Pedro
Silva Pereira* | Jornal de Notícias | opinião (ontem às 00:06)
Francisco
não fez segredo: vem a Fátima como peregrino da esperança e da paz. São
certamente interessantes os debates sobre as aparições, que afinal foram
"visões"; as controvérsias sobre a história centenária do santuário
ou as discussões sobre a canonização dos pastorinhos. Tudo isso, porém, é
desconversar do propósito anunciado pelo próprio Papa Francisco: recentrar a
mensagem de Fátima no tema da paz - essa paz de que o Mundo de hoje tanto
precisa.
Tem
sido exatamente esse o desígnio deste Papa que veio do outro lado do Mundo:
recentrar a mensagem da Igreja. O nome Francisco, aliás, resume exemplarmente
todo um programa e a visão de uma Igreja diferente: uma Igreja pobre e atenta
aos pobres; uma Igreja em saída, presente nas periferias onde se vivem os mais
dolorosos dramas humanos, como em Lampedusa; uma Igreja onde os confessionários
não sejam câmaras de tortura e que se assemelhe a um "hospital de
campanha", lugar de acolhimento e misericórdia para todos os que carregam
as marcas da jornada da vida. Evidentemente, tem ainda muito que andar esta
Igreja que o Papa diz anestesiada. Todavia, também é verdade que com este seu
pontificado surpreendente, cheio de gestos proféticos, Francisco alcançou já um
feito notável: relançou a esperança na renovação da Igreja Católica.
São
três os domínios onde mais se fez sentir o movimento renovador lançado pelo
Papa Francisco: primeiro, a reforma da Santa Sé, onde afrontou corajosamente
interesses instalados e impôs regras de transparência, incluindo na gestão
financeira do Vaticano; segundo, a abertura, limitada mas importante, no
tratamento de temas fraturantes, como o acesso à comunhão pelos recasados, o
acolhimento dos homossexuais, a ordenação sacerdotal de homens casados ou a
ordenação de mulheres diaconisas; terceiro, a nova tonalidade introduzida na
doutrina social da Igreja, não tanto nas questões da pobreza e da ecologia -
onde aprofundou temas já tratados pelos seus antecessores - mas sobretudo na
denúncia frontal das desigualdades como problema estrutural desta
"economia que mata" e que só pode ser enfrentado através de uma
intervenção não assistencialista do Estado, orientada para a redistribuição da
riqueza e para a justiça social.
Em
todos estes domínios em que o Papa Francisco deu sinais de uma ambição renovadora,
teve pela frente uma oposição enérgica que veio do interior da própria Igreja.
Uns, disfarçando o incómodo, desvalorizam o movimento de mudança, reduzindo
tudo à linguagem colorida de um Papa latino-americano ao qual é preciso dar um
certo desconto porque não sabe nada de economia e não quer saber do rigor dos
conceitos. Outros, que perderam a paciência, enfrentam-no já em campo aberto,
multiplicando pronunciamentos e abaixo-assinados, e chegando ao ponto de
promover uma campanha de cartazes contra o Papa nas ruas de Roma. Nunca se viu
nada assim, mas também nunca tinha havido um Papa Francisco.
*
Eurodeputado
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