domingo, 29 de janeiro de 2017

EUA. Casa Branca amacia decisão e deixa entrar imigrantes com visto



Casa Branca vai manter proibição que está a levantar protestos em todo o Mundo, mas vai deixar entrar os imigrantes dos sete países afetados que já tinham visto de residência permanente.

Uma juíza de Nova Iorque decretou, este sábado, a reversão parcial da ordem do presidente norte-americano de suspender a autorização da entrada de refugiados e muçulmanos de sete países.

A decisão judicial, que foi depois seguida por outras semelhantes decretadas por diferentes tribunais, conseguiu impedir a deportação de estrangeiros que aterraram nos aeroportos norte-americanos, na sequência da ordem executiva emitida por Donald Trump e que provocou protestos e o caos em aeroportos de todo o mundo.

A nova administração da Casa Branca tinha dado ordem para suspender por 120 dias a entrada de refugiados em solo dos EUA. Mas não só: Trump definiu que qualquer cidadão da Síria, Irão, Líbia, Somália, Sudão e Iémen não podia entrar no país nos próximos 90 dias. Mesmo os que eram portadores de visto de residência permanente no EUA, o chamado "green card", e que se tinham deslocado aos seus países para funerais, férias ou outro motivo normal.

A ordem executiva emitida pelo presidente norte-americano prevê, porém, que os cristãos desses sete países possam viajar para os EUA. Para Trump, as minorias cristãs que estão a ser perseguidas em algumas dessas nações muçulmanas devem ser ajudadas.

Esta tarde, segundo o "The New York Times", a Casa Branca veio esclarecer que, afinal, os cidadãos daqueles sete países que possuem uma autorização de residência permanente ('green card') nos Estados Unidos afinal "não são afetados". A clarificação foi feita hoje ao canal NBC pelo chefe de gabinete da Casa Branca, Reince Priebus, adiantando, no entanto, que poderão ser questionados aprofundadamente à sua chegada ao país.

Os funcionários dos serviços de fronteiras vão manter "autoridade discricionária" para deter e interrogar passageiros suspeitos desses países.

A decisão executiva vai manter-se, sublinha a o governo, nos restantes casos.

Aliás, Trump, usando o Twitter, reafirmou a sua vontade em manter a proibição: "O nosso país precisa de fronteiras sólidas e de um escrutínio extremo, agora. Vejam o que está a acontecer em toda a Europa e, certamente, no mundo - uma confusão terrível".

Ontem, a imprensa norte-americana encheu-se de histórias de cidadãos daqueles países de maioria muçulmana - cientistas, estudantes e pessoas sem qualquer historial de ameaça à segurança dos EUA - , mas com dupla nacionalidade ou com autorização de residência, que foram surpreendidos nos aeroportos dos seu países com a ordem executiva, que os impedia de embarcar de volta para os EUA. Outros ficaram detidos à chegada aos aeroportos norte-americanos e ficaram detidos, a aguardar deportação.

O "The Guardian" referiu ainda que o decreto judicial se aplica apenas aos que já estavam em território americano ou a caminho, ou seja, que estavam já a voar para a América ou já num aeroporto americano quando os efeitos da ordem de Trump começaram a produzir-se. Para já, as deportações foram impedidas, mas a decisão judicial não dá autorização de entrada imediata nos EUA aos que ficaram retidos nos centros de detenção.

Não é claro o que acontecerá aos que aguardam, nos aeroportos de todo o Mundo, autorização para voltar aos EUA.

O Departamento de Estado responsável pela implementação da medida, já declarou que iria no entanto continuar a aplicar a ordem de Trump, ainda que diga que vai cumprir também a decisão judicial. "A diretiva [da Casa Branca] é um primeiro passo no sentido de voltar aestabelecer o controlo sobre as nossas fronteiras e segurança nacional", informou o governo.

O "The New York Times" diz também que as autoridades norte-americanas acabaram por conceder autorizações de entrada a 81 pessoas. Não é claro ainda o número total de cidadãos que estão, nos aeroportos norte-americanos, detidas.

O porta-voz da Casa Branca, Sean Spicer, indicou que dos 325.000 estrangeiros que chegaram aos Estados Unidos no sábado "109 pessoas" passaram por um controlo reforçado. Para "garantir que as pessoas que deixamos entrar no nosso país vêm com intenções pacíficas", declarou hoje ao canal ABC.

"Não queremos deixar que se infiltre alguém que procure prejudicar-nos. É tudo. Sei que em alguns casos isto vai causar inconvenientes", adiantou.

Vitória para os defensores dos imigrantes

O bloqueio das deportações foi, ainda assim, uma vitória para os defensores dos imigrantes, que elogiaram a decisão da juíza Ann M. Donnelly, do Tribunal do Distrito Federal de Brooklyn (Nova Iorque).

A decisão de Donnelly de fazer uma suspensão temporária da ordem aconteceu depois de dezenas de passageiros -- entre 100 e 200, de acordo com o New York Times -- terem sido detidos ao chegarem aos aeroportos nos EUA e ameaçados de expulsão.

A decisão vai no sentido de as autoridades norte-americanas não procederem a nenhuma deportação de cidadãos dos sete países de maioria muçulmana visados pelo decreto de Trump.

Várias associações, incluindo a União das Liberdades Civis na América (ACLU), tinham desafiado na justiça na manhã de sábado a nova medida de Donald Trump sobre "a proteção da nação contra a entrada de terroristas estrangeiros nos Estados Unidos".

As associações consideram a medida discriminatória e anticonstitucional uma vez que se aplica aos cidadãos com os documentos em dia. Elas invocam a quinta emenda, alegando que as questões relacionadas com os documentos não podem ser decididas arbitrariamente pelo governo e necessitam de uma decisão da justiça.

A decisão da juíza Donnelly, que não se pronunciou sobre a constitucionalidade da medida, não resolveu, todavia, toda a questão, reconheceu o advogado da ACLU Lee Gelernt, ao invocar uma nova audição para fevereiro.

"O importante esta noite era que ninguém fosse colocado (de volta) num avião", disse Gelernt à saída do tribunal.

Igualmente indicou que a juíza tinha ordenado ao governo comunicar a lista de todas as pessoas detidas nos aeroportos norte-americanos desde sexta-feira. Isso deverá permitir às associações poderem mobilizar-se por todos os visados, precisou.

Outro juiz federal da Virgínia anunciou uma decisão semelhante, desta vez visando os passageiros detidos no aeroporto de Dulles, perto de Washington, segundo o diário The Charlotte Observer.

A mobilização de associações começou após a detenção de dois iraquianos na noite de sábado no aeroporto JFK em Nova Iorque, que estavam ligados ao governo norte-americano no Iraque e possuem vistos de viagem válidos.

No sábado de manhã, assim que a queixa foi interposta na justiça, e depois que Donald Trump afirmou que a aplicação do decreto "estava a correr muito bem", várias associações convocaram manifestações nos aeroportos do país.

Milhares de pessoas responderam à convocatória, enquanto outros saudavam as detenções nas redes sociais, ilustrando a divisão do país.

No JFK, dois representantes democratas de Nova Iorque no Congresso, Jerry Nadler e Nydia Velasquez, juntaram-se aos manifestantes e negociaram, ao longo de todo o dia, com a polícia do aeroporto.

Estes conseguiram a libertação de um dos iraquianos que trabalhava para empresas dos EUA e para o consulado norte-americano de Erbil, no curdistão iraquiano, Hameed Khalid Darweesh, que saiu do aeroporto sob o apoio dos manifestantes que gritavam palavras de ordem como "Bem-vindo" ou "Os muçulmanos são bem-vindos".

Estas mobilizações e primeira decisão na justiça deixam antever um longo braço de ferro entre os defensores dos imigrantes e a administração de Trump.

"Esta é a primeira etapa numa longa batalha nos tribunais", disse Michael Kagan, especialista em lei de imigração na Universidade de Nevada.

"Estamos a preparar-nos para uma guerra de trincheiras jurídica desde a eleição", acrescentou.

Para este jurista, o rumo desta batalha perante os tribunais é incerto uma vez que "não tem precedentes na história recente norte-americana".

Tudo depende da atitude dos juízes, podendo seguir até ao Tribunal Supremo, que não se pronuncia sobre questões de imigração deste tipo desde a lei sobre a exclusão dos chineses (Chinese Exclusion Act) adotada em 1882, incluindo daqueles que residiam legalmente nos Estados Unidos e tiveram de retornar temporariamente ao seu país de origem.

MCC com Lusa – Jornal de Notícias

EUA, O TITÃ EPILÉTICO – PERIGOSO COMO UMA FERIDA



Christophe Trontin

Desde o 11 de setembro de 2001 os EUA deixaram de ser como eram. Com a eleição de Donald Trump, continuam a sua descida aos infernos. Os EUA triunfantes, imperiais, dominadores, às vezes generosos, estão irreconhecíveis. Vejam-se debates no Youtube, entrevistas na Fox News, na CBS, na HBO... A paranóia atingiu níveis desconhecidos desde a época do macarthismo.

O mundo é visto ao contrário através do espelho da duplicidade de critérios: os carrascos, erigidos em vítimas. Fazendo pirataria informática desde há décadas em servidores e routers por todo o mundo, a empresas e Estados, aliados ou inimigos, eles queixam-se agora de "cyber-ataques" russos e chineses; patrocinam centenas de grupos terroristas e ONGs subversivas, mas temem os ataques da Al-Qaeda e do Daesh. Campeões da manipulação de eleições estrangeiras, fulminam Putin que teria alterado a sua.

Rumores, afirmações, relatos interpretados e reinterpretados até à náusea... O síndroma das conspirações e complôs alastra como um cancro desde as camadas mais modestas até às castas mais privilegiadas de Washington. Barack Obama cedeu ao ambiente de histeria e denúncia sem provas, a "mão de Moscovo", que teria feito eleger Donald Trump (sem, no entanto, veja-se o disparate, ter influenciado o voto ou a contagem dos votos, de acordo com o relatório da CIA e com o FBI a reservar a sua posição).

Expulsão de diplomatas, reforço das sanções, demonização mediática sem precedentes do presidente Putin, tudo isto leva a medidas desesperadas, mesmo que ineficazes, para interferir tanto quanto possível nas relações da futura administração com o Kremlin. Mesmo antes da entrada em funções do bilionário o populismo assentou arraiais na Casa Branca, o futuro poder vai abertamente ser uma luta entre os magnatas do petróleo e os membros da família.

Nepotismo, corrupção, histeria dos media: o colapso do império.

As eleições de novembro de 2016 revelaram a amplitude do mal-estar. Durante a campanha, muitos americanos lamentaram as escolhas desastrosas em que estavam envolvidos. Num país cheio de pessoas criativas, carismáticas e talentosas, esta alternativa entre a peste e a cólera que o sistema primário lhes tinha deixado foi algo de surreal, escandaloso.

Os EUA abordam uma fase crítica de sua história e o mundo inteiro com eles. O risco é enorme: perigosos como uma fera ferida, vêem inimigos nos quatro cantos do mundo. Envolvidos numa lógica cheia de contradições, entregam-se a uma guerra implacável, por interpostos aliados. Cegos pelas suas dores, atormentados por um terror impotente, reagem com exagero, golpeiam, descontrolam-se, parecem prontos para arrastar o resto do mundo a qualquer momento para uma guerra mundial suicida.

Observando os violentos discursos que grassam nos ecrãs americanos, é como se revíssemos os do fim da União Soviética. A dimensão da catástrofe não é a mesma (ainda), mas a síndrome é semelhante. Um país acostumado à supremacia, a uma obediência incondicional dos seus vassalos, ao temor respeitoso dos seus inimigos, acorda e vê-se de repente a nu, endividado, ridicularizado. Em todas as frentes onde alguma vez dispôs a sua força incomparável, apareceram inimigos ou reforçaram-se os que desafiavam a sua supremacia. A sua superioridade militar é disputada, o seu domínio económico não é mais do que uma memória. O privilégio exorbitante do dólar, coração do sistema está ameaçado.

Mas há pior. As políticas de curto prazo, a corrupção maciça, os gastos irresponsáveis causados pelas aventuras militares recentes, causaram um caos interno bem analisado por alguns observadores estrangeiros e completamente ignorados pela maior parte dos analistas dos EUA, num curioso exercício de negação nos media. Bernie Sanders foi o único a fazer soar o alarme, e mesmo que tenha sido ouvido por um grande número de cidadãos das classes pobres, foi rapidamente afastado por Clinton e a elite liberal do Congresso democrático.

Endividamento maciço dos estudantes, superpopulação prisional, polícia perseguindo impunemente os cidadãos, desbragado populismo dos juízes, devastação social pelos empréstimos usurários às camadas populares, ausência de protecção social para os trabalhadores pobres, desigualdade de rendimentos e patrimónios superior a todos os registos históricos conhecidos, retorno das tensões raciais... A sociedade dos EUA está doente, a sua condição deteriora-se e a presença de armas de fogo em cada armário ou gaveta do país é uma bomba relógio que espera a sua hora. De um momento para o outro, aparentemente assim que Donald Trump tiver esgotado sua capacidade já muito limitada de promover a unidade, o desespero irá explodir e o país dividir-se.

As consequências serão terríveis para os EUA e para o mundo. Os humoristas associam-se a esta ideia e sugerem que Donald Trump não seria o 45º, mas o último presidente dos EUA. E se estiverem certos?

Muito se divagou sobre a periculosidade de Saddam Hussein ou Kim Jong-un. Sobre a necessidade de desarmar o Irão. Sobre a ameaça chinesa, sobre o intervencionismo de Putin. Deve notar-se que essas ameaças e riscos são apenas bagatelas face a uns EUA desestabilizados lutando contra seus fantasmas, querendo tratar todos os problemas com bombardeamentos e projectando o seu caos num número crescente de países. Quem o trará à razão? Quem o vai desarmar? Quem provocará uma indispensável mudança de regime... em Washington?

Mais que ridicularizar os infortúnios da ex-primeira potência, o resto do mundo faria melhor em se preocupar com as consequências catastróficas do seu agora provável colapso. Tomar tal como a China, a Rússia e sem dúvida outros, discretas medidas preventivas para ficar na medida do possível longe das convulsões do titã epiléptico. 

O original encontra-se em

Apocalipse: RTP



Recentemente, explodiu nas televisões americanas um novo tipo de «documentário» a que chamam docufiction. Ficção apresentada como se abordasse uma realidade factual. É o caso da série da RTP dedicada a Stáline. Uma fraude documental com um objectivo ideológico preciso, no ano em que se celebra o centenário da Revolução de Outubro. A RTP, paga por todos nós, dá tempo de antena a propaganda que os nazis não desdenhariam.

António Santos, opinião

Acabo de assistir a «O Demónio», o primeiro episódio da mini-série «Apocalipse: Estaline». Durante uma hora, Isabelle Clarke dedica o seu «documentário» a convencer-nos de que Estaline foi o que o título diz: um demónio. Veja-se: «Lénine e um punhado de homens lançaram a Rússia no caos. (…) Como os cavaleiros do Apocalipse, os bolcheviques semeiam morte e destruição para se manterem no poder. Continuarão durante 20 anos, até os alemães chegarem às portas de Moscovo». Estaline surge como um «louco», «sexualmente insaciável» e com uma «mentalidade próxima dos tiranos do Médio Oriente» [sic] que só Hitler pode parar. Num frenesim anacrónico, o espectador é levado de «facto» em «facto» sem direito a perguntas nem a explicações. Para trás e para a frente, dos anos quarenta para o final do século XIX, de 10 milhões de mortos na guerra civil russa para 5 milhões de mortos no «holodomor: a fome organizada por Estaline», o puzzle está feito para ser impossível de montar. Ao narrador basta descrever o que, a julgar pelas imagens de arquivo, é aparentemente indesmentível: «os camponeses ucranianos, vítimas das fomes estalinistas abençoam os invasores alemães. Mais tarde serão enforcados pelos estalinistas. A conjugação das imagens de arquivo colorizadas é tão brutal e convincente que somos tentados a concordar com as palavras do narrador: «Estaline declarou guerra ao seu próprio povo». São os «factos alternativos» de Trump aplicados à História.

Só há dois problemas. Primeiro: Isabelle Clarke, a autora, admite que «Apocalipse: Estaline» não é História nem tem pretensões de querer sê-lo. Vou repetir, a autora admite que aquilo que fez não tem nada a ver com História. Podia terminar aqui. Mas, em segundo lugar, será que a RTP, canal público pago por todos nós para cumprir a missão de educar e informar, sabia que estava a comprar ficção em vez de História?

Claramente a História, enquanto ciência social, passe a inelutável normatividade a que estamos presos, é incompatível com a calúnia e a propaganda ou, numa palavra, a demonização. «Apocalipse: Estaline - O Demónio» não disfarça a demonização, disfarça a ficção.

Então, o que é «Apocalipse, Estaline»? Recentemente, explodiu nas televisões americanas um novo tipo de «documentário» a que chamam docufiction. Exemplos recentes são «Sereias: o cadáver encontrado» ou «Megalodon, o tubarão monstro vive». Em ambos, o documentário da Discovery Channel dá a palavra a cientistas, investigadores, professores e biólogos que explicam a descoberta científica de sereias, no primeiro caso e de um tubarão jurássico, no segundo. Durante uma hora, o espectador assiste a filmagens convincentes dos míticos criptídos e ouve especialistas, identificados como tal, debater as possíveis explicações para as descobertas serôdias. No final, em letra de efeitos secundários de bula de medicamento, admite-se, para quem ainda estiver a ver, que era tudo a fingir: os especialistas eram actores, as imagens eram fabricadas. «Apocalipse, Estaline» faz algo parecido: no final ficamos a saber a que «historiadores» foi beber inspiração: a romancista Svetlana Alexievitch, uma versão actualizada de Alexander Soljenitsyne; Robert Service, o mais proselitista e criticado dos historiadores-pop contemporâneos ou Pierre Rigoulot, um ex-trotskista transformado em neocon apoiante de Bush e fã confesso da guerra do Iraque. Trata-se contudo de menções honrosas e agradecimentos. Mas de onde vêm as citações? Onde foi buscar os números? Quais são as fontes? Raquel Varela coraria de vergonha alheia.

Não se trata de admirar ou condenar Estaline, trata-se de não sermos tomados por parvos. «Apocalipse: Estaline» não é ficção nem História: é uma falsificação estupidificante e tóxica para o público. Como os novos «documentários» sobre sereias e tubarões jurássicos, que confundem ciência com ficção, a RTP acabou de confundir História com propaganda nazi.



Portugal. PASSOS PERDIDO



Pedro Silva Pereira* - Jornal de Notícias, opinião

Desesperado por mostrar serviço na Oposição e proteger o seu lugar de líder partidário das investidas dos seus mais impacientes correligionários, Passos Coelho, mais uma vez, não olhou a meios e foi ao ponto de tentar boicotar o acordo de concertação social para o aumento do salário mínimo, não hesitando em trocar a coerência das suas posições pelo objetivo mesquinho de tentar criar um embaraço ao Governo. Pelo caminho, desprezou olimpicamente o interesse nacional e a história do seu partido, e afrontou os parceiros sociais e o próprio presidente da República.

A resposta que Passos Coelho merecia não se fez esperar: em vez de ficar embaraçado, o Governo de António Costa, com tremenda eficácia e capacidade de gestão política, foi capaz de encontrar, em apenas 24 horas, uma solução alternativa para a redução da TSU, assegurando o apoio firme dos parceiros sociais e da própria maioria de Esquerda. Tudo visto, o resultado não podia ser mais catastrófico para Passos: não só viu exposta a sua incoerência e o seu taticismo aos olhos do país inteiro, como tem agora pela frente, e contra si, uma frente unida, política e social, que vai do Partido Comunista às Misericórdias, passando pelo PS, o Bloco, o PEV, o PAN, os empresários de todos os setores e até as IPSS, incluindo as ligadas à Igreja.

Se a disponibilidade dos parceiros sociais para convergirem de forma tão expedita no apoio à alternativa proposta pelo Governo não pode deixar de ser considerada uma "bofetada de luva branca" no líder do PSD, no plano político o que antes era um fator de divisão na maioria tornou-se uma nova oportunidade para o Governo reconfirmar a solidez da maioria parlamentar que o apoia.

Pior ainda, no decurso da controvérsia, Passos Coelho (no Parlamento) e o líder parlamentar Luís Montenegro (à Comunicação Social, nos Passos Perdidos) deixaram cair, e acabaram por confessar, a verdadeira razão da oposição do PSD ao acordo de concertação social: o que o PSD verdadeiramente acha é que o aumento do salário mínimo para 557 euros "é excessivo". É claro, já suspeitávamos. Mas é sempre bom ver as coisas esclarecidas.

* Eurodeputado

Portugal. Jerónimo de Sousa diz que a crise "continua sem fim à vista"



O secretário-geral do PCP disse, este sábado, que a crise iniciada em 2007/2008 "continua sem fim à vista", responsabilizando a agenda "capitalista" da União Europeia e as forças políticas da direita em Portugal.

"Assistimos à aceleração da integração capitalista da União Europeia que, assumindo a mesma agenda do capitalismo dominante de liberalização, privatização e financeirização da economia, de ataque aos direitos laborais e sociais, contribuiu com a conivência e iniciativa própria das forças da política de direita em Portugal, para uma acentuada fragilização e dependência do país", criticou Jerónimo de Sousa na sessão de abertura das comemorações do centenário da Revolução de Outubro, em Lisboa.

O líder comunista afirmou que os últimos anos de Portugal são "um exemplo esclarecedor do que é o capitalismo" e confirmam que "o capitalismo não tem soluções para os problemas do mundo contemporâneo".

Pelo contrário, "a sua ação aprofunda todos os problemas", sublinhou, dando como exemplo os aspetos negativos para Portugal "da integração capitalista da União Europeia", em termos de "liquidação e privatização dos setores estratégicos da economia nacional" e "destruição dos principais setores produtivos nacionais".

"Uma evolução que conduziu o país à estagnação crónica e à crise que está longe de ultrapassar", disse Jerónimo de Sousa, apontando "consequências desastrosas" para Portugal, como o desemprego, precariedade, mais dívida pública, maior endividamento, das empresas e das famílias, e aumento da pobreza.

"A incapacidade para reanimar a economia está a acelerar a centralização e concentração do poder económico e político e a animar derivas securitárias e militaristas", destacou igualmente o secretário-geral do PCP.

Jornal de Notícias

Guiné Equatorial. OBIANG NGUEMA DÁ ASILO A EX-DITADOR DA GÂMBIA EM FUGA


Governante da Guiné Equatorial diz que receber ex-PR da Gâmbia pretenderia evitar nova guerra

O terceiro vice-primeiro-ministro da Guiné Equatorial, Alfonso Nsue Mokuy, disse hoje à Lusa desconhecer se o antigo Presidente da Gâmbia se refugiou no seu país, mas defendeu que essa possibilidade pretenderia evitar uma nova guerra em África.

Partidos da oposição na Guiné Equatorial criticaram nos últimos dias a decisão do Governo de acolher, no exílio, o ex-líder da Gâmbia, Yahya Jammeh, que deixou o país neste fim-de-semana, depois de 22 anos no poder.

O ministro equato-guineense, que hoje se deslocou a Lisboa para encontros sobre modernização administrativa, disse à Lusa não poder confirmar se Jammeh está na Guiné Equatorial, justificando que acabou de chegar de uma missão ao Peru e segue, ainda hoje, para Frankfurt, na Alemanha.

"É uma informação que também recebemos, mas há que explicar que o tema da Gâmbia estava quase a transformar-se numa guerra civil e África está cansada de guerras", afirmou o governante.

Alfonso Nsue Mokuy referiu que "se o Governo da República de Guiné Equatorial acreditou que a solução para evitar mais uma guerra em África era permitir que o antigo Presidente [Yahya Jammeh] estivesse na Guiné Equatorial, fê-lo conhecendo os ideais do pan-africanismo que encarna o Presidente" equato-guineense, Teodoro Obiang Nguema, no poder desde 1979.

"No caso de ter sido isso, teríamos sido movidos pelos valores do nosso pan-africanismo e do nosso humanismo", sublinhou.

Questionado sobre as críticas de partidos da oposição quanto a esta possibilidade, o terceiro vice-primeiro-ministro da Guiné Equatorial recordou que ele próprio é de um partido da oposição, coligado com o Governo liderado por Teodoro Obiang.

"Os partidos políticos e os seus representantes devem falar, criticar, para dizerem o que querem, o que é muito diferente de ser a realidade em determinadas circunstâncias", considerou.

Jammeh perdeu as eleições presidenciais, em dezembro passado, mas recusou sair do poder, na sexta-feira passada, o que obrigou o seu sucessor, Adama Barrow, a tomar posse no Senegal.

Jammeh, que esteve 22 anos no poder, a que acedeu através de um golpe de Estado, propôs-se a abandonar a presidência do país logo após a vitória eleitoral do adversário, Adama Barrow, mas depois mudou de ideias.

Inicialmente, aceitou a derrota no escrutínio de 01 de dezembro e felicitou publicamente o vencedor, Adama Barrow, candidato da oposição coligada, mas depois viria a ordenar ao exército que invadisse a sede da comissão eleitoral e contestando os resultados eleitorais junto do Supremo Tribunal.

Na sexta-feira passada, Adama Barrow assumiu o cargo numa cerimónia na embaixada gambiana no vizinho Senegal, depois de, à meia-noite, ter terminado o mandato de Jammeh.

Tropas do Senegal e de outros países da África Ocidental posicionaram-se então nas fronteiras da Gâmbia (um enclave no território do Senegal com acesso ao oceano Atlântico) com a intenção de forçar o Presidente cessante a ceder o poder, mas a saída de Jammeh do país, no sábado, pôs fim à crise política.

Lusa, em RTP – Foto: O antigo ditador gambiano, Yahya Jammeh. Foto Atlasinfo

Guiné-Bissau. Um anestesista para todo o país. Grávidas morrem em todo o país



Uma mulher de 24 anos entrou no bloco operatório a esvair-se em sangue. Morreu em 20 minutos numa mesa de operações do Hospital Simão Mendes, em Bissau, vítima da urgência mais comum no país: um parto que requer cesariana.

Ia ter o primeiro filho, mas nem ela nem o bebé resistiram a uma viagem de centenas de quilómetros com uma hemorragia no útero, recorda Ramón Soto, o único anestesista de que o Estado guineense dispõe para satisfazer cerca de milhão e meio de habitantes.

Este é um dos casos com que justifica a importância da formação que está a decorrer de 35 técnicos em anestesia a distribuir pelas regiões - porque sem anestesia, não há cesariana, logo, os casos são encaminhados para Bissau por caminhos que, por vezes, mal servem para andar a pé.

Assim que terminem o curso de um ano, os 35 enfermeiros vão regressar às regiões de origem para começar a salvar grávidas de uma viagem de risco para a capital.

A taxa de mortalidade materna do país é a maior do mundo lusófono: morrem 549 mulheres por cada cem mil nascimentos (em Portugal são dez por cada cem mil, dados da Organização Mundial de Saúde de 2015).

A maioria dos partos acontece sem um profissional qualificado, acompanhamento que só é uma realidade para 45% das mães, segundo os dados do Inquérito aos Indicadores Múltiplos (MICS) de 2014.

A falta de recursos humanos é tão grande na Guiné-Bissau que é fácil ser o único profissional ou especialista em qualquer área.

Mas quando se trata de "uma especialidade como a Anestesiologia, que é 'anémica' até no primeiro mundo, com poucos profissionais", há um risco acrescido de não haver ninguém com nível científico para a praticar ou ensinar, realça Ramón Soto.

Há dois anos deixou Cuba e aceitou o desafio do programa H4+ de promoção da saúde materna e infantil, uma iniciativa de agências das Nações Unidas financiada pela cooperação sueca.

Os responsáveis pelo programa diagnosticaram o problema e escolheram Ramón Soto para o atacar, assumindo o papel de único anestesista da saúde pública de um país inteiro.

Já passou por uma responsabilidade que transformou este médico cubano, 54 anos, num homem hipertenso.

Na sala de operações, "às vezes pede-se uma epinefrina [estimulante cardíaco] e não há ou o carro de reanimação não está completo ou faltam medicamentos e tudo isso é fundamental para uma anestesia em segurança", descreve, ao falar dos sobressaltos que o consomem.

"Há problemas, há stresse", que desafiam Ramón Soto, pese embora os anos de experiência em cuidados intensivos e noutras cinco missões internacionais -- uma das quais no Iraque, que coincidiu com uma invasão militar.

Mais difícil ainda vai ser o trabalho dos técnicos em anestesia que está a formar, que podem ter que improvisar com menos meios do que na capital.

"Há muitas mortes, porque as mulheres não vão logo para o hospital. Ficam em casa e só na fase final procuram ajuda. Às vezes é tarde demais", queixa-se Júlio Nanque, 33 anos, enfermeiro no Hospital Regional de Catió, onde já viu a tragédia acontecer mais que uma vez, a 300 quilómetros da capital.

É um dos formandos que está a aprender a aplicar anestesia geral e local.

"Vamos aprender a trabalhar com epidural", destaca Maitana Cardoso, 35 anos, do Hospital de São Domingos, no norte, a meia-dúzia de quilómetros do Senegal.

A anestesia obstétrica está no centro da formação.

Resta saber se depois de colocados os novos técnicos, as grávidas conseguem ter tudo o resto do seu lado, para afastar o risco de morte, porque problemas não faltam.

"São precisos mais especialistas e mais recursos", acrescenta Soto.

Para já, em abril de 2017, haverá mais 35 técnicos em anestesia para dar esperança numa frente renovada de combate à mortalidade materno-infantil fazendo mais cesarianas nas regiões.

Lusa, em Bissau Resiste

ONU FINANCIA PROJETOS DE CONSOLIDAÇÃO DA PAZ NA GUINÉ-BISSAU



É só gastar rios de dinheiro sem resolver os problemas que a própria ONU ajudou criar na Guiné-Bissau. Essa organização funciona em função dos interesses das grandes potências em certas regiões do mundo, a título de exemplo, a ONU autorizou a  invasão à Líbia que culminou com o assassinato de Kadafi, hoje, a Líbia é país divido e governado pelas fações, ao mesmo tempo saqueado pelos abutres ocidentais.

Um país com riquezas como o nosso, é sempre alvo de várias disputas, o que se passa na Guiné-Bissau, resume-se ao seguinte: disputa entre a CEDEAO e a CPLP(organização fantasma que não serve para nada, exceto máfia), ou seja, quem governa se não defende os interesses da CEDEAO e dos seus patrões, entre os quais, a França, é alvo a bater, isso aconteceu ao Carlos Gomes Júnior mais conhecido por Cagado Júnior ou simplesmente anjo da morte, ou quem governa o nosso país e não defende os interesses da CPLP e dos seus patrões, entre os quais, Portugal e recentemente Angola, é alvo a bater, isso aconteceu ao Dr. Kumba Yalá e ao PRS. Esta guerra começou quando o Nino Vieira intensificou a cooperação com a França e agudizou-se quando a Guiné-Bissau aderiu a moeda Franco CFA em 1997.

A guerra de 07 de Junho de 1998 deixou bem patente a disputa pela Guiné-Bissau entre as duas organizações a CEDEAO e a CPLP, ou seja, o Nino Vieira recebeu apoio da CEDEAO e da França que patrocinou o envio das tropas do Senegal e da Guiné-Conacri para Bissau e a junta militar teve o apoio da CPLP e de Portugal que forneceu telefones satélite e apoio logístico  aos militares de Ansumane Mané que mais tarde afastaram o Nino Vieira do poder. Portugal regozijou-se com a queda do Nino, julgando que passaria a controlar a Guiné e a ditar as regras, nessa altura muitos governantes portugueses não esconderam a alegria, "Tenho ao meu lado o homem (Ansumane Mané) que foi o grande artífice dessa vitória militar" - A frase pertence a Jaime Gama, na altura Ministro português dos Negócios Estrangeiros, durante uma conferência de imprensa conjunta, e antes de Ansumane Mané ser condecorado pelo Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, sob proposta do Governo de António Guterres, atual Secretário Geral das Nações Unidas. Uma vitória militar que quase 20 anos não mudou nada pelo contrário as coisas pioraram. Para terminar queríamos saber porque é que um país democrático como Portugal que defende a paz, estabilidade política, democracia e direitos humanos condecorou, Ansumane Mané,  líder da rebelião que dizimou milhares de vidas e destruiu o país? Por: Bambaram dia Padida.
É bom que os guineenses saibam que não há almoços grátis. VEJA VIDEO: CONFISSÕES DE UM ASSASSINO ECONÓMICO - JOHN PERKINS
Projetos de agências da ONU incluem diálogo de alto nível e conferência sobre reconciliação nacional; verbas são do Fundo de Consolidação da Paz; ONU News conversou com a coordenadora da Secretaria do Fundo, Janet Murdoch, na capital guineense.

Amatijane Candé de Bissau para a ONU News.

O Fundo de Consolidação da Paz das Nações Unidas dispõe de verbas para financiar três projetos na Guiné-Bissau num montante de  US$ 10 milhões até final de 2017.

Um diálogo de alto nível é um dos projetos financiado através do Gabinete Integrado das Nações Unidas para a Consolidação de Paz, no país, Uniogbis.

Reconciliação Nacional

A Comissão Organizadora da Conferência "caminhos para a paz" também está contemplada no referido fundo. Outros projetos são o de registo de nascimentos e o da reforma no sector de justiça financiados através do Fundo das Nações Unidas para a Infância e o Programa da ONU para o Desenvolvimento.

Falando à ONU News em Bissau, a coordenadora da Secretaria do Fundo de Consolidação da Paz disse que os aspetos logísticos dos recentes acordos políticos de Bissau e Conacri, alcançados sob mediação da Cedeao, foram financiados com verbas do Fundo. Para Janet Murdoch, só resultados positivos podem justificar a continuidade do tipo de financiamento no país.

"O valor do diálogo, da palavra, da irmandade e fraternidade, são esses valores que mantêm e consolidam a paz e a vivência desses valores. A medida que o país apropria-se, exige e vive esses valores é que vai ter paz. Os projetos são para incentivar isso, criar aqueles valores que vão consolidar uma paz sustentável."

Reforma de Segurança   

Projetos importantes em andamento à espera de financiamento são as reformas nos setores da polícia e segurança fronteiriça. Janet Murdoch sublinhou alguns motivos da demora no desbloqueamento das verbas para financiar os projetos em causa e destacou a falta do componente e metodologia participativas.

"Os projetos têm que ter aquele elemento de consolidação da paz, ter aquela metodologia de participação cidadã. Esta característica faltou e estamos aqui para dar assistência técnica para viabilizar este elemento nos projetos. Estamos vendo como podemos adaptar o projeto inicial para que seja mais participativa, mais engajadora."

Segundo Murdoch, a Secretaria vem facilitando um conceito interagência para o desenvolvimento de um projeto estimado em cerca de um milhão de dólares. A ideia é engajar jovens e mulheres na vida política do país. Duas auscultações em dezembro de 2016 permitiram recolher orientações sobre como querem o projeto.


Cabo Verde. O ELOGIO DA DEMOCRACIA



Eurídice MonteiroExpresso das Ilhas, opinião

Passadas mais de quatro décadas da independência nacional e um quarto de século de vivência em democracia, são visíveis as clivagens partidárias em relação aos marcos fundacionais do Estado-Nação. Exemplo disso é o conjunto de discursos proferidos pelas representações dos diferentes partidos na primeira sessão solene de celebração do chamado Dia da Liberdade e da Democracia, com cada um puxando a brasa à sua sardinha: o PAICV aclamando o 5 de Julho de 1975, o MpD vangloriando o 13 de Janeiro de 1991 e a UCID enaltecendo o seu combate ao regime de partido único. Vendo de longe tal celeuma, até parece que as duas datas são politicamente excludentes. Curiosamente, a existência destas disputas discursivas partidárias mais não é do que um resultado da convivência em democracia, trazendo à tona a ideia de John Shotter da própria identidade política e nacional como a tradição de argumentação. Mas, verdade seja dita: não se pode pensar a política neste país sem se reconhecer, ao menos, tanto os ganhos da independência como os da democracia, mas também as falhas e fragilidades de ambas. 

5 de Julho e 13 de Janeiro

A independência nacional constituiu-se como um marco na afirmação do Estado nacional. Porém, sabe-se que, entre 1975-1990, os limites da cidadania eram impostos pela natureza do regime de partido único, que consagrava o partido de então (PAIGC/CV), por normativo constitucional (art. 4º da CRCV de 1980), como «força política dirigente da sociedade e do Estado». Mesmo antes, a Lei sobre a Organização Política do Estado (LOPE), que vigorou de 1975-1980 (como uma espécie de «pré-constituição»), subscrevia a tal princípio logo no seu artigo primeiro.

Um tema que tem suscitado discussão é a origem do Partido-Estado em Cabo Verde e como teria surgido o discurso legitimador do regime de partido único. Uns apontam o sistema soviéticocomunista como o modelo de onde o regime de então teria encontrado a sua inspiração. Outros incluem a influência dos regimes de partido único em voga por quase toda a África, principalmente na Guiné-Conakry, onde alguns dirigentes do PAIGC residiram no tempo da luta armada. Uma outra corrente aponta ainda a importância do novo direito internacional que sustentou o direito à autodeterminação. Pressupunha-se que, se o povo colonizado era caraterizado como algo compacto e homogéneo (a homogeneidade garantida pela condição de colonizado), o resultado lógico seria que o povo tivesse uma voz única no processo político de luta anticolonial. A consequência disso foi o reconhecimento do PAIGC pela Organização da Unidade Africana (OUA) e pela Organização das Nações Unidas (ONU) como «único e legítimo representante do povo da Guiné e das ilhas de Cabo Verde».

Pondo de lado as discussões sobre a origem e a natureza do antigo regime, importa não esquecer que o livre exercício da cidadania começaria a ser consagrado com a democratização na década de 1990. Com efeito, se o 5 de Julho de 1975 marcou, de forma singular, o processo histórico de afirmação do Estado nacional em Cabo Verde, é controverso que tenha sido de facto o marco do livre exercício da cidadania. Por causa disso, vozes se levantam aclamando o 13 de Janeiro de 1991 como um verdadeiro critical juncture e as eleições realizadas nesse dia como um evento de proporções revolucionárias que mudaria a maneira de ver e fazer política no país.

A questão das eleições e do multipartidarismo

As eleições e o multipartidarismo não são inovações dos anos noventa, mas ganharam outro sentido e uma dimensão institucional (com a consagração do pluralismo de expressão e a competição político-eleitoral) a partir dessa data.

Em relação às experiências eleitorais, é evidente que, desde o tempo antigo (dos portugueses), no quadro do império, já eram realizadas eleições e em alguns momentos até se pode falar de eleições concorrenciais, ou seja, da participação de diferentes candidatos e agremiações políticas competindo pelo voto (sufrágio restrito).

No processo da independência nacional houve, pela primeira vez, o reconhecimento do sufrágio universal. É sabido que foram realizadas eleições para a Assembleia Constituinte (30 de Junho de 1975). Todavia, nessas eleições foram autorizadas apenas as listas únicas de candidatos sancionados pelo PAIGC, silenciando o embrionário multipartidarismo que existia na época. Lembre-se que, para além do PAIGC, também existiam a União Democrática de Cabo Verde (UDC) e a União do Povo das Ilhas de Cabo Verde (UPICV).

Durante o período de partido único, sabe-se que se realizaram eleições legislativas periódicas (em listas únicas do PAIGC/CV), como uma forma de legitimação plebiscitária do poder. O PAICV começou a apresentar alguns sinais de flexibilidade a partir da segunda metade dos anos oitenta. Nos finais de 1985, os dirigentes desse partido começaram a introduzir pequenas mudanças no sistema, permitindo que, para as eleições legislativas desse ano, os candidatos fossem apresentados à população, que deveria discutir as suas qualidades para depois votar, e que três cidadãos independentes integrassem as listas únicas do referido partido.

Resultado da revisão constitucional de 1990 e como uma dimensão estruturante na mudança para o regime democrático, a diferença que o 13 de Janeiro de 1991 introduz é a concretização de um novo ordenamento jurídico que permite a ampliação das possibilidades de escolhas políticas e liberdades individuais, seguindo os princípios do Estado de direito democrático.

O período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 1991 foi seguido com grande entusiasmo. Foi marcado pelas primeiras eleições multipartidárias da história política deste país: legislativas, 13 de Janeiro; presidenciais, 17 de Fevereiro (primeiras eleições diretas para a eleição do Presidente da República); autárquicas, 15 de Dezembro (assinalando o início da autonomização do poder local). Em onze meses, tanto a nível central como local, ocorreu a transmissão do poder, traduzindo-se numa primeira alternância política no país.

Nos dias de hoje, o que realmente mais importa indagar é se as elites dos partidos se acomodam ao status quo e lhes agrada que o exercício da cidadania seja limitado ao voto. Com isto, e para terminar, fica aqui o repto no sentido de se pensar na democracia não apenas como uma prática de base schumpeteriana, com fações da classe política a competir pelo voto popular e onde o povo é incitado a regressar para a casa no dia seguinte. É fundamental que se pense em diferentes formas de participação cívica e do importante papel da sociedade civil enquanto alicerces indispensáveis para o aprofundamento da democracia e consequente exercício da cidadania plena.

Texto originalmente publicado na edição impressa do  nº 790 de 18 de Janeiro de 2016.

Cabo Verde. PAICV VAI ELEGER JANIRA HOPFER ALMADA LÍDER DO PARTIDO



ELEIÇÕES DIRETAS NESTE DOMINGO

PAICV vai eleger líder nas directas neste Domingo: 34 mil militantes convocados a votar na única concorrente Janira Hopffer Almada

Mais de 34 mil militantes do PAICV são convocados, neste Domingo, para as eleições directas - no país e no estrangeiro -, para legitimar a liderança do partido depois das derrotas sofridas nas legislativas e autárquicas do ano findo. A presidente Janira Hopffer Almada é candidata única à sua própria sucessão, já que o movimento «Manifesto à Militância», que tem como principais mentores Júlio Correia e Felisberto Vieira, não apresentou uma candidatura alternativa à liderança do maior partido da oposição.

Conforme a Comissão Nacional de Jurisdição e Fiscalização (CNJ), o acto eleitoral deste fim-de-semana começa às 9 horas, devendo prolongar-se até às 17 horas. Estão recenseados 34.720 militantes, que vão exprimir o seu sentido de voto em 289 Mesas de Assembleia de Votos, sendo 289 no pais e 37 no estrangeiro.

A líder Janira Hopffer Almada vai votar às 11 horas, na Mesa que funciona nas instalações da Escola Polivalente Cesaltina Ramos, em Achada de Santo António, na cidade da Praia.

Entretanto, o auto-proclamado movimento «Manifesto à Militância», que insurgiu-se contra a antecipação das Directas e do Congresso Extraordinário de Fevereiro e tem como principais mentores Júlio Correia e Felisberto Vieira, não participa na corrida à presidência do PAICV. Isto apesar das suas críticas de «falsas partidas» e de existir gentes do MpD nas bases de dados do PAICV.

Mas Janira Hopffer Almada refutou tais acusações e desafiou os críticos internos a serem coerentes, apresentado um candidatura à chefia do partido.

Porque existe uma única candidatura à liderança do PAICV, muitos são aqueles que estão preocupados com o fenómeno abstenção. Daí os apelos através de contactos directos e carros móveis para a participação dos militantes nas directas deste Domingo. «A CNJF apela às estruturas do PAICV para se empenharem na organização do processo e aos militantes para exercerem o seu poder de voto para o reforço do Partido», diz em nota aquele órgão central da oposição encarregue de dirigir todo o processo eleitoral.

Conforme a CNJF do partido tambarina, os resultados provisórios das eleições internas deste Domingo serão conhecidos durante a noite, devendo os definitivos serem apurados ao longo da semana.


Brasil. A IMAGEM DE UM PAÍS DOMINADO POR MÁFIAS



A barbárie nos presídios desnuda a falência absoluta do sistema de execução penal e do arcaico código de processo penal.

Jeferson Miola – Carta Maior

A imprensa internacional, à diferença da brasileira, assinalou com realismo os passos da conspiração da oligarquia brasileira que redundou no golpe de Estado jurídico-midiático-parlamentar perpetrado através do impeachment fraudulento da Presidente Dilma.

Um analista português especializado em Brasil resumiu com notável precisão o contexto da aprovação do impeachment inconstitucional pelos deputados em 17 de abril de 2016: “uma assembléia geral de bandidos comandada por um bandido chamado Eduardo Cunha”!

A carnificina nos presídios do país – 142 presos mortos em 15 dias – colocou o Brasil em evidência no mapa da estupidez humana. A mídia internacional repercute enormemente esses eventos medievais, e alude que a guerra de máfias nas prisões acontece em meio à depressão econômica, e em meio à profunda degradação ética, moral e absoluta impopularidade do governo Temer. Avalia-se que essa conjunção explosiva é fator potencial de instabilidade política e social.

A barbárie nos presídios desnuda a falência absoluta do sistema de execução penal, assim como do arcaico código de processo penal, que castiga com privação de liberdade inclusive crimes famélicos e consumo de drogas.

Esta barbárie evidencia, ainda, o retumbante fracasso de um Poder Judiciário remunerado a peso de ouro, muito acima do teto constitucional, e que goza mais de 60 dias de férias por ano, enquanto metade da população carcerária brasileira, em prisão provisória, apodrece em masmorras medievais sem julgamento e, menos ainda, condenação judicial.

O episódio é um alerta da vulnerabilidade da sociedade às máfias criminosas que comandam e organizam o crime organizado tanto de dentro, como de fora dos presídios, dispondo de recursos bélicos e de comunicação mais sofisticados que as Polícias.

O governo federal tem responsabilidade por este desfecho. Ignorou os pedidos de socorro dos governadores no ano passado e agora, no momento crítico dos acontecimentos, faz propostas equivocadas, aumentando o risco de esparrame do caos para todo sistema penitenciário.

A matança nos presídios acontece no momento em que o governo é avariado por mais um grave escândalo de corrupção: a revelação da máfia criminosa de Eduardo Cunha e Geddel Vieira Lima, outro integrante do quartel-general de Temer na conspiração.

Desde o início do governo golpista em 12 de maio de 2016, quase uma dezena de integrantes foi demitida por desvios éticos ou corrupção – um recorde de praticamente duas demissões a cada mês. A outra parcela do governo que ainda não foi demitida, a começar pelo próprio Temer e demais sócios – o “primo” Eliseu Padilha e o “angorá” Moreira Franco – é denunciada na Lava Jato e em outros crimes, e poderá ser processada.

Essa confluência de eventos transmite ao mundo a péssima idéia de que o Brasil está dominado por máfias, foi entregue à bandidagem – na política, na economia e nos presídios.

Já não adianta a promessa de redução de juros, de retomada do crédito e dos estímulos econômicos; tampouco ajuda a projeção de crescimento de 3,4% do PIB mundial no ano e a oração fervorosa, porque a economia destruída pelo PMDB, PSDB e aliados não sairá da depressão profunda enquanto o governo ilegítimo estiver ocupando o Palácio do Planalto.

Somente um governo legitimado pelo sufrágio popular terá confiança e condições de retirar o país desta catástrofe econômica, social e humanitária. O Brasil precisa urgentemente de eleições diretas.

Os golpistas não estão destruindo somente a economia, os direitos sociais, a Petrobrás, a engenharia nacional, os empregos e a soberania do Brasil, mas estão levando ao mundo uma imagem de um país dominado por máfias. É preciso virar urgentemente esta página tenebrosa da história do Brasil; é urgente eleição direta já!

Créditos da foto: EBC

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