Mariana
Mortágua* - Jornal de Notícias, opinião
"Paulo
Núncio mostrou uma grande elevação de carácter. E o país deve muito ao doutor
Paulo Núncio pelo trabalho de combate à fraude e à evasão fiscal". Para
Assunção Cristas este foi o comentário possível à renúncia de Paulo Núncio aos
seus cargos no CDS. Para o resto país, a declaração foi incompreensível e até
algo ultrajante.
Comecemos
pelo carácter elevado de Paulo Núncio.
A
notícia da não publicação e não verificação de transferências para offshores é
dada pelo "Público" na terça-feira. Nesse dia, Núncio diz que tudo
foi verificado. Três dias depois, tendo tido tempo para pensar, resolve acusar
os serviços pelas falhas encontradas na publicação. É imediatamente desmentido
pelo ex-diretor-geral da Autoridade Tributária. É então, no sábado, que Núncio
assume a responsabilidade política pelo caso.
Em
suma, Núncio é confrontado com um facto, sacode água do capote, acusa outros e
só depois de desmentido em público é que se eleva e assume as culpas. Assunção
Cristas saberá o que quis dizer, mas isto parece o oposto da elevação e do
carácter.
Vamos
agora às dívidas do país para com Paulo Núncio.
Em
2011, o Governo de Passos fez um acordo de troca de informação com a Suíça.
Para além disso, agravou as penas para infrações fiscais e alargou o prazo de
prescrição de dívidas tributárias. Mas antes que todas estas regras pudessem
ter efeito, criou, em 2012, o Regime Extraordinário de Regularização de Dívidas
(RERT III), uma amnistia fiscal para que todos legalizassem dinheiro que tinham
colocado fora do país sem declarar. Núncio não quis que alguém fosse apanhado
de surpresa e Ricardo Salgado agradeceu. Foi um dos clientes do regime que
lavou 3400 milhões de euros.
Antes
e depois de ser secretário de Estado, Paulo Núncio foi e é sócio e alto
colaborador de escritórios de advogados cuja função é ajudar clientes a pôr
dinheiro em offshores e utilizar amnistias fiscais como o RERT III para o
regularizar depois. Sem falar na sua participação como intermediário na compra
de material militar.
Como
secretário de Estado, envolveu-se no escândalo da lista VIP, criou uma
"unidade de grandes contribuintes" de utilidade duvidosa, e ainda uma
reforma de IRC encomendada a escritórios de advogados como o dele, reforma que
facilitou o planeamento fiscal para as grandes empresas. Finalmente, deixou que
10 mil milhões de euros passassem para offshores sem fiscalização e não
permitiu a publicação desta informação pela Autoridade Tributária.
O
país não deve coisíssima nenhuma a Paulo Núncio. Mas Núncio e o Ministério de
que fazia parte, encabeçado por Gaspar e Albuquerque, devem muitas explicações
ao país pelo suposto combate à fraude e à evasão fiscal.
*
Deputada do BE
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