Ocidente
parece dividido entre a aristocracia financeira e os gângsters. É preciso
reconstruir a ideia de alternativa, ou não haverá mais Política. Mas quais os
caminhos?
Alain
Badiou | Outras Palavras | Tradução: Revista Punkto | Imagem: Eric
Drooker (cena da animação Howl)
1. Começo
como uma visão geral, não da situação atual dos Estados Unidos, mas do mundo de
hoje. Penso que o ponto mais importante por onde devemos começar é a vitória
histórica do capitalismo globalizado. Devemo-nos confrontar com esse fato. De
alguma maneira, desde os anos 80 do século passado até hoje, temos a vitória
histórica do capitalismo globalizado. E isso por muitas razões. Primeiro,
naturalmente, o fracasso completo dos Estados socialistas – Rússia, China – e
da visão coletiva da economia e das leis sociais. E este não é um ponto
desprezável. Porque essa é uma mudança que acontece não apenas ao nível
da situação objetiva do mundo atual, mas também, ao nível da subjetividade.
Durante mais de dois séculos (até à década de oitenta do século passado) existiram
na opinião pública dois modos de conceber o destino histórico dos homens (a um
nível geral e a um nível subjetivo). Primeiro, o liberalismo, no seu sentido
clássico. Aqui, liberal tem muitos significados, mas eu tomo-o no seu sentido
original, isto é, a propriedade privada como chave da organização social, à
custa de enormes desigualdades. E, por outro lado, temos a hipótese socialista,
a hipótese comunista (no seu sentido abstrato), isto é, o fim das desigualdades
deve ser constituir o fim fundamental da atividade política humana. O fim das
desigualdades, mesmo à custa de revoluções violentas. Portanto, de um lado, a
visão pacífica da história como a continuação de algo que é muito antigo: a
propriedade privada como chave da organização social. E, por outro lado,
qualquer coisa de novo, que começa provavelmente na revolução francesa, e que é
tanto a afirmação que a existência histórica dos homens deve aceitar uma
ruptura nessa longa sequência onde as desigualdades e a propriedade privada
eram a lei da existência coletiva, como a afirmação de uma outra visão daquilo
que é o destino dos homens, que coloca em primeiro plano a questão da igualdade
e da desigualdade. E esse conflito entre liberalismo e essa nova ideia que
surge debaixo de tantos nomes (anarquia, comunismo, socialismo) é,
provavelmente, o acontecimento mais significativo do século XIX e XX.
Assim,
durante aproximadamente dois séculos, tivemos algo como uma escolha
estratégica, que dizia respeito não apenas aos eventos locais da política (as obrigações
nacionais, as guerras), mas ao destino histórico dos homens, ao destino
histórico da construção da humanidade enquanto tal. Em certo sentido, o nosso
tempo (dos anos oitenta até hoje) é o tempo do aparente fim dessa escolha.
Temos hoje a visão dominante de que não existe uma outra alternativa, de que
não há outra solução. Essas eram as palavras de Thatcher: não há nenhuma
alternativa. Nenhuma alternativa exceto, naturalmente, o liberalismo (ou na
formulação atual: o neoliberalismo). E este é um ponto importante, porque a
própria Thatcher não dizia que esta era uma boa solução. Esse não era um
problema dela. O problema é que é a única solução. E, por isso, a questão não
está em dizer que o capitalismo globalizado é excelente, porque claramente não
é. Todo mundo sabe isso. Todo mundo sabe que as desigualdades monstruosas não
podem ser uma solução para o destino histórico dos homens. Mas o argumento é
“Ok, não é bom, mas essa é a única possibilidade real”. E, por isso, penso que
o que define o nosso tempo é a tentativa de impor à humanidade (e isso à escala
do próprio mundo) a convicção de que só há um caminho para a história dos seres
humanos. E tudo isso sem nunca se afirmar que esse é um caminho excelente, mas
apenas dizendo que não há outra solução, não há outro caminho.