologia, a Internet é um ator fundamental das crises. Basta recordar o rol cumprido por WikiLeaks, Facebook, Twitter e as demais redes sociais na aceleração da difusão de informação, e também na conectividade social através do mundo.

Até 2030, no Novo Sistema Mundial, algumas das maiores coletividades do planeta já não serão países e sim comunidades congregadas e vinculadas entre si pela Internet e pelas redes sociais. Por exemplo, “Facebooklândia”, com mais de um bilhão de usuários, ou “Twitterlândia”, com mais 800 milhões. Espaços cuja influência no jogo de tronos da geopolítica mundial, poderia ser decisiva. Hoje, as estruturas de poder se mostram cada vez mais obsoletas aos olhos de um público com acesso às novas redes e ferramentas digitais.

Por outro lado, a estreita cumplicidade entre algumas grandes potências e as grandes empresas privadas que dominam as indústrias da informática e das telecomunicações, a capacidade em matéria de espionagem de massas cresce também de forma exponencial. As megaempresas, como Google, Apple, Microsoft, Amazon e Facebook estabeleceram estreitos laços com o aparato do Estado em Washington, especialmente com os responsáveis pela política exterior. Essa relação se tornou evidente. Compartilham as mesmas ideias políticas e idêntica visão do mundo. Em última instância, esses estreitos vínculos e a visão comum do mundo, por exemplo, entre a Google e a administração estadunidense, estão a serviço dos objetivos da política exterior dos Estados Unidos.

Se trata de uma aliança sem precedentes: Estado, aparato militar de segurança e indústrias gigantes da web. Criaram um verdadeiro império da vigilância, cujo objetivo claro e concreto é manter a Internet sob constante observação, toda a Internet e todos os internautas, como foi denunciado por Julian Assange e Edward Snowden.

O ciberespaço se transformou numa espécie de quinto elemento. O filósofo grego Empédocles sustentava que nosso mundo estava formado por uma combinação de quatro elementos: terra, ar, água e fogo. Porém, o surgimento da Internet, com seu misterioso “interespaço” superposto ao nosso, formado por bilhões e bilhões de intercâmbios digitais de todo tipo, por seu roaming, seu streaming e seu clouding, engendrou um novo universo, de certo modo quântico, que completa a realidade do nosso mundo contemporâneo como se fosse um autêntico quinto elemento.

Neste sentido, é preciso destacar que cada um dos quatro elementos tradicionais constitui, historicamente, um campo de batalha, um lugar de confrontação. E que os Estados vem tendo que desenvolver componentes específicos das forças armadas para cada um destes elementos: para a terra, o exército de terra; para o ar, o exército do ar (aeronáutica); para a água, o exército da água (marinha); e, num carácter mais singular para o fogo, os “guerreiros do fogo” (bombeiros). De forma natural, como aconteceu com a criação da aviação militar – entre 1914 e 1918 –, todas as grandes potências estão conformando hoje, juntos com os exércitos tradicionais e os combatentes do fogo, um novo exército cujo ecossistema é o quinto elemento: o ciberexército, encarregado da ciberdefensa, que tem suas próprias estruturas orgânicas, seu Estado maior, seus cibersoldados e suas próprias armas: supercomputadores preparados para defender as ciberfronteiras e enfrentar a ciberguerra digital, no âmbito da Internet.

Uma mutação do capitalismo: a economia colaborativa

Trinta anos depois da expansão massiva da web, os hábitos de consumo também estão mudando. Pouco a pouco, está se impondo a ideia de que a opção mais inteligente hoje é a de usar algo em comum, e não necessariamente comprá-la. Isso significa abandonar aos poucos uma economia baseada na submissão dos consumidores e no antagonismo ou na competição entre os produtores, e passar a uma economia que estimula a colaboração e o intercâmbio entre os usuários de um bem ou um serviço. Tudo isto planteia uma verdadeira revolução no seio do capitalismo, que está bem diante dos nossos narizes, uma nova mutação.

É um movimento irresistível. Milhares de plataformas digitais de intercâmbio de produtos e serviços estão se expandindo a toda velocidade. A quantidade de bens e serviços que podem ser alugados ou intercambiados através de plataformas online, sejam elas pagas ou gratuitas, já é literalmente infinita.

A nível planetário, esta economia colaborativa cresce atualmente entre 15% e 17% ao ano. Com alguns exemplos de crescimento absolutamente espetaculares. Um exemplo conhecido é o Uber, a aplicação digital que conecta passageiros e motoristas, que tem somente cinco anos de existência e já vale 68 bilhões de dólares, e opera em 132 países. Por sua parte, Airbnb, a plataforma online de alojamentos para particulares, surgida em 2008, já encontrou camas para mais de 40 milhões de viajantes, e vale hoje mais de 30 bilhões de dólares – significa que, sem ser proprietária habitação nenhuma, a empresa já vale mais que os grandes grupos Hilton, Marriott ou Hyatt.

Outro aspecto fundamental que está mudando – e que foi nada menos que a base da sociedade de consumo –, é o sentido da propriedade, o desejo de possessão. Adquirir, comprar, ter, possuir eram os verbos que melhor traduziam a ambição essencial de uma época na qual o ter definia o ser. Acumular “coisas” (casas, carros, geladeiras, televisores, móveis, roupa, relógios, livros, quadros, telefones, etc) constituía, para muitas pessoas a principal razão da existência. Parecia que, desde o início dos tempos, o sentido materialista de posse era inerente ao ser humano.

A economia colaborativa constitui um modelo econômico baseado no intercâmbio e na comunhão de bens e serviços, mediante o uso de plataformas digitais. Se inspira nas utopias do compartilhamento e em valores não mercantis, como a ajuda mútua ou a convivialidade, e também no espírito de gratuidade, mito fundador da Internet. Sua ideia principal é: “o que é meu é seu”, ou seja compartilhar em vez de possuir. O conceito básico é a troca. Se trata de conectar, por via digital, aqueles que buscam “algo” com aqueles que oferecem esse algo. As empresas mais conhecidas desse setor são Uber, Airbnb, Netflix, Blabacar, etc.

Muitos indícios nos levam a pensar que estamos assistindo o ocaso da segunda revolução industrial, baseada no uso massivo de energias fósseis e em telecomunicações centralizadas. Assistimos o surgimento de uma economia colaborativa que obriga o sistema capitalista a mutar.

Por outra parte, num contexto em que as mudanças climáticas se tornam a principal ameaça à sobrevivência da humanidade, os cidadãos não desconhecem os perigos ecológicos inerentes ao modelo de hiperprodução e de hiperconsumo globalizado. Também nesse sentido, a economia colaborativa oferece soluções menos agressivas para o planeta.

Num momento como o atual, de forte desconfiança sobre o modelo neoliberal e as elites política, financeira, midiática e bancária, a economia colaborativa parece entregar respostas a muitos cidadãos em busca de sentido e de ética responsável. Exalta valores de ajuda mútua e boa vontade para dividir recursos, critérios que, em outros momentos, foram a argamassa das teorias comunitárias e de ambições socialistas. Porém, que ninguém se equivoque, pois hoje elas são o roto de um capitalismo mutante, que deseja se afastar da selvageria do impiedoso período ultraliberal.

Nossa bússola também nos mostra como a aparição de tensões entre os cidadãos e alguns governos, em dinâmicas que vários sociólogos qualificam como “pós-políticas” ou “pós-democráticas”… Por um lado, a generalização do acesso à Internet e a universalização do uso das novas tecnologias permitem à cidadania alcançar altas quotas de liberdade e desafiar os representantes políticos (como durante a crise dos “indignados”). Ao mesmo tempo, essas mesmas ferramentas eletrônicas proporcionam aos governos, como já foi dito acima, uma capacidade sem precedentes para vigiar os seus cidadãos.

Ameaças não militares

“A tecnologia – como analisa um relatório recente da CIA – continuará sendo o grande nivelador, e os futuros magnatas da Internet, como poderia ser o caso dos donos de Google e Facebook, possuem montanhas inteiras de bases de dados, e manejam muito mais informações que qualquer governo, e em tempo real”. Por isso, a CIA recomenda à administração dos Estados Unidos que faça frente a essa ameaça eventual das grandes corporações de Internet, ativando o Special Collection Service, um serviço de inteligência ultrassecreto, administrado conjuntamente pela NSA (sigla em inglês da Agência Nacional de Segurança) e pelo SCE (Serviço de Elementos Criptológicos) das Forças Armadas, especializado na captação clandestina de informações de origem electromagnética. O perigo de que um grupo de empresas privadas controle toda essa massa de dados reside, principalmente, em que poderia condicionar o comportamento da população mundial em grande escala, e que inclusive das entidades governamentais. Também se teme que o terrorismo jihadista seja substituído por um ciberterrorismo ainda mais poderoso.

A CIA toma tão em sério este novo tipo de ameaça que considera que, finalmente, o declínio dos Estados Unidos não foi provocado por uma causa exterior, mas sim por uma crise interna: a quebra econômica a partir dos anos de 2007 e 2008. O informe insiste em dizer que a geopolítica de hoje deve se interessar por novos fenômenos que não possuem necessariamente um carácter militar. As ameaças militares não desapareceram, mas alguns dos perigos mais importantes rondam as nossas sociedades hoje são de ordem não militar: crise climática, mutação tecnológica, conflitos econômicos, crime organizado, guerras eletrônicas, esgotamento dos recursos naturais…

Sobre este último aspecto, é importante saber que um dos recursos que está se esgotando mais aceleradamente é a água doce. Em 2030, 60% da população mundial terá problemas de abastecimento de água, dando lugar ao surgimento de “conflitos hídricos”. Com respeito ao petróleo e o gás natural, graças às novas técnicas de fraturação hidráulica, a exploração dessas matérias-primas energéticas está alcançando níveis excepcionais. Os Estados Unidos já são quase autossuficientes em gás, e em 2030 poderia ser também autossuficiente em petróleo, o que tende a abaratar seus custos de produção de manufaturas, impulsar a relocalização de suas indústrias. Mas se os Estados Unidos – principal importador atual de hidrocarburetos – deixa de importar petróleo, podemos prever então uma queda no preço do barril. Quais serão as consequências disso para os grandes países exportadores?

O triunfo das cidades e das classes médias

No mundo para o qual caminhamos, 60% das pessoas viverão nas grandes cidades, algo inédito na história da humanidade. As consequências da redução acelerada da pobreza, as classes médias serão dominantes e triplicarão de tamanho, passando de um bilhão a três bilhões de pessoas. Isto em si já seria uma revolução colossal, e deixará como sequela, entre outros efeitos, uma mudança geral nos hábitos culinários e, em particular, um aumento do consumo de carne a escala planetária, o que agravará a crise meio ambiental.

Em 2030, seremos 8,5 bilhões de habitantes no planeta, mas o aumento demográfico cessará em todos os continentes, menos na África, com o conseguinte envelhecimento geral da população mundial. O vínculo entre o ser humano e as tecnologias protésicas estimulará a invenção de novas gerações de robôs e a aparição de “super homens”, capazes de proezas físicas e intelectuais inéditas.

O futuro é muito poucas vezes previsível. Por isso, é preciso deixar de imaginá-lo em termos de prospectiva. Devemos nos preparar para atuar em diferentes circunstâncias possíveis, das quais somente uma se tornará realidade. A geopolítica é uma ferramenta extremamente útil. Nos ajuda a tomar consciência das rápidas evoluções em curso e a refletir sobre a possibilidade de que cada um de nós pode intervir de alguma forma, e propor um rumo. Para se tentar construir um futuro mais justo, mais ecológico, menos desigual e mais solidário.

* Doutor em semiologia, professor emérito da Universidade de Paris e diretor do Le Monde Diplomatique em espanhol. Autor do livro “El Imperio de la Vigilancia”, entre outros.

Tradução: Victos Farinelli - Créditos da foto: Reprodução

Presidente moçambicano diz que o povo quer e merece um estado de justiça social



O Presidente moçambicano e da Frelimo, partido no poder, Filipe Nyusi, defendeu hoje que o país quer e merece um estado de justiça social, apontando a restauração da paz como uma premissa para o desenvolvimento económico e social.

"Os moçambicanos querem e merecem mais água potável, mais energia, educação de qualidade, cuidados de saúde humanizados, habitação condigna e um estado de justiça social", declarou Nyusi, no discurso de encerramento da 3.ª Sessão Extraordinária do Comité Central

O líder da Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) apontou a provisão daqueles serviços sociais básicos como um compromisso inabalável do partido no poder, assinalando a importância da restauração da estabilidade política e militar no desenvolvimento do país.

Sapo 24

Dhlakama confiante que haverá acordo de paz em Moçambique até Novembro



Presidente da RENAMO, Afonso Dhlakama, mostrou-se esta sexta-feira (07.10.) confiante de que a paz seja alcançada até finais de novembro, na sequência das negociações em curso para pôr fim à crise político-militar.

"Quero prometer ao povo que a paz será encontrada de novo, se calhar dentro de meses. Não quero acreditar que a gente passe as festas do Natal ainda com os conflitos. Acredito que até finais de novembro, ou até meados, a paz volte para o povo em Moçambique", disse o líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO) em declarações por telefone à agência de notícias Lusa.

Na semana em que se assinalou o 24.º aniversário da assinatura do acordo que pôs fim a 16 anos de guerra civil, a 4 de outubro de 1992, Dhlakama reiterou que o chamado Acordo Geral de Paz, assinado em Roma, tem sido sistematicamente violado pelo partido no poder desde 1975, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO).

"Infelizmente, tudo aquilo que havíamos acordado em Roma foi violado pela FRELIMO, porque o multipartidarismo não está a funcionar bem. Já tivemos várias eleições manchadas por fraude. Desde de 1994 até às últimas eleições de 2014, sempre houve roubos de voto, nas presidenciais e nas legislativas, e inclusive até nas autárquicas", afirmou Dhlakama.

"Há uma política de exclusão social”

Além disso, disse o líder da RENAMO, há uma política de exclusão social : "se você não é membro da FRELIMO, não é nada, é considerado estrangeiro", assim como "há raptos, há sequestros, há fuzilamentos, há mais pobreza. Falhou cem por cento o Acordo Geral de Paz".

Apesar do alegado fracasso do acordo de há 24 anos, Dhlakama acredita que as negociações em curso, que envolvem a mediação internacional, terão um resultado positivo.

Ainda assim, e apesar do otimismo,Dhlakama não aceita um cessar-fogo, previsto pela mediação internacional das negociações em curso. Para o líder da oposição, só haverá tréguas quando for assinado um acordo de paz com a FRELIMO.

"Se há guerra é porque há um motivo qualquer. Primeiro encontramos a solução do problema, depois cessamos fogo de uma vez, para sempre. Agora se cessarmos fogo hoje, de emoção, e um mês depois continuarmos, estaríamos a brincar com o povo", disse o dirigente que recusa um encontro pessoal com Filipe Nyusi nesta fase das negociações.

"É dispensado esse encontro, a não ser que seja um encontro para assinar o dossier, aquilo que aconteceu com Chissano, quando me encontrei com ele lá em Roma em 1992", disse Dhlakama, salientando que cada uma das partes tem "representantes nas comissões", que "estão credenciados para poderem negociar" em nome dos respetivos líderes.

Avanço das negociações

Argumentou ainda que o conflito em curso é o que permite fazer avançar as negociações: "A FRELIMO aceita algumas coisas porque está a perder no terreno. [Se aceitarmos] agora o cessar-fogo sem acordar com a FRELIMO, as negociações podem até levar dois ou quatro anos, porque estão a governar, já não há incómodo".

Dhlakama alertou ainda o partido no poder, que reúne este fim de semana o seu comité central numa sessão extraordinária, que "já não é tempo de fazer propaganda".

"O povo está a sofrer, se há guerra é porque a FRELIMO tem estado a provocar a RENAMO e, sejamos realistas, o país não é da RENAMO, o país é do povo, não é de Guebuza, de Chissano, nem do Dhlakama e nem do Nyusi. Nós somos dirigentes. Cada um deve estar em prol dos interesses superiores deste povo".

Agência Lusa, em Deutsche Welle

Moçambique: Várias FRELIMOS podem sair do XI Congresso, diz analista



Na abertura da III Sessão Extraordinária do Comité Central da FRELIMO, Presidente moçambicano diz que partido não pode ser plataforma para atingir fins pessoais. XI Congresso da FRELIMO é um dos temas em debate.

O encontro começou esta sexta-feira (07.10.) e termina no sabádo (08.10.). Os membros da Frente para a Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido no poder, discutem na cidade da Matola vários temas, entre eles a realização do seu XI Congresso, as próximas eleições e a disciplina partidária. Sobre o Comité Central extraordinário, a DW África entrevistou o analista moçambicano Severino Ngoenha: 

DW África: É mera coincidência que a III Sessão Extraordinária da FRELIMO aconteça num momento crítico em termos económicos e políticos?

Severino Ngoenha (SN): A gente só faz coisas extraordinárias quando os momentos também são extraordinários. O extraordinário pode ser positivamente, mas normalmente é negativo. Em Moçambique passamos por um momento extraordinariamente negativo e é preciso que aqueles que por função, os partidos políticos, governantes, etc, tomem a sério as medidas que se impõem para trazer o país e o povo a uma certa normalidade. Primeira coisa é que no dia 4 de outubro celebramos a paz, mas estamos em guerra. A guerra cria uma desestabilização ao nível humano. A juntar-se a isto temos uma falta de clareza, o Parlamento está a funcionar com bancadas que tentam impor a sua posição, mesmo quando estão erradas. Há problemas não resolvidos, como a questão das dívidas ocultas, que a própria comunidade internacional entrou e que faz com que praticamente não haja a ajuda que temos tido. E isso encarece o custo de vida. E isso leva a greves, ao descontentamento nacional e a uma situação de tensão que é patente no cotidiano dos moçambicanos. Faz com que o país passe por situações catastróficas que precisam de soluções. E o comité central é convocado para colmatar situações extraordinárias que nós vivemos.

DW África: No seu discurso de abertura o Presidente Filipe Nyusi destacou que a FRELIMO não pode ser encarada como uma plataforma de acesso ao poder para atingir fins pessoais ou de grupos. Sabendo que as elites deste partido dominam o mundo dos negócios, e até uns entram em conflitos, se pode entender a mensagem do líder do partido como uma chamada de atenção às tais elites? 

SN: Mais do que uma chamada de atenção, revela o que é a política moçambicana desde que passamos do monopartidarismo ao multipartidarismo. Em Moçambique não tínhamos dinheiro para todos aqueles que eram membros da FRELIMO até o momento dos Acordos de Paz e, de um dia para o outro, tornaram-se banqueiros, acionistas, etc. A gente não vai para a FRELIMO por uma ideologia, porque já não há ideologia, ou por convicções, porque não há convicções, mas porque a FRELIMO é provedora de oportunidades. Quem entra na FRELIMO sabe que pode ter com os camaradas mais oportunidades, isso quer dizer fazer riqueza. Mais do que chamada de atenção, a denúncia popular, a crítica pública e da sociedade civil tentam desconstruir essa amálgama que se criou. Mas essa autocrítica antes de ser feita aos outros tem de ser feita aos que governam, e o Presidente Nyusi faz parte dos que governam, faz parte daqueles que provavelmente se beneficiaram desse trampolim política-economia. Ora, sair disso é necessário, mas vai ser um trabalho de anos.

DW África: Um dos objetivos desta III Sessão Extraordinária é preparar o XI Congresso da FRELIMO. O Presidente Nyusi disse no seu discurso que é preciso renovar a confiança da sociedade no partido como força motriz da agenda nacional, e construção do bem estar de Moçambique e dos moçambicanos. Tomando em conta esse historial que acabou de citar é possível reconquistar essa confiança?

SN: Acho que o problema não é reconquistar a confiança. O povo perdeu a confiança na FRELIMO, mas infelizmente não é [só] a FRELIMO que perdeu a confiança, é a política toda que vai perdendo confiança. E a FRELIMO contribuiu muito, contribuiu a RENAMO, contribuiu muito a comunidade internacional, porque certas atitudes mostram que os nossos governantes não servem nada, porque quem governa é Washington, Nova Iorque e outras capitais ocidentais. Dentro da FRELIMO há frações, o próximo congresso não é para tentar encontrar remédios para pequenas feridas, é para tentar ver o que a FRELIMO tem de ser na conjuntura nacional. Se eles forem honestos e fizerem um congresso sério, aquilo vai ser partir pratos. E se for necessário, talvez até vai-se sair dali não com uma FRELIMO, mas com muitas FRELIMOS.

Nádia Issufo – Deutsche Welle

NEGATIVO SOBREPÕE-SE AO POSITIVO EM ANGOLA, ATÉ QUANDO?



Pelo que se lê e vê à distância Angola está vezes demais na ribalta das injustiças sociais e isso desmente com todas as letras e imagens as alegadas intenções do regime que se diz “do povo, para o povo”. A desilusão dos que acreditaram em tempos nas intenções de práticas de justiça social, distribuição da riqueza produzida e extraída, é patente e transporta-nos para a indignação, para a revolta, para as justas críticas ao regime angolano comandado e supervionado, dominado, por José Eduardo dos Santos.

Evidentemente que quem sai a tirar vantagens políticas dessas situações e críticas são os opositores declarados e não declarados. Sendo que alguns nem sequer merecem crédito porque se vierem um dia a ser poder aplicarão práticas semelhantes ou ainda piores que o atual regime de Eduardo dos Santos. Numa simples frase: o esbulho, a corrupção, os roubos das riquezas de Angola que inequivocamente pertencem aos angolanos continuarão a ocorrer por outros poderes e outras elites partidárias. Esse risco é enorme e demonstra que talvez por isso é que os angolanos em eleições, sejam elas em alguma percentagem manipuladas ou não (há indicadores que revelam que são), continuam a manter o regime de Eduardo dos Santos no poder – que é como quem diz: ainda não existem em Angola partidos políticos da oposição que inspirem confiança plena aos eleitores. Talvez um dia isso ocorra. Oxalá.

O ideal, pelo visto (na perspetiva de quem acompanha Angola do exterior), seria o MPLA renovar-se, expurgar-se da clique imposta pelos mesmos de sempre, da elite mais ou menos afeta aos delapidadores das riquezas angolanas que pertencem ao povo. Tal processo é possível mas imporia a necessidade de militantes o mais possível impolutos sanearem os que se desviaram do espírito coletivo e comunitário, nacionalista, patriótico, e soberano. Seguindo políticas permanentemente direcionadas para a justiça social e para a equilibrada e justa distribuição da riqueza.

Uma coisa é certa: o regime em curso e imposto por Eduardo dos Santos não é justo, nem é de esquerda – como alguns da oposição vão apontado pelo simples facto de serem de direita e terem alianças mais ou menos secretas com grandes grupos económicos que querem esbulhar ainda mais o que pertence legitimamente aos angolanos e a mais ninguém.

Se perguntarem a razão deste apontamento sobre Angola, aqui e agora, terão como esclarecimento que se deve ao facto de o PG estar a atravessar um período de publicações incertas. Em alguns dias há novas postagens e noutros não. Tal facto não nos tem permitido acompanhar os acontecimentos em Angola como era hábito. Quase não tem havido espaço no PG para os que são opositores ao regime nem para os que são a favor. Nem também para os que são o regime, são suporte do regime, como é o caso do Jornal de Angola – que tantas vezes faz lembrar o jornal Diário da Manhã e o Época do regime do colonial-fascista de Oliveira Salazar. Mesmo assim o JÁ tem tido aqui lugar… Bastantes vezes temos dali compilado e publicado notícias e opiniões absolutamente válidas para uma sociedade que se queria coletivamente muito mais justa. Em que o domínio fosse realmente do povo e não de elites mafiosas, criminosas e assassinas.

Por via do raro édito de notícias e opiniões sobre Angola, como era ponto de honra no PG – afinal sobre os países lusófonos – trazemos à liça algumas ligações que convidamos os interessados a lerem depois de um clic. Dos títulos consta o positivo e o negativo sobre Angola, pese embora que para a maioria dos angolanos o negativo se sobrepõe e nem sequer é notícia. Até quando? (MM / PG)

Jornal de Angola
CNE sanciona comissários por violarem regulamentos - Um processo disciplinar deverá ser instaurado aos seis comissários da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) acusados de usar indevidamente documentos timbrados da instituição e violar os regulamentos internos, foi ontem anunciado, em Luanda.

Direitos humanos conhecem avanços - A presidente da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, Pansy Tlakula, disse sexta-feira, em Luanda que Angola regista avanços no domínio dos direitos humanos,...

BPC promete serviços mais humanizados - O presidente para a Comissão Executiva do Banco de Poupança e Crédito (BPC), Zinho Baptista Manuel, prometeu ontem melhorar os serviços da instituição,...

Rede Angola

“Pedimos que o governo nos tire daqui. Estamos a sofrer” - Retirados das suas casas na Chicala, com a promessa de melhores condições de vida, os populares permanecem, há três anos, em condições deploráveis no bairro Ilha Dourada.

Em 18 ruas do Zango II, as torneiras são apenas para enfeitar - As casas das quadras R e Q não têm canalização. Há cinco anos que os moradores lutam diariamente para conseguir água.

Angop

O País

RECADO A DITADORES



No seu primeiro discurso de aniversário da implantação da República em Portugal, em 5 de Outubro último, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa usou palavras fortes e inequívocas para definir a essência do poder republicano em Democracia.

Mário Crespo (*)

Numa linguagem extremamente clara e directa, o Rebelo de Sousa fez notar que “todo o poder é temporário” e que, em República e em Democracia, ele só pode mesmo ser temporário.

Para o líder português, essa limitação temporal é o cerne da mensagem ética que sustenta o conceito de República. Mais directa ainda foi a sua constatação de que, numa República, por oposição ao que se passa numa Monarquia, “o poder não se transmite por herança nem comporta a escolha do sucessor”.

Em República, disse Marcelo Rebelo de Sousa assinalando os 106 anos da República Portuguesa, “todo o poder político é limitado pelo controlo dos outros poderes e sempre pelo povo”. Numa declaração manifestamente dirigida à generalidade dos totalitarismos e muito crítica das perversões governativas, Marcelo salientou que “o poder político não é propriedade de ninguém, pessoa, família, classe, partido, grupo cívico, cultural ou económico”, e que esse poder tem a obrigação de se manter próximo da sua fonte de legitimação, que é o povo.

A inspiradora mensagem do presidente de Portugal neste seu primeiro ano de mandato tem de calar fundo numa ditadura monotonamente repetitiva como aquela que Angola vive vai para quatro décadas de intolerável usurpação de poder. Os 37 anos de afastamento definitivo da fonte de legitimação do poder político do regime de José Eduardo dos Santos tornam a República de Angola numa caricatura absurda, que só tem paralelo na brutalidade colonial. Foi este afastamento das bases que o presidente de Portugal destacou como sendo o maior risco da Democracia.

Deixando espaço a quem o ouviu para identificar os culposos, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou: “(…) De cada vez que um responsável político se deslumbra com o poder, se acha o centro do mundo, alimenta clientelas, redes de influência e de promoção social, económica e política, é a democracia que sofre.”

Na sua primeira edição de O Capital, Karl Marx abre o texto com uma página onde apenas se lê: Mutato nomine de te fabula narratur. Esta epígrafe em latim, que Marx optou por não traduzir, significa muda-lhe os nomes, e esta é a tua história. De facto, se tomarmos Angola como o sujeito e a corrupção e ditadura como os complementos directos, o discurso do presidente de Portugal é uma carta aberta a José Eduardo dos Santos.

Folha 8

(*) In Maka Angola - Foto: Folha 8

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