PST
entrega ao Presidente da República documento de total rejeição à nova cláusula
de barreira eleitoral dos 4%
A
grande polémica gerada em torno da aprovação de mais uma lei eleitoral, a
escassos meses das eleições legislativas, está a provocar forte instabilidade e
preocupação na sociedade timorense, e principalmente no seio dos pequenos
partidos políticos.
De
acordo com uma nova lei aprovada pelo Parlamento Nacional de Timor-Leste,
supostamente para surtir efeito no âmbito das novas eleições legislativas
agendadas para este ano, provavelmente no mês de Julho, lei ainda não
promulgada, pretende-se que a cláusula de barreira eleitoral passe de 3 para 4%.
O
Presidente da República de Timor-Leste, General Taur Matan Ruak, face à onda de
contestações e desagrado que se está a instalar no país, decidiu convidar os
cerca de 30 partidos políticos para um encontro com carácter de urgência
agendado para dia 3 do corrente mês, no Palácio Presidencial.
No
grupo dos partidos políticos presentes, participou o Partido Socialista de
Timor (PST), e que enviou à nossa redacção um importante texto do Partido,
assinado por Nuno Corvelo (Laloran), Vice-Presidente do Partido, também
Presidente da Associação dos Combatentes da Brigada Negra (ACBN), e por Luciano
Hornai (Namadoras), Vice Secretário-Geral, entregue na reunião com o Presidente
da República timorense.
Segundo
o documento do PST entregue ao General Taur Matan Ruak, com a aprovação desta
lei.
«há
uma violação de princípios fundamentais de natureza jurídico-constitucional e
de direito comparado, questões de exclusão e de não participação política de
nacionalistas e patriotas, portanto, merecem a nossa total rejeição».
Neste
testemunho escrito, de que mais adiante faremos algumas transcrições, para
destacar a importância da participação política nas sociedades, o PST cita o
constitucionalista português Pedro Bacelar de Vasconcelos, que coordenou a
obra intitulada «Constituição Anotada da República Democrática de Timor-Leste»,
e coloca algumas questões fundamentais neste documento, com um total de sete
páginas, intitulado «Contributos do PST sobre a Lei que aprova a cláusula de
barreira dos 4% no âmbito da audiência com Sua Excelência o Presidente da
República da RDTL».
O
Jornal Tornado verificou que a «Constituição Anotada da República Democrática
de Timor-Leste», obra coordenada por Pedro Bacelar de Vasconcelos, de facto,
faz referência à questão da “participação na vida política”, preocupação
invocada pelo PST, onde é referido que «A participação na vida política exige
antes de mais da parte do Estado uma actuação transparente, que permita aos
cidadãos dispor da informação necessária para intervir de modo esclarecido no
debate dos assuntos públicos. O primeiro direito de participação política é o
direito à informação dos cidadãos, o direito de perguntar e de obter respostas
em tempo razoável» (p. 177).
«O PST está absolutamente convicto de que a participação política plena dos cidadãos timorenses, em condições de equidade, é um elemento essencial de qualquer Estado democrático, e a nossa Constituição, faz referência a isso mesmo através do seu Ponto 1 do Artigo 63º (Participação política dos cidadãos), segundo o qual, “A participação directa e activa de mulheres e homens na vida política constitui condição e instrumento fundamental do sistema democrático”».
Com
base no texto entregue no Palácio Presidencial pelo Partido Socialista de
Timor, tendo por referência a obra coordenada por Pedro Bacelar de Vasconcelos,
lê-se no documento, também, as seguintes perguntas
«O
PST, e todos os cidadãos e partidos políticos, têm, portanto, “o direito de
perguntar e de obter em tempo razoável a resposta” a esta pergunta essencial:
Porque
razão o Parlamento Nacional quer, a 3 ou 4 meses das eleições parlamentares,
impor uma lei que cria a cláusula de barreira dos 4%? Será esta medida
legislativa transparente e justa? Será esta medida garante de estabilidade
política?»
E
mais adiante, no documento do PST, recuando a 2012, data das últimas eleições
legislativas, quando a cláusula de barreira se situava nos 3%, surgiram outras
perguntas que passamos a transcrever
«Nas
eleições parlamentares de 2012 havia uma cláusula de barreira situada nos 3% e
ficaram excluídos mais de 90 mil votos. Em 2017, com cerca de 30 partidos
políticos, quantos milhares de votos ficarão excluídos se for promulgada esta
lei que vai obrigar a uma cláusula de barreira de 4%?
E
se os números a serem excluídos dos partidos que não ultrapassarem a barreira
forem exorbitantes qual será então a justificação de representatividade
parlamentar?
Será
verdadeiramente democrático e representativo um Parlamento Nacional construído
na base da exclusão de mais de metade de votos válidos depositados a custos e
sacrifícios pelos eleitores nas urnas?
É
uma questão de vida e de morte da nossa ainda muito jovem democracia!!!!»
Numa
inequívoca alusão ao aspecto discriminatório da lei, o documento do PST também
alerta para os perigos da exclusão associada à perpetuação do poder
«Durante
a Luta mobilizou-se a participação de todos, pequenos ou grandes, individuais
ou colectivos! Porque é que hoje no processo da construção do Estado se
pretende EXCLUIR forças políticas e sociais? Que modelo de sociedade política e
social queremos edificar neste País?
A
resposta a esta pergunta é demasiado óbvia porque facilmente se compreende que
com a promulgação desta lei muitos outros largos milhares de timorenses ficarão
excluídos de participar activamente na vida política em contexto de equidade,
porquanto, apenas alguns partidos políticos, há 15 anos sempre os mesmos, irão
integrar o parlamento nacional e decidir sobre o futuro do país.
Onde
reside a lógica de solidariedade nacionalista e patriótica? Durante a guerra
apelamos à unidade de todos, hoje depois da guerra protagonizamos exclusão
sociopolítica e socioeconómica, produzindo leis e políticas que andam e andarão
descompassadas com a evolução da nossa sociedade, do nosso povo!»
No
plano jurídico-constitucional o documento do PST entregue ao Presidente da
República acentua motivos de contestação à lei alegando que há violações ao
normal funcionamento de um Estado de direito
«Se
as eleições irão ser convocadas em breve, não se pode, consumado este acto,
introduzir novas regras, ou seja, as eleições parlamentares irão ser em breve
convocadas pelo Presidente da República para uma data já determinada, com base
na cláusula de barreira de 3%, pelo que, alterar esta medida é uma clara violação
dos princípios fundamentais que norteiam o funcionamento normal de qualquer
Estado democrático. Para além de que, ao aceitarmos tal lei, demonstraríamos as
debilidades das nossas instituições democráticas perante o país e aos olhos da
comunidade internacional».
Foram
invocadas, igualmente, questões fundamentais de direito comparado.
«A
aplicação da cláusula de barreira em outros países também ajuda igualmente a
explicar o nosso direito à indignação.
–A Assembleia
Parlamentar do Conselho da Europa recomenda que a cláusula de barreira não
deve ser superior a 3%. Em Portugal, nos termos da Constituição, não existe
cláusula de barreira[1].
Desde que um partido político esteja legalizado, através do método de D’Hondt,
pode ser eleito para o Parlamento, sem preencher qualquer requisito imposto por
cláusula de barreira. Em Israel, a cláusula de barreira era de 2% (até 2014)[2].
Na Dinamarca, a cláusula de barreira é de 2%. Em Espanha, a cláusula de barreira
é de 3%. Na Itália, a cláusula de barreira é de 3%.
Há
cláusulas de barreira mais elevadas existentes em alguns países (Turquia e
Rússia, por exemplo) mas foram justificadas para evitar o surgimento nos
parlamentos de partidos políticos extremistas, o que tudo indica, não irá
acontecer em Timor-Leste».
O
documento do PST também relembrou os momentos da luta em que ninguém era
excluído, aproveitando-se todos os patriotas e nacionalistas
«A
ideia que tem sido veiculada segundo a qual há muitos partidos políticos em
Timor-Leste sendo por isso preciso criar uma barreira para os eliminar não faz
sentido algum, é discriminatória, para além de que a imposição de uma barreira,
por si só, não anula a existência de partidos políticos porque, os partidos políticos
mais pequenos, apesar de terem menos votos, continuam a existir.
Aliás,
criar mecanismos legais que provoquem a diminuição do número de partidos
políticos, para além de ser inconstitucional, irá afectar a diversidade
ideológica dos partidos, sendo certo que os partidos mais pequenos, apesar de
terem menos votantes, podem possuir posições políticas marcantes e fundamentais
para a pluralidade de ideias.
Por
outro lado, uma medida legislativa para eliminar de forma abusiva e
inconstitucional os partidos mais pequenos contribuirá para a criação de
partidos com todos os direitos garantidos, por um lado, e, por outro lado,
obrigará os partidos políticos sem representação a viver na margem do Processo
de Construção do Estado, Estado que todos durante a Luta contribuíram para
Libertar, sem ter em conta quem é grande e quem é pequeno!!!!».
O
longo documento, em que se destacaram algumas partes, termina com o alerta para
as consequências nefastas da exclusão dos partidos políticos porque alguns
deles assumem-se com ideologias e programas importantes para o desenvolvimento
do país e o seu afastamento terá como consequência inevitável a redução da
qualidade do debate político e silenciará vozes que têm o direito de ser
escutadas para que se gerem discussões democráticas e construtivas.
Notas:
[1] Nas
últimas eleições legislativas portuguesas foi eleito pelo método de Hondt um
deputado do partido PAN – Pessoas, Animais e Natureza, que, no círculo de
Lisboa teve apenas 80 votos.
[2] Em
2014, o parlamento israelita aprovou a subida da cláusula de barreira para
3,25%, com forte repúdio da oposição, tendo o seu líder, Isaac Herzog,
qualificado a nova lei como “um passo em direcção à ditadura”.
Jornal Tornado, em Timor
Agora
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