Sete das 13 escolas do Grupo
Especial carioca escolheram enredos de cunho político-social.
João Soares*
A folia que toma conta do Rio de
Janeiro é marcada por uma forte politização, no Sambódromo e
nas ruas. Na avenida, será a mais intensa observada em quase três décadas.
Entre as 13 escolas de samba do Grupo Especial, a elite do Carnaval carioca,
sete irão apresentar enredos de cunho político-social.
Enquanto a Beija-flor lembra os
"filhos" abandonados pela pátria, a Mangueira exalta a cultura
de rua como expressão não alienada. A São Clemente, por sua vez, lembra o
incêndio no prédio da Escola de Belas Artes da UFRJ, ainda sem solução. O
desfile do Grupo Especial começa na noite de domingo 11.
Vencedoras da edição anterior,
Mocidade Independente e Portela bradam contra a intolerância e reivindicam a
integração entre os povos. Já o Paraíso do Tuiuti lembra as novas formas de
cativeiro, ao passo que o protagonismo das mulheres negras é tema central na
escolha do Salgueiro.
O último boom de
enredos politizados havia sido observado na redemocratização, período que tem como
marco o tema escolhido pela Imperatriz Leopoldinense em 1989. Com
"Liberdade, liberdade, abre as asas sobre nós", a escola exaltava os
100 anos da proclamação da República.
Pesquisador do Carnaval, o
historiador Luiz Antonio Simas esclarece que a festa sempre reflete a
conjuntura do país ou da cidade: "É uma festa tensionada. Na época da
abolição, os Carnavais abordaram o tema com muita força. O mesmo aconteceu
durante a Segunda Guerra Mundial."
A politização dos enredos neste
ano ocorre justamente após um corte de 50% na verba destinada pela
prefeitura do Rio às escolas. Em vez de R$ 2 milhões, cada escola passou a
receber R$ 1 milhão anual.
Na época da redução, o prefeito Marcelo Crivella argumentou que o
dinheiro poupado poderia ser usado para a alimentação de crianças nas creches
do município em 365 dias do ano, em vez de numa festa que dura apenas três
dias.
A decisão inspirou o carnavalesco
da Mangueira, Leandro Vieira, a idealizar o enredo "Com dinheiro ou sem
dinheiro, eu brinco" para este ano.
"A motivação é o avanço do
pensamento conservador na política nacional, que ficou evidente no Rio com a
chegada do Crivella à prefeitura. Existe uma tentativa de enfraquecer as
manifestações culturais da cidade, e o enredo é uma resposta a isso. É um
posicionamento político as escolas desfilarem neste ano", afirma.
Simas, por sua vez, ressalta que
a crise das escolas é bem anterior ao início da atual gestão municipal. "A
partir dos anos 1960, elas começam a se virar para a indústria do turismo e
entretenimento. Esse movimento chega a um ápice 30 anos depois, com os enredos
patrocinados. Assim, foram perdendo as relações de afeto com a sociedade",
diz o historiador.
O historiador acrescenta que, em
um contexto de crise econômica e sem o apelo popular de outras épocas, as
agremiações se viram obrigadas a buscar uma reaproximação de suas bases.
"É a única forma de recuperarem o protagonismo. Paradoxalmente, a crise
pode salvar as escolas."
Todavia, seria um engano pensar
que a politização continuará em alta nos enredos dos próximos carnavais.
"A cultura da malandragem não é do enfrentamento. As escolas sempre
negociaram com as circunstâncias, desde 1930. Uma escola que traz um enredo de
cunho social neste ano pode falar de uma empresa de tubulação no próximo
Carnaval", diz Simas.
Humor como forma de protesto
No Carnaval de rua, a politização
da festa já é sentida há mais tempo. Blocos com décadas de tradição, como
Simpatia é Quase Amor e Barbas, foram criados no contexto da redemocratização,
assim como a Sebastiana, associação que reúne blocos da Zona Sul e Centro do
Rio.
Em 2014, na esteira da
efervescência de junho do ano anterior, foi criado o Ocupa Carnaval, movimento
que reúne 35 blocos do Rio e desfila em dois dias da festa com seu próprio
cortejo. Todos os anos, paródias de marchinhas tradicionais são atualizadas
para o contexto político do momento.
"Por meio de brincadeiras
lúdicas, que aproveitam o humor, a arte e a alegria, fazemos política. Reunimos
coletivos que veem no Carnaval um meio de lutar contra a mercantilização da
cidade e defender a ocupação das ruas", explica Tomás Ramos, saxofonista
que toca em diversos blocos da cidade.
A presidente da Sebastiana,
Rita Fernandes, identifica uma politização mais forte dos blocos neste ano,
fruto da situação política nacional e regional. Além das reivindicações contra
todas as formas de intolerância e pelo direito de ocupar as ruas, a associação
levanta a bandeira "Fora, Crivella" neste ano.
"O Carnaval de rua corre o
risco de acabar no Rio. Organizamos os blocos por amor à festa e à cidade, não
somos profissionais. Fomos proibidos de ter patrocinadores que não sejam os
oficiais do evento, e o endividamento está no limite do impossível. Além disso,
não há diálogo com a Riotur [Empresa de Turismo do Município]", critica.
Fernandes diz que só foi
convidada para uma reunião com a Riotur para discutir o Carnaval deste ano.
Procurada, a assessoria do órgão alega que foram realizadas mais de dez
reuniões entre a Riotur e a representante da Sebastiana durante o período do
pré-Carnaval, assim como encontros com outras associações de blocos.
"Não é não"
A tendência global de
mobilizações femininas pela conscientização sobre o assédio contra a mulher encontra ressonância
no Carnaval de rua do Rio. Desde o ano passado, o coletivo "Não é
não" distribui tatuagens temporárias às foliãs com a frase que dá
nome ao movimento. No ano passado, três mil foram entregues na cidade.
Neste ano, foi organizado um
financiamento coletivo, e o número de tatuagens subiu para 27 mil. Além disso,
a campanha foi expandida para Bahia, Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo
e Pernambuco.
"A escolha da
tatuagem em vez do adesivo serve para mostrar que o assédio é sentido
na nossa pele. Nosso objetivo é conscientizar, mas também formar uma rede de
apoio entre mulheres", diz Luka Borges, uma das idealizadoras da iniciativa.
"Tivemos a ideia quando uma amiga foi assediada em uma roda de samba e
percebemos que todas tínhamos um caso, mas não falávamos sobre isso."
No ano passado, as denúncias de
violência sexual aumentaram em 90% na cidade. Por isso, a Comissão de Defesa da
Mulher na Câmara dos Vereadores do Rio criou a campanha #CarnavalSemAssédio.
Serão distribuídos 250 mil leques de papel com a mesma mensagem inscrita nas
tatuagens.
"No verso, há um passo a
passo sobre como proceder em caso de assédio. O público-alvo são as mulheres,
mas a ideia é alcançar os homens também. A gente não rompe com esse processo de
machismo se não dialogar com eles. Pensamos no leque pela utilidade prática no
verão carioca”, detalha Marielle Franco, presidente da Comissão.
Deutsche Welle
| em Carta Capital
Imagem: Após ausência no ano passado,
Crivella marcou presença na entrega das chaves da cidade para o Rei Momo |
Foto: Mauro Pimentel/AFP
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