Martinho Júnior | Luanda
Aproxima-se
a data do lançamento do terceiro livro em que comparticipo, desta feita com
Leopoldo Baio, que foi o Director do desaparecido semanário “ACTUAL”.
O
livro “Angola – Séculos de solidão – do colonialismo à democracia –
cronologia histórica baseada numa pesquisa analítica” vai ser lançado em
Angola pela Editora LeArtes, com uma tiragem de 1000 exemplares, com produção
duma gráfica de Luanda e em resultado de alguns financiamentos locais.
Foi
graças ao esforço e à tenacidade de Leopoldo Baio que o livro dá à estampa.
O
livro enquadra-se, em época eleitoral, na necessidade de reforçar as linhas
progressistas do MPLA, tendo em conta muitas lições que nos acodem não só do
seu passado de luta, mas também e inclusive da contemporaneidade.
Tenho
vindo a aprofundar, à medida que o tempo vai passando, as linhas de abordagem e
análise, de forma a contribuir para que se possa avançar no conhecimento sobre
muita coisa que deve preocupar os patriotas angolanos e a sua vocação dirigida
ao futuro.
As
séries, que ainda estão em curso, relativas aos temas “UMA LONGA LUTA EM
ÁFRICA” e “PORTUGAL À SOMBRA DE AMBIGUIDADES AINDA NÃO ULTRAPASSADAS” comprovam
e servem de exemplo enquanto esse esforço.
Os
temas são inesgotáveis e implicam no reforço das linhas progressistas do MPLA, jamais
esquecendo que “o mais importante é resolver os problemas do povo”.
Aqui
segue mais um tema que consta no livro que vai ser apresentado em breve.
A
DERROTA DE MOBUTU EM CABINDA
O
ano de 1975 foi decisivo para a independência de Angola, que face à decisão de
Henry Kissinger e da administração Ford, só tinha uma solução: fazer
militarmente frente em todo o espaço nacional à tentativa de tomada do poder
por parte daqueles que representavam o jogo da estratégia neocolonial em Angola
e em África, no seguimento aliás das iniciativas que haviam antes tomado com o
colonialismo português.
A
FNLA, as FLECs e a UNITA, cada qual com sua institucionalizada conjuntura
etno-nacionamista, comportaram-se na altura como dóceis instrumentos
disponíveis aos interesses norte americanos, obedientes ao seu “diktat” militar
e por isso granjearam todo o tipo de apoios dos regimes ditatoriais que
controlavam estados como o Zaire e a África do Sul.
A
África do Sul não possuía fronteiras com Angola, mas o regime do “apartheid” utilizava
a Namíbia ocupada, por eles denominada de Sudoeste Africano, para intervir e
procurar impor seus próprios interesses coligados ao ocidente e a Israel, no
eixo dos interesses em África do “lobby” dos minerais, (que nos Estados Unidos
são um dos suportes históricos dos Democratas).
Angola
que tanto carecia de unidade em torno do MPLA, sofreu a invasão pelo sul, pelo
norte e Cabinda não podia ser excepção, tendo em conta o carácter de rapina da
ditadura de Mobutu e o seu enlace com os interesses integrados nos Estados
Unidos e nos peões que constituíam a França e a Bélgica, enquanto antigas
potências coloniais com interesses neocoloniais na região.
As “South
Africa Defence Forces” e as “Forces Armées Zairoises” constituíram
em ambos os casos a coluna vertebral do esforço de guerra em suporte da UNITA (“SADF”)
e da FNLA e FLECs (“FAZ”), reforçando-se com a CIA, com os mercenários e com os
portugueses que na sequência da colonização pretendiam neocolonialismo para
Angola (FRA, ESINA e ELP).
O “US
C4 cargo ship American Champion BT 1963”, um navio norte-americano com
capacidade de transporte de material de guerra (explosivos inclusive),
transportou até Matadi o arsenal que havia de servir os interesses de Mobutu
tanto em direcção a Luanda (em suporte de Holden e da FNLA), como em direcção
de Cabinda (em suporte de NZita Tiago e da “ala” FLEC suportada por Mobutu).
A
CIA nessa época, financiou ainda mercenários franceses que se dispuseram na
artificiosa articulação que tinha a FLEC “zairense” como bandeira, o
que evidenciava a oportunidade de, no seguimento dos interesses coloniais,
Mobutu atiçar os interesses neocoloniais com quem ele tão bem se identificava.
Se
em direcção à capital os invasores sofreram derrotas em Quifangondo e no Ebo,
pondo fim à tentativa de tomada de poder em Luanda, a derrota de Cabinda não
foi de menor importância, pois estavam em jogo recursos naturais decisivos e a
FLEC, tendo NZita Tiago à cabeça, funcionou como o instrumento das pretensões
do regime de Mobutu instigado por sua vez pelos norte-americanos sob os
auspícios da administração Ford e de Henry Kissinger.
Nessa
altura os interesses da multinacional que tutelava a “Cabinda Gulf Oil
Company”, ao contrário dos interesses da ELF francesa, distanciou-se da
agressão militar e manteve, no quadro do “lobby” da energia e do armamento
enquanto tradicional suporte dos Republicanos, uma posição de relativa
distância em relação ao duo Ford – Henry Kissinger.
Ficou
a nu o carácter da “multifacetada” FLEC: incapazes de alianças com o
campo progressista numa altura em que elas eram tão evidentes, as “tendências” sempre
foram um cadinho de interesses neocoloniais que correspondiam a forças externas
prontas a desintegrar Angola, ávidas de se apossarem do petróleo do noroeste
angolano e que enquanto existirem não vão deixar de manipular.
Os
colonialistas portugueses haviam valorizado esse tipo de aptidões e utilizaram
a seu tempo o seu poder e o seu empenho inteligente: às FLECs foram buscar
Alexandre Tati e com ele formaram os “pseudo terroristas” e as “tropas
especiais” que procuravam combater e infiltrar aqueles que estavam dispostos
para a luta, particularmente os que integravam as fileiras do MPLA, que aliás
mantinham actividade na parte nordeste da sua 2ª Região Militar, em pleno
Maiombe.
As
FLECs em 1975 reflectiam precisamente esse quadro, que favorecia as pretensões
conjugadas particularmente de Henry Kissinger, de Mobutu e até de António
Spínola (em conformidade com o“encontro do Sal”).
Se
havia interesses nos Congos e com eles da França, assim como da CIA, a favor da
desagregação de Cabinda de Angola, a ponto de conduzir as dóceis FLECs para a
órbita de seus interesses próprios através da agressão a partir do território
zairense, não havia razão alguma para a perspectiva progressista e para o MPLA,
em não assumir a defesa da integridade de todo o território angolano.
As “evocações
históricas” relativas ao Tratado de Simulambuco eram (e são) um dos
argumentos de propaganda de sustentação das FLECs, que remetia (e remete) para
um singular acordo colonial que corroborava os postulados da Conferência de
Berlim, sem qualquer audição e respeito para com os interesses africanos que
não existiam perante os apetites coloniais.
Em
Simulambuco como em Berlim fez-se tábua rasa, por exemplo, da existência
histórica do Reino do Congo, que abarcava uma vasta região que ia a sul desde
as actuais Províncias do Zaire e do Uíge em Angola, integrava o Bas Congo,
Cabinda e a região costeira da República do Congo e terminava a norte na parte
sudoeste do Gabão.
Quantas
vezes não haviam os portugueses reconhecido, negociado e se relacionado com o
Reino do Congo?...
…E
não era Mbanza Congo, capital da que é hoje província angolana do Zaire, a
capital desse reino?
O
colonialismo foi dividindo e confundindo sempre para melhor reinar e esse facto
é mais evidente quando surgem situações como Cabinda e os Grandes Lagos, por
exemplo.
O
neocolonialismo sempre que pode e de acordo com interesses, conveniências e
conjunturas, segue os mesmos critérios e o Congo, que é decisivo para África,
quando está em jogo disputas sobre as riquezas, tem sido terreno pródigo de
todo o tipo de manipulações.
Para
Angola garantir todo o seu espaço nacional era o objectivo na perspectiva das
definições de soberania interpretada e estabelecida pelo MPLA, que nunca
escondeu o seu “de Cabinda ao Cunene e do mar ao leste”, pelo que Cabinda
havia sido um elemento importante na fermentação do esforço guerrilheiro.
Em
Cabinda e muito antes do 25 de Abril de 1974, estiveram também a combater pela
libertação de Angola alguns combatentes da “coluna Patrice Lumumba” das
Forças Armadas Revolucionárias de Cuba, entre eles o General Rafael
Moracén, “Quitafusil”.
Em
Cabinda, mais propriamente na área do Tchizo, morreu em combate o Comandante
Gika, Gilberto Teixeira da Silva, Comissário Político do Estado-Maior das
FAPLA, um herói da independência de Angola, lembrado pelo actual Governador que
foi um dos combatentes que viveu o “laboratório” da IIª Região do
MPLA.
O
Tchizo tem sido um local votado ao abandono e só agora começaram as
preocupações com sua reabilitação.
Uma
pesquisa na Internet via Google, é óptimo para fazer o contraste entre aquela
época gloriosa para o movimento de libertação em África e aqueles que segundo a
lógica capitalista até do nome se apropriam para seus empreendimentos
multimilionários, os seus negócios, o seu exacerbado egoísmo produtor de
desequilíbrios e de injustiças sociais que vão crescendo em ordem geométrica:
quantos links não estão vinculados ao “empreendimento Gika” opções de
determinados membros das “novas elites” angolanas e de seus “parceiros” internacionais?
Nenhum
desses links, por si sós denunciadores dos interesses dos oportunistas
contemporâneos aliados aos interesses que chegam do exterior (alguns deles
conhecidos pelas suas opções em tempo contra a própria independência de Angola)
se referem ao homem, ao revolucionário, ao herói que foi e é (para aqueles que
têm memória e sabem respeitar a dádiva dos melhores filhos de Angola) o
Comandante Gika, nem sequer se referem ao facto das construções estarem a ser
erigidas em terrenos que antes pertenceram ao estado angolano, onde existia a
Escola (militar) Comandante Gika!...
Os “empreendimentos
Gika” são de facto uma subversão à personalidade e ao carácter
revolucionário do Comandante Gika, um visionário com sentido de vida que foi um
exemplo de patriota, capaz do sacrifício supremo, como a maior das dádivas que
se dispôs a oferecer ao povo angolano!
…
Era plano do Presidente Agostinho Neto transformar essas instalações e esses
espaços em escolas, talvez mesmo universidades…
…A
presença cubana em Cabinda em 1975 e em missão internacionalista em
interligação com o MPLA era a sequência lógica duma aliança que já tinha 10
anos e que fora lançada em Brazzaville a 2 de Janeiro de 1965 pelo Presidente
Agostinho Neto e pelo Che.
Muitos
angolanos naturais de Cabinda integraram desde sempre as fileiras do MPLA,
foram guerrilheiros e dirigentes, são dirigentes, deram e dão valor ao facto de
no MPLA ser constante a luta contra o tribalismo e o racismo, mesmo que em tal
difícil processo hajam avanços, recuos, certezas e incertezas.
As
ideologias que professaram nada tinham a ver com os “conceitos” de
Berlim, nem de Simulambuco, nem com os conceitos postos em prática por etno
nacionalismos que faziam o “jogo” dos interesses conotados com o
império…
O
MPLA quando foi expulso de Kinshasa, sofreu na carne de muitos dos seus filhos
as injustiças do regime de Mobutu… muitos perderam nessa altura as suas vidas…
Há
40 anos por Angola morreu o Comandante Rafael Zembo Faty, “Veneno” patriota
natural de Cabinda, que comandava a coluna que a partir do leste procurava
atingir a 1ª Região, o herói das colunas Ferraz Bomboko – Benedito.
Para
o MPLA foi sempre assim: mesmo hoje em que a lógica capitalista está aí
instalada a coberto da“democracia representativa” mantém a necessidade de
luta por uma identidade nacional forte, capaz de vencer tribalismos e racismos
– para lá da ideologia, essa evocação constante foi garantida através do
sangue, do suor, das lágrimas, da unidade fomentada pela solidariedade, por
muitos dos seus militantes anos a fio, mesmo que muitos deles não se
identifiquem hoje com o carácter do poder contemporâneo em Luanda que cada vez
mais se parece ir assemelhando ao carácter do regime apodrecido de Mobutu!
Savimbi
quis contrapor o interior ao litoral, o autóctone ao crioulo, mas essa cópia de
mau agoiro da“autenticité”, não demoveu a vontade do povo angolano.
Sobre
as cinzas coloniais de Berlim e de Simulambuco aqueles que se empenham nesse
esforço comum não se deixam confundir e sabem que a grande batalha de
integração ainda não terminou, por que agora o capitalismo estabelece o “apartheid” social
que constitui parte da sua génese e manipulação em Angola.
Angolanos,
congoleses (a República do Congo com Marien NGouabi prestou todo o apoio ao
MPLA e às FAR) e cubanos que seguiram as pisadas do Che e de Agostinho Neto em
África, valorizaram também em Cabinda e na ocasião de 11 de Novembro o triunfo
do mundo progressista e do internacionalismo e essa é a maior riqueza que ainda
hoje para muitos antigos combatentes, patriotas e internacionalistas se
preserva, independentemente de quem está pronto para os negócios, ou para
os “jogos africanos” à imagem e semelhança do que fizeram com e a
partir de Bicesse, ou de Gbadolite, ou de Lusaka!
Felizmente
há quem ainda se não atraiçoe, por que sendo perseverantes na sua própria
memória, continuam a saber interpretar com fidelidade, face à barbárie e ao
caos, o sentido ético da vida!
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