Manuel
Carvalho da Silva* | Jornal de Notícias | opinião
Os
dados sobre o crescimento económico no primeiro trimestre deste ano, a redução
do desemprego e a criação de emprego que se vão observando, o surgimento de
investimentos pontuais em áreas estratégicas para o desenvolvimento, os sinais
de vitalidade em alguns setores de atividade e os efeitos práticos e simbólicos
da saída do país do Procedimento por Défice Excessivo são, sem dúvida, boas
notícias para os portugueses. Contudo, a análise objetiva aos fatores que
estiveram na base desses resultados, as fragilidades em que alguns assentam e,
acima de tudo, uma observação atenta das carências com que se continua a
deparar uma parte significativa das famílias portuguesas aconselham uma
travagem nas euforias e devem conduzir-nos a uma reflexão sobre as opções políticas
a assumir no imediato, com vista a um horizonte estratégico mais seguro.
Fala-se
muito de crescimento económico mas pouco do desenvolvimento da sociedade,
teoriza-se sobre como atrair investimento mas não avançam políticas para
atração das pessoas, e Portugal precisa, urgentemente, de reparar a grave
rutura geracional que sofreu nos últimos 10 anos. Não se discutem
suficientemente as desigualdades nem a distribuição da riqueza.
Entretanto,
perante aqueles resultados positivos, o discurso dominante nos meios de
comunicação social foi rapidamente tomado por alertas quanto ao perigo de um
"regresso ao passado" de despesismo orçamental. Impressiona ver como,
quase 10 anos passados desde o início da crise financeira internacional, a
maioria dos comentadores económicos continua presa a um diagnóstico errado
quanto às causas da crise - voltam a atribuí-las erradamente a problemas de
contas públicas - e prossegue uma análise que ignora os efeitos destrutivos da
austeridade imposta pela troika e seus executores nacionais.
Esta
linha dominante em amplos setores do comentário político continua a defender
políticas de mera obediência à estrita disciplina orçamental, rumo que
inviabilizaria respostas aos anseios dos portugueses. Antes, diziam-nos que as
reposições pontuais de rendimentos e direitos às pessoas podiam ser justos, mas
inviabilizariam a recuperação da economia e do emprego e agravariam o défice.
Derrotados, ignoram sem vergonha os erros das suas análises e tentam assustar
os portugueses com os "riscos" de o Governo poder ceder às propostas
dos partidos que lhe dão apoio parlamentar. Ainda não digeriram o maior êxito
político que Portugal conquistou nas últimas décadas: um Governo com apoio de
todas as forças de esquerda, instrumento fundamental para os pequenos êxitos
que os portugueses vão alcançando.
É
perfeitamente possível manter o crescimento económico e confirmarem-se as
previsões positivas para a receita orçamental. Tal cenário deve transformar-se
numa oportunidade para acabar com o garrote orçamental que asfixia a prestação
de direitos fundamentais como a saúde, a educação, a justiça, a segurança
social, e para romper de forma progressiva e determinada com a austeridade que
tão maus resultados deu a todos os níveis (social, económico e financeiro).
Há
que adotar um olhar crítico sobre a evolução recente da sociedade e da
economia, identificando enviesamentos e formas de os corrigir. Precisamos de
investimento público e de alguns incentivos que coloquem as empresas
portuguesas numa "trajetória de reindustrialização", indispensável
para a criação de trabalho qualificado e com direitos. São urgentes políticas
que tragam aos jovens confiança no seu futuro e no futuro do seu país.
Preparados para mais mobilidades e relações interculturais, é em Portugal que
eles se devem sentir bem e com perspetivas de serem felizes.
Está
há muito provado que, de todas as "reformas" realizadas ao abrigo do
memorando, as que afetam o trabalho e o emprego são as que carreiam para o
futuro um lastro mais comprometedor. Urge desencadear uma reconfiguração das
instituições e das práticas que enquadram as relações laborais, em particular a
contratação coletiva e o diálogo social, desde as empresas ao plano nacional.
Pelo que se vem observando em vários setores de atividade, os sindicatos
apresentam propostas bem fundamentadas e um grande empenho negocial.
*
Investigador e professor universitário
Sem comentários:
Enviar um comentário