Miguel Guedes | Jornal de Notícias
| opinião
Pode dizer-se que todos os
sindicatos têm espinhos e que todas as organizações devem crescer entre a areia
na engrenagem, sem meter muita água. É verdade que a ausência de unidade
sindical pode virar vários bicos aos pregos mas daí a travestismos vai um grande
e pouco folgado passo. Porque vai à dignidade, ao valor do trabalho, porque vai
à vida das pessoas. Quem vir, ouvir ou ler as declarações deste último mês de
Carlos Silva, secretário-geral da UGT, tem todas as razões para duvidar dos
sentidos. Desde logo, do sentido da própria central sindical, ainda antes de
marcar os seus exames pessoais de percepção.
A propósito das alterações à Lei
do Trabalho, Carlos Silva defende um serviço de cirurgia tão minucioso que se
confunde com alta relojoaria sem horas extraordinárias ou com um qualquer
representante do patronato a contas com relógio de ponto. Entre críticas à
falta de Concertação Social no debate sobre o salário mínimo, entre a sátira
das "batatinhas" que a UGT não dará aos patrões enquanto estes se
quiserem entender com outros, entre o fel contra o demónio da "Esquerda
radical" que agita como outros acenaram com a vinda do Diabo, Carlos Silva
é mais o reflexo de Teodora Cardoso ou a ilustração lusitana de Schauble do que
o espelho dos trabalhadores que diz defender. A tese do bloco operatório. Horas
extraordinárias, as que se vivem na UGT.
Antes das reflexões sobre
cirurgia, logo após ser recebido pelo presidente da República, Carlos Silva
afirmou que irá pedir uma reunião à Administração da Autoeuropa e que será
apresentada uma proposta de acordo de empresa. Certamente não contraditória com
o temor reverencial demonstrado, dias atrás, nas jornadas parlamentares do CDS
em Setúbal: "Era importante que os trabalhadores ficassem cientes de que
ou há estabilidade interna na empresa ou corremos o risco dos alemães perderem
a paciência". Ao lado de António Saraiva, presidente da CIP, o
secretário-geral da UGT não deixou de sacar do papão alemão para demonstrar
como os novos horários da fábrica de Palmela podem deslocalizar o trabalho para
países periféricos. Sobre as razões dos trabalhadores, nada, manipulados que estão
por "agitadores profissionais". Sobre as exigências patronais, só
recomendações sobre o cuidado que há que ter ao dobrar a espinha.
Quando um dos patrões da
"Padaria Portuguesa" defendeu a tese de que o "espírito de
equipa vale muito mais do que o salário base", entre outras pérolas do
século XIX sobre a flexibilização da contratação, despedimento, pagamento
acrescido das horas extraordinárias e a prisão das 40 horas de jornada laboral,
caíram bolos-reis no lixo mais o Carmo e a Trindade. O que pensará Carlos Silva
da "Padaria Portuguesa"? Herman José eternizou com propriedade a
expressão "Eu é mais bolos", expressão maior do personagem José
Severino. Afinal é sindicável.
O autor escreve segundo a antiga
ortografia
* Músico e jurista
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