O que parece existir é uma clara
intenção de cassar os direitos políticos com o objetivo de neutralizar o
adversário, e este adversário se chama Luis da Silva Lula.
Marilza de Melo Foucher* –
de Paris | Correio do Brasil
Muitos artigos já foram escritos
sobre a condenação de Lula sob o ponto de vista jurídico que atropelaram as
regras do processo penal. Como não tenho formação jurídica, restrinjo-me às
reflexões de ordem política e ao perigo que representa a volta de um estado de
exceção.
Seria redundante repetir o que os
mais renomados juristas internacionais e brasileiros já escreveram sobre o
julgamento de Lula. Houve uma percepção de que se tratava de interferência
política no judiciário com a finalidade de inabilitar a candidatura de Lula,
tendo em vista que não há prova para condenação pelo crime de corrupção e não
há sequer embasamento jurídico para penalidade de crime de lavagem de dinheiro.
O que parece existir é uma clara
intenção de cassar os direitos políticos com o objetivo de neutralizar o
adversário, e este adversário se chama Luis da Silva Lula. Isto caracteriza as
praticas de regimes autoritários. Sabe-se que uma democracia não pode conviver
com juízes que praticam o “lawfare” como ficou evidenciado.
Ruptura dos direitos fundamentais
O judiciário brasileiro
ultimamente vem brincando com fogo, ao consolidar uma ruptura dos direitos
fundamentais. O ex-prefeito, ex- governador, ex-ministro do governo Lula, Tarso
Genro, que é jurista, escreve no seu ultimo artigo: “A exceção se infiltra, politicamente,
nos órgãos jurisdicionais, quando estes “partidarizam” as suas posições, ou
seja, se tornam “parte” posicionada de forma “aberta”, no contencioso político.
O Desembargador Victor Luiz dos
Santos Laus proferiu o voto mais consequente e transparente da histórica
sessão, quando disse: “aqui não interessa o jurídico”. Segundo Tarso Genro,
numa linguagem não-técnica, acessível ao cidadão comum, o desembargador explica
as finalidades do poder punitivo do Estado. Reportava-se ele não às provas constantes
do processo – o que seria o “jurídico” – mas às informações sobre o caso, que
circularam como verdades absolutas na grande mídia. Com o julgamento arbitrário
do Presidente Lula, os juízes brasileiros legitimam assim, um conjunto de
práticas jurídicas perigosas que criam um estado de exceção próprio de regimes
autoritários.
Desde a destituição ilegítima de
Dilma Rousself da Presidência da Republica, o juiz Sérgio Moro e sua equipe,
com a aprovação da maioria dos membros do STF, passou a tratar o ex-Presidente
Lula como um inimigo político, e, não como um cidadão, que tem direito a um
conjunto mínimo de direitos, a uma proteção jurídica mínima. Há tempo que os
juízes, promotores, procuradores, desembargadores buscam por meio do judicial
derrotar politicamente Lula e o PT. Sabe-se que a função jurisdicional e
policial não é para ser exercida de modo partidário e nem com paixão, mas com
racionalidade.
50 anos do AI 5
O ano de 2018 começa muito mal
para a democracia brasileira. Vale ressaltar, que este ano qualquer cidadã ou
cidadão brasileiro deveria reler o que foi o Ato Institucional número 5
decretado pela ditadura militar no Brasil. São 50 anos gravados na memória de
minha geração. Este ato vai instituir a censura, a tortura, a ilegalidade das
reuniões políticas, além de autorizar o fechamento do congresso, suspende o
habeas corpus por crime de motivação política dentre outros empecilhos aos
direitos de liberdade.
Impossível de não relembrar, que
a aplicação deste ato deixou marcas profundas na sociedade brasileira. Foi uma
terrível ruptura do processo democrático por um golpe militar, instalava-se no
Brasil um “Estado de Exceção” permanente. Daí não se pode cruzar os braços
diante do que vem acontecendo hoje no Brasil. Nada é mais letal para a
democracia do que a resignação dos cidadãos.
A minha geração têm dever moral
de ocupar as ruas, as praças, os botequins, as escolas, os colégios, as
universidades para explicar aos jovens o que significou o AI-5, o que
representa a perda de liberdades, e o que significa também parcialidade
judiciária diante do Poder Judiciário subjugado sob as botas dos militares e
hoje sob uma ideologia neoliberal.
30 anos da volta ao estado de direito.
Uma comemoração interrompida por dois golpes: parlamentar e judiciário.
Este ano de 2018 seria também, a
ocasião de relembrar os 30 anos da Constituição de 1988 que marcou a transição
de um Estado autoritário, intolerante e, muitas vezes violento, para um Estado
democrático de direito.
A Constituição de 1988 que seguia
sua maturidade institucional, depois de 24 anos de ditadura militar, garantindo
o retorno do Estado de direito vai ser interrompida com o golpe contra a
presidente Dilma Rousseff e agora golpe contra a soberania popular que impede a
candidatura de Lula e cassa seus direitos políticos, em um processo claramente
partidarizado. Assim, se encerra o ciclo de estabilidade política criado por
esta Constituição. Mais uma vez o estado de exceção vai golpear a democracia
brasileira.
A realidade é que mais uma vez
constatamos a fragilidade das instituições nacionais e o avanço novamente do
estado de exceção. Dessa vez, o Estado de exceção não é posto em pratica pelos
tanques militares, mas, pelo poder legislativo com a cumplicidade do poder
judiciário. O Brasil desliza em uma espécie de regime autoritário, cuja única
intenção é manter privilégios de uma casta ou de uma oligarquia.
Soberania
O que se destaca também neste ano
de 2018 é que a comemoração de 70 anos da Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (1948) tem um sabor amargo. Hoje a comunidade cientifica e acadêmica
assiste a falência dos centros de pesquisas, das universidades publicas, do
setor educacional em geral. O governo golpista e sua base parlamentar
inviabilizam o futuro do Brasil quando realiza o corte geral dos investimentos
e decreta a interdição, por 20 anos em investimentos públicos.
A falta de deliberação de
recursos compromete o incentivo à pesquisa e o funcionamento de centros e
laboratórios. Sem contar a redução do quadro de bolsas, sucateamento de
laboratórios e até mesmo projetos já aprovados estão tendo seus orçamentos
reduzidos. Os programas estratégicos, conduzidos nos institutos nacionais de
pesquisa e em universidades, correm sério risco. Dos 252 existentes, apenas 101
têm sido contemplados, segundo Lldeu de Castro Moreira, Presidente da SBPC.
Impossível não fazer um paralelo
com o ato institucional n°.5 da ditadura militar que interrompeu durante duas
décadas a expansão do pensamento cientifico e amordaçou a criatividade
intelectual, cultural, política e artística no Brasil.
Fraternidade
Hoje muitos cientistas estão
deixando o país em busca de condições de trabalho propícias, e esta fuga de
cérebros é uma ameaça à soberania nacional.
O que esta em jogo hoje é uma mudança radical de um projeto de sociedade que a esquerda timidamente tentou construir há mais de uma década.
Desde que Lula foi eleito que os
meios de comunicação no Brasil tentam interromper o projeto de sociedade
baseado em desenvolvimento inclusivo. Os representantes da Casa Grande nunca
quiseram a abolição da Senzala. Hoje eles estão a serviço dos neoconservadores
do judiciário para impedir que Lula seja eleito e retome o desenvolvimento
inclusivo.
Somente Lula com sua experiência
e consciente de seus erros e acertos pode devolver aos brasileiros a esperança
em dias melhores.
Dignidade humana
O Brasil hoje tem uma direita e
extrema direita organicamente articuladas para impor não só um modelo econômico
neoliberal ao Brasil, mas de executar sua ideologia. Ou seja, existe uma idéia
normativa que associa um projeto socioeconômico a regras e valores. Temos que
defender o que nos resta de um estado de direito e de um projeto de sociedade
baseada na fraternidade.
Onde um território tão vasto como
é o Brasil, possa ter um desenvolvimento territorial equitativo, dentro de uma
visão holística, integrada e articulada com todos os setores, levando em conta
sua diversidade cultural e sua biodiversidade.
O combate pela reconquista dos
direitos fundamentais passa também pela apropriação de uma concepção de
desenvolvimento isenta da ideologia neoliberal. Se não conseguirmos impedir a
evolução ditatorial do capitalismo financeiro e sua ideologia neoliberal,
torna-se impossível pensar em emancipação humana, na dignidade humana, na
justiça social e uma sociedade mais fraterna.
*Marilza de Melo Foucher é
economista, jornalista e correspondente do Correio do Brasil, em Paris.
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