segunda-feira, 29 de maio de 2017

Portugal | AVANÇAR COM OS PÉS NA TERRA


Manuel Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião

Os dados sobre o crescimento económico no primeiro trimestre deste ano, a redução do desemprego e a criação de emprego que se vão observando, o surgimento de investimentos pontuais em áreas estratégicas para o desenvolvimento, os sinais de vitalidade em alguns setores de atividade e os efeitos práticos e simbólicos da saída do país do Procedimento por Défice Excessivo são, sem dúvida, boas notícias para os portugueses. Contudo, a análise objetiva aos fatores que estiveram na base desses resultados, as fragilidades em que alguns assentam e, acima de tudo, uma observação atenta das carências com que se continua a deparar uma parte significativa das famílias portuguesas aconselham uma travagem nas euforias e devem conduzir-nos a uma reflexão sobre as opções políticas a assumir no imediato, com vista a um horizonte estratégico mais seguro.

Fala-se muito de crescimento económico mas pouco do desenvolvimento da sociedade, teoriza-se sobre como atrair investimento mas não avançam políticas para atração das pessoas, e Portugal precisa, urgentemente, de reparar a grave rutura geracional que sofreu nos últimos 10 anos. Não se discutem suficientemente as desigualdades nem a distribuição da riqueza.

Entretanto, perante aqueles resultados positivos, o discurso dominante nos meios de comunicação social foi rapidamente tomado por alertas quanto ao perigo de um "regresso ao passado" de despesismo orçamental. Impressiona ver como, quase 10 anos passados desde o início da crise financeira internacional, a maioria dos comentadores económicos continua presa a um diagnóstico errado quanto às causas da crise - voltam a atribuí-las erradamente a problemas de contas públicas - e prossegue uma análise que ignora os efeitos destrutivos da austeridade imposta pela troika e seus executores nacionais.


Esta linha dominante em amplos setores do comentário político continua a defender políticas de mera obediência à estrita disciplina orçamental, rumo que inviabilizaria respostas aos anseios dos portugueses. Antes, diziam-nos que as reposições pontuais de rendimentos e direitos às pessoas podiam ser justos, mas inviabilizariam a recuperação da economia e do emprego e agravariam o défice. Derrotados, ignoram sem vergonha os erros das suas análises e tentam assustar os portugueses com os "riscos" de o Governo poder ceder às propostas dos partidos que lhe dão apoio parlamentar. Ainda não digeriram o maior êxito político que Portugal conquistou nas últimas décadas: um Governo com apoio de todas as forças de esquerda, instrumento fundamental para os pequenos êxitos que os portugueses vão alcançando.

É perfeitamente possível manter o crescimento económico e confirmarem-se as previsões positivas para a receita orçamental. Tal cenário deve transformar-se numa oportunidade para acabar com o garrote orçamental que asfixia a prestação de direitos fundamentais como a saúde, a educação, a justiça, a segurança social, e para romper de forma progressiva e determinada com a austeridade que tão maus resultados deu a todos os níveis (social, económico e financeiro).

Há que adotar um olhar crítico sobre a evolução recente da sociedade e da economia, identificando enviesamentos e formas de os corrigir. Precisamos de investimento público e de alguns incentivos que coloquem as empresas portuguesas numa "trajetória de reindustrialização", indispensável para a criação de trabalho qualificado e com direitos. São urgentes políticas que tragam aos jovens confiança no seu futuro e no futuro do seu país. Preparados para mais mobilidades e relações interculturais, é em Portugal que eles se devem sentir bem e com perspetivas de serem felizes.

Está há muito provado que, de todas as "reformas" realizadas ao abrigo do memorando, as que afetam o trabalho e o emprego são as que carreiam para o futuro um lastro mais comprometedor. Urge desencadear uma reconfiguração das instituições e das práticas que enquadram as relações laborais, em particular a contratação coletiva e o diálogo social, desde as empresas ao plano nacional. Pelo que se vem observando em vários setores de atividade, os sindicatos apresentam propostas bem fundamentadas e um grande empenho negocial.

* Investigador e professor universitário

Sem comentários:

Mais lidas da semana