Nos EUA, uma das mais desiguais
sociedades do mundo, mais de 46 milhões de pessoas recorrem diariamente ao
Programa de Assistência Nutritiva Suplementar para não passarem fome. Além de
pobres, são tratados com suspeita pelo bipartido que governa o país: os
democratas queriam obriga-los a fazer testes para detectar consumo de drogas,
partindo do princípio que gastam em droga o dinheiro que não têm para comer.
Com Trump, sofrem um novo passo atrás. A proposta de alimentação a fornecer não
contém um único produto fresco e não é passível de escolha.
Nos EUA, mais de 46 milhões de
pessoas recorrem diariamente ao cartão do Programa de Assistência Nutritiva
Suplementar (SNAP, na siga inglesa) para não passarem fome. A proposta de
Trump, apresentada na semana passada, é que os beneficiários dos food stamps,
como é conhecido o programa federal, não tenham mais a liberdade de escolher o
que comem.
A medida, que precisa ainda da
aprovação do Congresso, substituiria mais de metade do valor do SNAP por uma
«Caixa da Colheita da América»: um pacote com «leite, cereais para o leite,
massa, manteiga de amendoim, feijão, fruta enlatada e vegetais enlatados»,
tudo, fez saber a Casa Branca, «cem por cento cultivado e produzido nos EUA» e
zero por cento fresco.
Esta foi a forma do governo do
país mais rico do mundo dizer a 50 milhões de pessoas que não têm o direito de
comer fruta nem vegetais frescos. A mensagem para os beneficiários do SNAP,
dois terços dos quais são crianças, idosos ou pessoas com deficiência, é que
não têm direito a tomar decisões sobre a sua própria alimentação porque os
pobres só precisam de «leite, cereais para o leite, massa, manteiga de
amendoim, feijão, fruta enlatada e vegetais enlatados». Toda uma declaração de
guerra. Não à pobreza, mas aos pobres.
A proposta vem a coberto de uma
campanha mediática que procura associar o SNAP à preguiça dos seus
beneficiários, à compra de produtos indecorosos à pobreza honesta, como bifes
de vaca, e à revenda dos alimentos comprados. Estatísticas do governo federal,
porém, situam as situações de fraude no limiar dos três por cento e revelam
que, entre os adultos em idade activa, 58 por cento trabalha e 82 por cento
trabalhava até há um ano.
Querem tudo e lutam por tudo
É provável, no entanto, que a
«Caixa da Colheita» seja mais uma cortina de fumo: em anos anteriores, os
democratas propuseram testes de urina mensais para garantir que os
beneficiários dos food stamps não consomem drogas e os republicanos sugeriram
que o cartão não permita comprar bifes, só para citar alguns exemplos. Em ambos
os casos, as propostas morreram no Congresso, mas serviram para criar um
ambiente político propício ao desinvestimento público no SNAP.
A suspeita ganha força se
considerarmos o corte de 218 mil milhões de dólares que Trump quer fazer em
programas de assistência alimentar até 2028, incluindo um corte de 30 por cento
no SNAP já em 2019. Deixando cair a proposta da «Caixa da Colheita», a poupança
seria alcançada introduzindo novos e mais elevados requisitos para aceder ao
SNAP. À semelhança do que está em cima da mesa do Medicaid (programa federal de
acesso a cuidados de saúde para os mais pobres), para conseguir food stamps
seria necessário, para além de auferir um rendimento muito baixo, fazer
voluntariado, não rejeitar propostas de trabalho independentemente das
condições, fazer prova de candidaturas de emprego, trabalhar mais do que 7
horas por dia e enfrentar um pesadelo burocrático.
De uma ou de outra forma, a
guerra contra as camadas mais empobrecidas da classe trabalhadora
estado-unidense está a entrar numa nova e temível fase em que até os direitos
aparentemente mais simples e irreversivelmente adquiridos, como poder comer
fruta e vegetais frescos, se revelam alvos a abater na liça da luta de classes.
*O Diário.info
*Este artigo foi publicado no
“Avante!” nº 2308, 23.02.2018
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