sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

BRASIL SEM EMBRAER: O GOVERNO É PARTE DA TRAMA

Em 19/9, Temer encontrou-se com Trump em Nova York. Três semanas antes, sem alarde, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, abria, no TCU, processo sigiloso para derrubar a cláusula que impede venda da Embraer à Boeing (foto)

Agora, Temer finge defender a empresa. Mas há três meses trama, em surdina, fim do único dispositivo que pode impedir sua desnacionalização. Vale e IRB podem ter mesmo destino

Herbert Claros da Silva, Renata Belzunces dos Santos e Marco Antonio Gonsales de Oliveira 1 | em Outras Palavras

Há três meses, o governo, via Ministério da Fazenda, encaminhou uma consulta ao Tribunal de Contas da União para liquidar as golden sharede três companhias estratégicas: Embraer, Vale e IRB-Brasil Resseguros. Agora, que a norte-americana Boeing fez uma oferta para comprar a Embraer, este mesmo governo diz que nunca venderia a empresa, terceira maior do mundo em seu setor.

Entenda o que são as golden share: origem, objetivo e exemplos.

Golden Share

Recentemente, foi veiculada a informação de que o Ministério da Fazenda solicitou consulta ao Tribunal de Contas da União para que o governo federal possa se desfazer das ações especiais que possui em três companhias estratégicas: Embraer, Vale e IRB-Brasil Resseguros. O Ministério da Fazenda emitiu a solicitação de consulta em 19 de julho de 2017 e o TCU abriu processo no final de agosto para responder o pedido2.

Todas essas companhias foram privatizadas e em cada uma delas ficou assegurado ao governo a propriedade de ações de classe especial(golden share). Este é outro claro aceno do atual governo ao mercado financeiro internacional em busca de credibilidade e provas de alinhamento ideológico. Depois do tsunami das privatizações dos anos 90 – e outras mais pontuais no período governado pelo PT –, a história se repete como tragédia, agora aprofundando a mercantilização dos setores já privatizados e tentando privatizar o que ainda resta.

A golden share é uma classe de ação especial que confere determinados privilégios e prerrogativas aos seus detentores. São instrumentos da atividade criativa do direito empresarial com o objetivo de satisfazer as necessidades políticas e econômicas surgidas nos momentos de alteração da configuração entre Estado e mercado, como verificou-se a partir da década de 70, principalmente na Europa, com a grande transferência de empresas públicas às mãos das empresas privadas: as conhecidas políticas públicas e econômicas de privatizações. A Inglaterra foi a pioneira, a partir de 1979, quando Thatcher implementou o seu conhecido programa de privatizações, através do qual se passou a abrir à iniciativa privada setores que lhe eram vedados, adentrando o capital privado na prestação de serviços antes considerados inseparáveis do Estado. A experiência britânica é relevante, pois foi precisamente no contexto do programa de privatizações mencionado que surgem as golden share (Pela, 2008).

Para os setores contrários às privatizações, a transferência de empresas estratégicas públicas ao setor privado poderia acarretar no enfraquecimento do Estado sobre a administração desses recursos, além de comprometer outros setores fundamentais para o país, como a segurança nacional e a perda de empresas de tecnologias estratégicas. A criação da golden share teria sido uma concessão aos setores críticos às privatizações, pois garante ao Estado poderes que limitam a tomada de decisão das empresas privatizadas. Em suma, golden share são títulos acionários que atribuem ao Estado prerrogativas especiais, não proporcionais à sua participação no capital da sociedade, destinadas a salvaguardar interesses nacionais.

Sob essa mesma justificativa, o mecanismo das golden share foi usado por diversas companhias no Reino Unido. Entre 1979 e 1983, as empresas British Aerospace, fabricante de aeronaves civis e militares e de materiais bélicos; a Cable & Wireless, prestadora de serviços de telecomunicação; Amersham International, responsável pela fabricação de produtos radioativos para uso em medicina e pesquisa, e a conhecida British Petroleum, cujas atividades se concentravam no setor petrolífero.

O mecanismo foi adotado, sob diversas denominações, também em países como a França (action spécifique), Itália (poteri speciali), Alemanha (goldene Aktie e Spezialaktie), Bélgica (action spécifique), Portugal (acções preferenciais) e Espanha (regime administrativo de controle específico). No entanto, foi pouco acionado pelos governos. No Brasil, o instrumento ficou conhecido como ação de classe especial e foi implementado a partir dos anos 90, quando empresas estatais como a Vale e a Embraer entraram no Programa Nacional de Desestatização (PND). No caso da Embraer, a atividade se relaciona à defesa; na Vale, as reservas minerais têm importância estratégica para o país (JOSÉ, 2004; PELA, 2008).

Um dos casos mais emblemáticos no Brasil, envolvendo a possibilidade de acionamento da ação de classe especial, foi a intenção de compra de 20% das ações ordinárias emitidas pela Embraer, em outubro de 1999, por um consórcio francês liderado pelas empresas Aérospatiale Matra, Dassault Aviation, Thomson-CSF e Snecma. O acordo foi negociado sem o conhecimento do governo, mas que através da Aeronáutica descobriu o plano dos grupos.

Segundo artigo publicado em 21 de dezembro de 1999 pelo jornal Folha de São Paulo, a aeronáutica desvendou o plano por meio de documentos confidenciais da negociação. O grupo Bozano Simonsen havia se comprometido a convencer os controladores da empresa a venderem mais ações para os franceses em um prazo de cinco anos. Foi discutido se o negócio poderia ser qualificado como transferência de controle acionário, ou seja, passar uma indústria de importância estratégica para ser controlada por um grupo estrangeiro, com ameaça à soberania e a defesa nacionais.

O governo FHC consultou a Advocacia Geral da União, os ministros da Defesa, Relações Exteriores e do Desenvolvimento e decidiu não recorrer às ações de classe especial para intervir no negócio de US$ 209 milhões, entre a Embraer e o grupo francês. Naquela ocasião, a golden share não foi usada, mas tudo indica que teria sido caso as negociações não tivessem sido encerradas. É o caso em que a mera existência do dispositivo impediu o prosseguimento da negociação, depois de manifestada a posição contrária do governo.

Em 2009, quando a Embraer demitiu 20% dos seus trabalhadores, mais uma vez o assunto das golden share veio à tona. No entanto, como demonstraremos abaixo, esse não era o melhor caminho jurídico para impugnar a demissão em massa, dado que as ações especiais que o governo detém da Embraer não lhes garantiam tal atribuição.

A mais recente e conturbada história envolvendo empresas e governo no campo das ações de classe especial foi na União Europeia. Portugal utilizou o mecanismo em 2010 para vetar a venda da participação da Portugal Telecom na Vivo por 7,15 bilhões de euros à espanhola Telefónica. A Corte Europeia de Justiça considerou que o uso das ações de classe especial pelo governo português violou a legislação da União Europeia sobre a livre movimentação de capitais. Essa foi a mesma interpretação da Corte Europeia em outros casos em que a golden share foi acionada pelos governos.

O assunto das ações de classe especial no Brasil voltou à tona quando o governo demonstrou intenção em liquidar de vez com esses papéis na Embraer, Vale e IRB-Brasil Resseguros. Suas ações de classe especial guardam bastantes semelhanças e algumas diferenças relacionadas ao tipo de negócio e à gestão. As características comuns a todas companhias são: poder de veto à alteração de denominação social, de objeto social, de modificação acionária e, por fim, garante que qualquer modificação nela própria – na golden share – pode ser vetada pela União (Quadro 1).

As diferenças mais relevantes referem-se às prerrogativas administrativas e especiais relacionadas ao setor de defesa. No IRB-Brasil Resseguros, a União pode indicar um membro (e suplente) para composição do Conselho de Administração. Por sua vez, esse membro exercerá a presidência do Conselho. Também indicará membro (e suplente) para o Conselho Fiscal. Na Embraer, os programas militares podem ser vetados, assim como o acesso à tecnologia envolvida nesses programas. A companhia também poderá deixar de fornecer peças de manutenção ou reposição para clientes, se for do interesse da União.

QUADRO 1

Comparação das Prerrogativas da golden share
Prerrogativa de Veto
Embraer
Vale
IRB
Alteração de denominação social (nome)
X
X
X
Alteração de mudança da sede social (local)
X
X

Mudança no objeto social (finalidade da empresa)
X
X
X
Alteração ou aplicação da logomarca
X
X
X
Fim da sociedade (liquidação dos negócios )

X

Qualquer modificação dos direitos atribuídos às espécies e classes das ações de emissão da sociedade previstos no Estatuto Social
X
X
X
Alienação ou encerramento de atividades pré-definidas no Estatuto Social

X

Modificação na natureza dela própria (Golden Share)
X
X
X
Transferência de Controle Acionário
X

X
Transformação, fusão ou cisão


X
Criação e/ou alteração de programas militares que envolvam o país
X


Capacitação para terceiros em tecnologia para programas militares
X


Interrupção de peças de reposição e manutenção
X


Prerrogativas Administrativas



Indicar membro para o Conselho de Administração *


X
Indicar membro para o Conselho Fiscal


X
Fonte: Estatutos Sociais das Companhias, disponíveis nos respectivos sites.

A motivação da consulta, segundo o ministro da Fazenda, é estabelecer como a União poderá se desfazer dessa ação. O motivo alegado seria o fato de que a golden share desvalorizaria os ativos3. Em uma primeira aproximação, parece que o ministro Henrique Meireles está na defesa do mercado em um momento em que são desconhecidas manifestações do próprio mercado contra a golden share.

Em uma tentativa de compreender os motivos que levam o governo a tomar essa iniciativa, identificamos duas possibilidades: a questão fiscal e o valor de mercado das empresas.

Arrecadação fiscal: em meio ao pacote de privatizações em curso e forte ajuste recessivo, o governo poderia estar buscando arrecadar com a “venda” dessas ações. A consulta ao TCU teria como objetivo precificar esses papéis que hoje não têm preço, pois não são comercializáveis. Por quanto dinheiro valeria a pena abrir mão das prerrogativas da golden share? Quem pagaria? O fato é que o fim dessas ações também significa o fim das suas prerrogativas, que não poderiam ser exercidas por mais ninguém. Nenhum agente privado pode exercer as prerrogativas destinadas apenas à União. Quanto vale algo que deixa de existir assim que é comprado?

Valorização das ações da empresa: a hipótese é que o fim da golden share aumentaria o valor de mercado dessas empresas, ao diminuir as possibilidades de intervenção do governo. Mas essa classe de ação especial é apenas um dentre vários outros instrumentos que o governo tem à disposição para interferir nos negócios dessas empresas, e isso não é diferente em qualquer outro lugar do mundo. Segundo levantamento do professor Marcos Barbieri (IE-UNICAMP), todos os governos têm políticas de interferência no setor aeronáutico, com ou sem golden share. Dessa maneira, seu fim não tornaria a Embraer, por exemplo, mais capitalista do que a Boeing, que não tem golden share. Também não tornaria a Vale mais capitalista do que as suas concorrentes mundiais.

Essas companhias são gigantes em seus setores. A Vale é uma das maiores mineradoras do mundo, a Embraer também é terceira maior empresa aeronáutica (aviação comercial) no ranking mundial e o IRB-Brasil praticamente monopoliza os resseguros no país. A soma de suas receitas em 2016 atinge R$ 115.275,3 bilhões (equivalente a 1,8% do PIB no mesmo ano); o lucro foi de R$ 18.896,3 bilhões em 2016 e cerca de 100 mil trabalhadores são empregados pelas três gigantes. São cifras astronômicas, de fazer brilhar os olhos do mercado.

QUADRO 2

Resultados das Companhias – 2016 – em R$ milhões
<Empresa
<Receita Líquida
<Lucro Líquido
<Trabalhadores
Embraer
16.480,3
585,4
18.506
Vale
94.633,0
17.461,0
73.062
IRB
4.162,0
849,9
n/d
Total
115.275,3
18.896,3
91.568
Fonte: Embraer, Vale e IRB. Demonstrações Financeiras.

Essas companhias são representativas da totalidade ou quase totalidade dos setores em que atuam, foram privatizadas a preços questionáveis e vêm sendo geridas para e pró-mercado. A relação entre Estado e mercado nunca deixou de existir e vai continuar existindo. Não é conhecido argumento de que empréstimos subsidiados pelo BNDES, desonerações e outros diminuam o valor de mercado dessas empresas. O questionamento da gerência do Estado na economia privada é seletivo, portanto, quando soa o discurso da livre iniciativa, ele vem cheio de hipocrisia, pois esse mesmo mercado nunca se furta a pedir socorro e a aceitar “ajuda” quando convém.

A possibilidade do fim da golden share é um aprofundamento da privatização, pois liberaria os poucos itens estratégicos que poderiam sofrer veto do governo. O desejo de eliminar a golden share levanta a suspeita de que pode estar em movimento novos interesses por esses ativos, dessa vez por grandes empresas internacionais que tornariam a Vale, a Embraer e a IRB-Seguros meras filiais de seus negócios.

Neste cenário, é melhor que a golden share seja mantida como um resquício de soberania a ser utilizada em casos extremos. Estamos certos que essa não é uma preocupação do governo Michel Temer, assim como também é necessário ter a clareza de que a sua manutenção não altera em nada o curso de destruição dessas empresas enquanto instrumentos de exercício de interesse do povo brasileiro e de seus trabalhadores. Ruim com golden share, pior sem elas.

Essas empresas deveriam passar por um amplo debate nacional em que fossem discutidos desde o preço de suas privatizações até sua contribuição para o país, caso tenha existido. A reestatização deve ser recolocada no cardápio de possibilidades para o futuro, se assim for entendido como benéfico para o país, e não apenas para os acionistas. Os rumos dessas empresas são importantes demais para serem deixados ao sabor do mercado, o mesmo que colocou o mundo em crise diversas vezes ao longo do século XX e, mais recentemente, em 2008, quando provou suas fragilidades e foi salvo pelos recursos dos contribuintes.

Referências Bibliográficas
PELA, J. K. Origem e desenvolvimento das golden shares. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 103, 2008.
JOSÉ, R. D. Golden-Shares: as empresas participadas e os privilégios do Estado enquanto accionista minoritário, Coimbra Editora, 2004.
1# Sobre os autores: Herbert Claros é vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos e Região e ex-membro do Conselho de Administração da Embraer (2015 e 2016), (herbert@sindmetalsjc.org.br) Marco Antonio G. de Oliveira é doutor em Administração de Empresas pela PUC-SP e professor da Universidade São Judas Tadeu, (professormarcogonsales@gmail.com)Renata Belzunces dos Santos é economista e cientista social, técnica do DIEESE e doutoranda no Prolam-USP (rebelsa@gmail.com)
2# O Tribunal de Contas da União abriu processo sobre o tema em 30/08/2017, sob o número 025.285/2017-3, de relatoria de José Múcio Monteiro. O acesso é restrito, de forma que não pode ser consultado pelo público em geral.
3# http://www.valor.com.br/empresas/5109590/governo-quer-fim-de-golden-share

*Marco Antonio Gonsales de Oliveira - Doutor em Administração (PUC-SP) e professor da Universidade São Judas Tadeu

CATALUNHA | Ainda não caiu o 155

Será que quem ganhou as eleições e tem maioria está proibido de exercer o poder que a própria Constituição monárquica outorga?


1. As urnas falaram. As eleições para o parlamento da Catalunha ditaram uma maioria republicana independentista, confirmaram as forças que promoveram o referendo de 1 de outubro. Esse é um resultado extraordinário, assestando um golpe profundo no PP de Rajoy. Resultado tanto mais extraordinário quando conseguido sob a perseguição policial e judiciária do Reino de Espanha aos líderes e candidatos dos partidos republicanos, com censura imposta nos media da nação, desde a televisão catalã aos cartazes autorizados. Liberdade foi o slogan constante do bloco de apoio ao governo legítimo e expulso por Rajoy por uma lei de exceção suspendendo o Estatuto da Autonomia, com a cumplicidade, aliás de Sánchez (PSOE) e Rivera (C"S). A repressão seletiva que se seguiu ao ataque policial às pessoas que pacificamente votavam no referendo de 1 de outubro, não intimidou autarcas, associativos, ativistas políticos, sindicalistas e todos aqueles que, para além dos partidos, fizeram a rede da resistência. A campanha anticatalã foi tremenda com chantagem económica, ameaças da confederação dos patrões da própria Catalunha, histeria constante na TVE, utilização da Comissão Europeia para cercar qualquer intenção de Barcelona. Rajoy tentou tornar as eleições numa espécie de plebiscito à unidade espanhola e uma garantia da blindagem da monarquia e da Constituição de 78. E perdeu, o campo monárquico e constitucionalista regista 57 mandatos contra 70 dos republicanos. Qualquer que seja a opinião que tenhamos sobre os componentes partidários e pessoais da maioria republicana, ninguém pode contestar que esta é uma vitória do movimento popular e não é menos popular por ser nacionalista.

2. As consequências em Espanha são importantes: o PP cede campo ao seu parceiro de direita, Ciudadanos (C"S), e tem maior dificuldade em fechar acordo no orçamento com o PNV, partido nacionalista basco. O PP entrincheira-se ainda mais no impedimento de qualquer revisão da Constituição que permita o referendo legal e negociado da independência com a Generalitat, ceder aí seria assumir a derrota e daria origem a uma crise de regime. O governo minoritário de Rajoy, existindo graças à viabilização C"S e PSOE, está num pântano sendo incerto o seu termo. Rajoy não terá maioria, em caso de eleições antecipadas para as Cortes com esta dinâmica do C"S. Estes não querem continuar o frete ao PP mas não têm garantia de liderar um futuro governo na Moncloa. O PSOE não tem hipótese de chegar à maioria e não quer aliar-se ao Podemos e os C"S dificilmente darão para o peditório de Sánchez. Objetivamente, com o "procés" catalão o Podemos (e a Izquierda Unida) deixaram ainda mais longe de perspetiva a aliança que reclamam ao PSOE. Aliás, essa esquerda estatal e catalã não republicana está a ser penalizada. Era previsível que a subestimação da questão nacional limitasse o seu espaço político. O pior é que agravou várias linhas de fratura interna. A instabilidade e a incerteza vão dominar o quadro político espanhol, onde não é desprezível considerar que o Rei Filipe sai chamuscado desta operação plebiscitária.

3. À anormalidade das eleições autonómicas sucede a anormalidade da investidura de "governo". O famigerado artigo 155 da Constituição que permite ao governo de Madrid controlar a administração da Catalunha está ainda em vigor. Vai ser levantado? Não se afigura fácil com Rajoy a exigir ao governo legítimo da Catalunha que abdique da independência, não apenas da declaração unilateral da independência, que essa foi relativizada para concorrer e ganhar as eleições, mas da própria ideia da independência como sediciosa!

Mesmo a tomada de posse dos deputados e deputadas está envolta no mistério. Será que PP,PSOE,C"S não fazem rapidamente uma amnistia geral ou vão comprazer-se em ver exilados e presos expulsos do parlamento e impedidos de formar governo. Será que quem ganhou as eleições e tem maioria está proibido de exercer o poder que a própria Constituição monárquica outorga? O fator Catalunha vai continuar a agitar o governo espanholista, incapaz de resolver outra coisa senão o desmando e a violência. Se o 155 continua e Rajoy e apaniguados vão montar a ficção de que a situação de políticos exilados e presos e muitos outros que ainda virão a ser presos, assim se percebe pelas fugas ao segredo de justiça espanhola, não é nada com eles, é uma exclusiva pendência dos tribunais, falando hipocritamente da separação de poderes, então esperem pela resposta popular. A consequência racional de tal via é a supressão da Autonomia.

4. Não faltam derrotados em Portugal com a expressão da vontade popular catalã. Dos que querem dizer a milhões de pessoas que elas são uma falácia na democracia espanhola. Dos que acham que a democracia pode prejudicar o sistema financeiro e os bancos espanhóis que por cá mandam. Dos que são politicamente subservientes à Monarquia dos Borbón. Esses, entre altas figuras do estado, comentadores, empresários de gabarito, são por assim dizer parciais e duros, aliados da pior direita espanholista. Mais refinados são aqueles, que tendo voz nos media, se permitem ralhar com os republicanos porque não negociaram, porque eram delirantes na forma como engendraram o referendo de 1 de outubro, porque Puigdemont, um político liberal que não faz parte das minhas preferências, primeiro era uma figura de almanaque e depois um cobarde, um foragido na Bélgica sem dimensão de combatente de coisa alguma. Há 24 horas previam o fim do quixotismo. Não sei se foi impressão ou a TVI foi ao longo da campanha completamente espanholista? Por que será? Essa gente dúbia escamoteia que ao longo dos últimos vinte anos o Reino de Espanha frustrou todo o diálogo, e há mais de sete anos anulou uma proposta de Estatuto da Autonomia, votada legalmente pelo povo. Essa gente pedante que escarnece do direito à autodeterminação, proclama o artesanalismo dos republicanos e o seu improviso irresponsável, recusa-se a ver a coisa mais óbvia que qualquer pessoa pouco letrada pode ver: Espanha fabricou os independentistas já que há vinte anos eles eram irrelevantes no território. É o que chamam agora "separatistas".

5. Cabe à esquerda progressista em Portugal, assim o julgo, ser solidária com a vontade legítima do povo catalão. A questão da independência é um assunto da responsabilidade cidadã dos catalães, não está no nosso radar. Mas seguramente o combate à tortura política que o governo de Rajoy executa sobre a generalidade dos catalães, independentistas, constitucionalistas e neutros nesta contenda, mobiliza uma larga frente de democratas. Não nos move nenhuma hostilidade ao povo irmão de Espanha, simplesmente a ação das suas instituições é uma indignidade face às mais elementares normas das Nações Unidas.

*Esquerda.net | Luís Fazenda é professor e dirigente do Bloco de Esquerda.

CATALUNHA | Rajoy recusa reunir-se com Puigdemont

O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, rejeitou o pedido do ex-presidente do governo catalão Carles Puigdemont para um encontro após a vitória do campo separatista na Catalunha.

Em resposta à proposta de diálogo anunciada por Puigdemont desde Bruxelas, onde está exilado, Rajoy disse que apenas está disposto a conversar com quem venceu as eleições na Catalunha "que é a senhora [Inés] Arrimadas", a cabeça de lista do partido anti-independência Cuidadanos que garantiu mais deputados no parlamento catalão.

O chefe do Executivo de Madrid acrescentou ainda que terá de falar "com a pessoa que exerça a presidência da Generalitat", que "terá de tomar posse, ser eleito e estar em condições de falar" consigo.

Rajoy também advertiu que a situação processual de Carles Puigdemont e dos restantes dirigentes independentistas catalães indiciados em processos judiciais, alguns deles detidos, não depende "em absoluto" do resultado das eleições autonómicas de quinta-feira, mas das decisões dos juízes.

"São os políticos que se devem submeter à justiça como qualquer cidadão, e não a justiça que deve submeter-se a qualquer estratégia política", disse Rajoy durante uma conferência de imprensa no palácio da Moncloa, a sua residência oficial.

O líder do Partido Popular (PP), que obteve o seu pior resultado de sempre no escrutínio de quinta-feira na Catalunha, defendeu a aplicação "inteligente" e "razoável" do artigo 155 da Constituição, pelo qual foram convocadas estas eleições, e assinalou que não o ativou "para ter mais ou menos um voto".

Rajoy acrescentou que a retirada deste instrumento constitucional será efetuada na data estipulada pelo Senado, quando existir um governo na Catalunha.

Os partidos que defendem a independência da Catalunha obtiveram nas eleições autonómicas de quinta-feira uma maioria absoluta no parlamento catalão e prometem manter o desafio secessionista a Madrid.

Nas eleições, os partidos independentistas obtiveram 70 dos 135 lugares do parlamento, um número que sobe para 78 lugares se forem contabilizados os defensores de um novo referendo legal (partidos independentistas mais CatComú-Podem).

No entanto, o partido vencedor das eleições foi o Cidadãos, mas a cabeça de lista, Inés Arrimadas, admitiu que não poderá ser chefe do governo regional, considerando a "lei injusta" que "dá mais lugares a quem tem menos votos" na rua.

As eleições foram convocadas pelo chefe do Governo espanhol, Mariano Rajoy, no final de outubro, no mesmo dia em que decidiu dissolver o parlamento da Catalunha e destituir o executivo regional presidido por Carles Puigdemont por ter declarado unilateralmente a independência da região.

Jornal de Notícias

Em comentários

O Sr Rajoy, como cobarde que é, tem medo e também mau perder.! O seu Partido perdeu as eleições, como era de prever, a sua teimosia fez perder muito dinheiro à Catalunha e ao Estado espanhol e continua casmurro! Porra que é teimoso!

Rajoy e a Espanha não respeitam a democracia e a vontade dos catalães expressa nas urnas. Ainda vai anular estas eleições (por si convocadas) e convocar outras. Ate la manda prender mais uns quantos independentistas. A ditadura Franco-fascista no seu esplendor.

CATALUNHA | Puigdemont reclama vitória e dá um mês a Rajoy para que este peça desculpa

Junts per Catalunya foi a força independentista mais votada. Ex-presidente da Generalitat afirma que a "república catalã ganhou à monarquia do 155" na noite eleitoral de ontem

Carles Puigdemont fez ontem um discurso de vitória do independentismo catalão, numa noite eleitoral "atípica", perante duas centenas de apoiantes numa sala de conferências, em Bruxelas. O autointitulado presidente legítimo da Generalitat felicitou "o povo da Catalunha", reclamando que a "república catalã ganhou à monarquia do [artigo] 155".

"O Estado espanhol foi derrotado. Rajoy, a sua aliança e os seus aliados perderam, levando uma bofetada dos catalães. Perderam o plebiscito que buscavam com o 155. E a Catalunha não ajudou a tornar isso [golpe de Estado] possível", disse o cabeça-de-lista do Junts per Catalunya, que conseguiu ontem 34 deputados, sendo a segunda força mais votada.

Perante os aplausos na sala e num tom vitorioso, Carles Puigdemont deu "um mês" ao governo espanhol para fazer "uma reparação e retificação" com um "pedido de desculpas a muita gente a quem fez mal", nomeadamente "no 1 de Outubro", referindo-se à data do referendo. "Os presos devem sair já da prisão e o governo legítimo deve regressar já ao palácio da Generalitat", disse ainda Carles Puigdemont, frisando que "é isso que querem os cidadãos".

No entanto, o ex-líder do governo catalão pode encontrar dificuldades para concretizar essa "vontade" dos cidadãos, tendo em conta que o regresso a Espanha o levará a enfrentar a justiça. Mas o porta-voz de Carles Puigdemont, Joan Maria Piqué, acredita que não vai haver "nenhum problema". "Pensamos que se o povo da Catalunha rejeitou o [artigo] 155 e revalida a confiança no seu presidente legítimo não tem de haver nenhum problema para que o presidente Puigdemont volte e tome o lugar como presidente da Generalitat, porque esta foi a opção do povo da Catalunha", disse.

Os membros do antigo governo da Catalunha foram saudados numa noite eleitoral em Bruxelas que é muito atípica, tendo em conta que "alguns dos candidatos estão no exílio e outros ou estão ou estiveram na prisão", afirmou Juan Maria Piqué, considerando que "isto indica que não houve igualdade de condições". "Estas eleições não cumprem nenhum dos requisitos da Convenção de Veneza, para serem consideradas umas eleições justas", acrescentou, avisando que "isto vai ser denunciando constantemente".

O homem que tornou possível a candidatura de Puigdemont a partir do estrangeiro denunciou ainda "o enorme gasto económico de alguns partidos", referindo-se especialmente ao Ciudadanos, "que inundaram a Catalunha com a sua propaganda eleitoral".

"A nossa candidatura gastou menos de metade do limite que tinha autorizado. Estamos convencidos de que há outros partidos que ultrapassaram muitíssimo esse montante", disse ainda, frisando que "isso vai acabar por se saber".

Sobre a atuação do governo de Madrid, Joan Maria Piqué entende que ficou provado que "a receita de Rajoy para resolver o problema foi um fracasso", tendo em conta que "o povo da Catalunha, uma vez mais, revalida a maioria independentista [e] isto significa que o governo espanhol, de uma vez por todas, tem de se sentar à mesa e procurar uma saída política para aquilo que é um conflito político".

João Francisco Guerreiro | Diário de Notícias

Catalunha | Cidadãos vence mas não impede maioria do bloco independentista

O Cidadãos, partido pró-Espanha, foi o mais votado nas eleições para o parlamento regional da Catalunha, mas o bloco independentista tem maioria absoluta.

É um resultado histórico para o partido liderado por Inés Arrimadas. O Cidadãos lidera os votos (27,41%) e consegue eleger 37 deputados.

O movimento de Carles Puigdemont, Juntos pela Catalunha, é o segundo mais votado (25,19%), com 34 deputados. Em terceiro, fica a Esquerda Republicana Catalã (ERC), com 23,70% dos votos e 32 deputados, seguindo-se o Partido Socialista Catalão, com 12,59% e 17 deputados. Os 5,93% dos votos valeram à coligação Catalunha em Comum - Podemos oito deputados e o Catalunha Unidade Popular (CUP) fica com 2,96% e quatro deputados. O grande derrotado da noite é o Partido Popular (PP) que conseguiu apenas 2,22% dos votos e três deputados.

Apesar da vitória do Cidadãos, os três partidos independentistas - ERC, Juntos Pela Catalunha e CUP - têm maioria absoluta, uma vez que somam mais de 68 deputados (70) num total de 135 lugares existentes no parlamento regional. Ainda assim, o número de votos dos partidos a favor da unidade espanhola é superior ao número de votos somados pelo bloco independentista.


Segundo indica o jornal catalão, houve uma taxa de participação eleitoral de 82%, quase 10 pontos percentuais superiores à da eleição anterior, de 2015. A abstenção saldou-se em cerca de 18%.

As eleições acontecem menos de dois meses depois de o primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, ter destituído o governo regional liderado por Carles Puigdemont, por ter feito uma tentativa de secessão da Catalunha.

O ex-presidente catalão acompanhou a noite eleitoral no centro de convenções de Bruxelas, onde se encontra desde a declaração unilateral de independência, juntamente com quatro antigos membros da Generalitat (governo catalão).

Rita Salcedas, com Lusa | em Jornal de Notícias

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