quinta-feira, 27 de julho de 2017

PISTAS E TRAUMAS DO LONGO CHOQUE NEOLIBERAL – I



Martinho Júnior | Luanda  

Como feridas por soturar, as dramáticas pistas que comprovam a conspiração contra a humanidade, vão deixando suas marcas traumáticas na memória dos povos e em cada um de nós mesmos, combatentes que dão seu tributo modesto, com consciência crítica e capacidade investigativa, para que haja vida no Movimento de Libertação, para lá da nossa própria vida individual, na singularidade passageira que nos fez homens… - Martinho Júnior.

1- Longe já vão os tempos do exercício da administração republicana de Ronald Reagan (dois mandatos de 1981 a 1989) e no entanto, aquilo que ela iniciou no âmbito dos procedimentos típicos do capitalismo neoliberal, na sequência da implosão da URSS e do desaparecimento dos países socialistas do leste europeu, continua a fazer-se sentir, quer no âmbito do choque, quer no âmbito da terapia neoliberal.

No âmbito do choque neoliberal, o caos, o terrorismo e a desagregação de estados e nações, continua na ordem do dia no Médio Oriente como em África, na sequência das primeiras experiências registadas em África em 1992 (3 anos depois do fim do ultimo mandato de Ronald Reagan), de que o Ruanda, Angola e o Congo foram suas principais vítimas;

No âmbito da terapia neoliberal (recorde-se os programas que tiveram o rótulo “reaganomics”), entre os muitos exemplos que poderíamos citar, recorde-se que as iniciativas do quadro das parcerias publico-privadas foram pela primeira vez implementadas com Ronald Reagan.

A CIA teve dilatações operacionais nunca antes anteriormente experimentadas, o que premitia fazer revitalizar muitas redes “stay behind”, inclusive dentro da que era então considerada “Cortina de Ferro”, que mais tarde alimentaram entre outras iniciativas, as redes de fornecimento de armas a partir de países como a Ucrânia e a Bulgária, implicadas no tráfico de armas que alimentam as redes “privadas” (ou seja, respaldadas peor franjas de iniciativas public-privadas) que promovem caos, terrorismo e desagregação corrente no mundo…

2- Logo durante a sua primeira campanha presidencial Ronald Reagan foi apoiado pela American Conservative Union, que integrava um grupo, o The Conservative Caucus, que apoiaria Savimbi, desde a sua retaguarda suportada pelo “apartheid” à retaguarda que lhe propiciou Mobutu, “guerra dos diamantes de sangue” afora e, depois do seu desaparecimento físico e até há relativamente pouco tempo após a sua morte, enquanto Howard Phillips foi seu principal dirigente…

Há indícios de que com o actual Presidente Donald Trump, republicanos de tendências “conservadoras” ligados a sectores que se podem considerer de “fundamentalistas cristãos”, voltam a influenciar a Casa Branca, pelo que o The Conservative Caucus tende a ganhar espaço e pode estar a promover novas iniciativas em relação a África, numa primeira fase ainda não em aberto (fase de contactos e lançamento de “programas”), repescando vínculos anteriores que foram estabelecidos com e a partir de Savimbi, dois deles implicados no corrente processo eleitoral em Angola (Samakuva e Chivukuvuku).

Com um novo dirigente, por desaparecimento físico de Howard Phillips, o novo “chairman” do The Conservative Caucus, Peter Thomas está a ensaiar os primeiros passos, pelo queas espectativas na direcção de África são decorrentes do seu exercício inicial…

3- As políticas do presidente Ronald Reagan impulsionaram a contra-revolução na América Central (Nicarágua), África Austral (Angola) e Médio Oriente (Afeganistão), ligando-se e apoiando respectivamente quer os “contras”, quer Savimbi, quer Bin Laden, na perspectiva de fazer frente, de acordo com as interpretações dos falcões sobre a Guerra Fria, às iniciaivas imputadas à URSS nessas paragens (de facto iniciativas essencialmente do campo de acção no quadro do Movimento dos Não Alinhados).

No que em relação a Angola diz respeito, essas iniciativas de ligação e apoio a Savimbi, foram determinantes para a“coopção” de tutela sobre ele por parte da CIA, no final da presença do “apartheid” na Namíbia e no início da mudança de sua rectaguarda do Sudeste de Angola (encostado aos dispositivos das South African Defence Forces, na faixa do Caprivi), para o Zaíre (enquanto Mobutu conseguiu manter o poder).

Uma das iniciativas foi o fornecimento clandestine em Angola de mísseis Stinger, armamento que serviu para a defesa anti-aérea da Jamba e que as tropas do “apartheid” não tinham acesso, mas se isso se passava ao nível das“estruturas no terreno”, já nessa altura a ideologia ultra-conservadora do “Le Cercle” imperava na super-estrutura ideological que alimentava Savimbi, ao nível do The Conservative Caucus!

Essa mudança de rectaguarda contribuiu imenso para que Savimbi, tendo perdido as primeiras eleições em Angola, se lançasse na “guerra dos diamantes de sangue”, precisamente uma altura em que fenómenos em cadeia de desestabilização do continente-berço deram início nos países dos Grandes Lagos e no leste do então Zaíre.

A internacional fascista (que tinha apoios importantes no American Conservative Union e por tabela no The Conservative Caucus, Segundo “dilatações transatlânticas” do Le Cercle), revigorou na África Austral mesmo depois do ultimo mandato do republicano Ronald Reagan e isso por que o “lobby” dos minerais, também ele tocado pelos conservadores no quadro da aristocracia financeira mundial, esteve bem presente no início do primeiro mandato do democrata Bill Clinton, influenciando (entre outros exemplos que poderia citar), por via do Rwanda Patriotic Front sob o commando de Paul Kagame, nos acontecimentos fratrídicos do Ruanda e do leste do então Zaíre.

4- O “lobby” dos minerais (incluindo o cartel dos diamantes), foi inicialmente arrastado para o apoio a Savimbi na“guerra dos diamantes de sangue” (1992-2002), no rescaldo dos exercícios dos Botha, na África do Sul e de Mobutu, no Zaíre.

À medida contudo do conhecimento público da mancha de sangue sobre os diamantes e tendo em conta que o“lobby” do petróleo, no quadro das geoestratégias sobre a energia, se impunha em África, o “tapete” foi sendo puxado debaixo dos pés de Savimbi, pelo que cabia a Angola apertar com a ONU, face às evidências recolhidas a cada dia a partor do terreno.

Nessa altura eu apoiava  clandestinamente o estado angolano conjuntamente com outros dois camaradas de meu nível já falecidos (José Herculano Pires, “Revolução” e Alberto José Barros Antunes Baptista, “Kipaka”) e muitos outros angolanos que na Região Central das Grandes Nascentes se iam afastando das dramáticas linhas de guerra de Savimbi, que providenciavam a “somalização” de Angola… por isso o conhecimento sobre tráfico de diamantes e tráfico de armas deviam ser enriquecidos, em função das nossas investigações em curso e em defesa do estado angolano que abria espaço ao Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN).

A 2 de Agosto de 1998, eu produzia o documento que dou pela primeira vez a conhecer, numa altura em que tudo se tornava decisivo, um documento que fazendo parte da complexidade da história, tem até hoje validade pelo que se tem passado com as “Primaveras Árabes”, da Líbia ao Afeganistão, tendo em conta as sistemáticas redes clandestinas de fornecimento de armamento que têm polvilhado as cenas políticas internacionais desde a ligação e apoio do republicano Ronald Reagan aos “constras”, a Savimbi e a Bin Laden.

Esse documento, pela ênfase dos seus termos, foi concebido para contribuir para o GURN pressionar sem remissão a ONU e o próprio Conselho de Sgurança e antecede o célèbre “Relatório Fowler” que finalmente ocorreria a 10 de Março de 2000…

Eis o documento, que se junta e segue mesmo assim com letras garrafais quando no original eram as únicas a negrito…

O Governo deve aumentar as exigências em relação à MONUA e aos outros Organismos da ONU .

02 AGO 98

1) O facto da MONUA, em relação aos acontecimentos que enlutaram o País em BULA, ter produzido a conclusão de “não haver provas que impliquem a UNITA no massacre” e, em sequência disso acusar a imprensa estatal de estar implicada num “acto de propaganda hostil”, parece-nos suficiente para o ESTADO Angolano, rever o seu relacionamento com os Organismos Internacionais do quadro da ONU e, ao mesmo tempo que deve exigir todas as explicações necessárias em relação aos últimos acontecimentos, apresentar um inventário integral de todos os pronunciamentos hostis que têm sido sistematicamente feitos por SAVIMBI, a partir de meados do ano passado, incluindo o livro “COMBATES PELA ÁFRICA E PELA DEMOCRACIA”, da Editorial FAVRE e da autoria de ATSUTSÉ KOKOPUVI AGBOBLI.

2) A MONUA deve ser chamada à atenção de, estando em ANGOLA, com o papel que possui em todo o Processo, ela está aqui para conhecer e informar, principalmente quando há ocorrências de carácter tão sanguinário quanto a de BULA: se não foi a UNITA, conforme o testemunho dos populares feridos, então quem foi, por que foi, que objectivos teve?

A vontade política de querer salvar o processo de Paz, não pode inibir, no nosso entender, a necessidade de esclarecimento da verdade, que passa por BULA, pelo “acidente” que vitimou BLONDIN BEYE, pela ocupação de Municípios e Comunas, emboscadas e assassinatos um pouco por todo o lado do território, pelo aumento de refugiados e deslocados em número que coloca em risco a sobrevivência de largos milhares de habitantes, no fornecimento clandestino de armas e equipamentos à UNITA a partir de Países próximos e afastados, que passa pelos pronunciamentos de SAVIMBI e os apoios clandestinos e velados que ele vai cultivando um pouco por todo o MUNDO (apesar das sanções), etc., etc.

3) A ONU tem a obrigação moral e cívica de fazer funcionar o Processo de Paz no sentido da estabilidade política, económica e social do País, reforçando ao mesmo tempo a necessidade de soberania do ESTADO Angolano, cumprindo com as obrigações dos seus mandatos e estabelecendo o respeito pelos Direitos Humanos e não pode funcionar “contra natura”.

O CONSELHO DE SEGURANÇA deve ser levado a pronunciar-se sobre os sistemas clandestinos que a UNITA beneficia na ÁFRICA DO SUL, na ZÂMBIA, no TOGO, em PORTUGAL, em FRANÇA, nos EUA, na UCRÂNIA, etc., cujo “produto acabado” é o risco de guerra que pende sobre o nosso País e implica que o futuro de ANGOLA seja mais uma vez adiado.

O emissário de KOFI ANNAN deverá ser esclarecido de todas as preocupações que atingem as questões do ESTADO Angolano e as populações do País de forma tão fundamentada quanto a possível, sendo justo que o Governo Angolano exija a adopção de prazos para as iniciativas que se tomarem e medidas muito mais eficazes que as que foram tomadas na sequência das resoluções do CONSELHO DE SEGURANÇA à escala global.

02-08-1998 11:36

Fotos e ilustrações que fazem parte das pistas:
Savimbi no encontro com Ronald Reagan, na Casa Branca; Encontro de Ronald Reagan com Donald Trump em 1987; Capa do livro de Robert R. Fowler, o diplomata que produziu em 2000, com outros enviados da ONU o “Fowler Report”sobre Angola e seria em 2008, “estranhamente” raptado pelo Al Qaeda do Magreb no Níger (https://www.goodreads.com/author/show/5825183.Robert_R_Fowler); Capa de O Rapto da minha amiga (que conheci apenas via “fracebook”, Dora Fonte (http://www.fnac.pt/O-Rapto-Dora-Fonte/a735239#)…

Nota final:
Com vidas tão completamente distintas, Dora Fonte e Robert R. Fowler têm muito em comum: em 1984 e em 2008 os raptores, no quadro dum fundamentalismo sem limites, obrigaram-nos a viver vidas que qualquer um deles jamais teria sonhado que iriam viver (ou sobreviver) e ambos produziram testemunhos dessa experiência amarga que fazem parte das imensas pistas que é necessário abordar… prevenindo e acautelando sobre o futuro comum da humanidade.

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