Em 13 de Março de 1964, João
Goulart fala no Comício da Central e defende as Reformas de Base. Dezoito dias
depois, estaria deposto
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Num país dividido em Casa Grande
e Senzala, poucos governos ousaram elevar salários e cobrar impostos dos ricos.
Nenhum deles permaneceu de pé
Róber Iturriet Avila e Pedro
Vellinho Corso Duval | Outras Palavras
As destituições presidenciais
ocorridas em 1964 e 2016 possuem distinções em termos de método,
instrumento e velocidade. Um olhar mais cuidadoso, entretanto, é capaz de
identificar nestes epifenômenos causalidades nos interesses políticos dos
respectivos grupos sociais representados e contrários aos então presidentes.
Este breve texto, de forma simplificadora, busca quantificar e qualificar
algumas dessas causas através da variação real do salário mínimo, da incidência tributária e das políticas sociais distributivistas
interrompidas ou restringidas.
No curto espaço de tempo da forma
de governo presidencialista da gestão de João Goulart, houve a proposição
das Reformas de Base. Nelas, estavam incluídas as seguintes
reformas: agrária, bancária, fiscal, educacional, urbana e administrativa. Tais
proposições alterariam com profundidade o quadro de distribuição de renda no
País.
A reforma agrária previa a
autorização de desapropriações, para que a terra servisse a sua função social,
ampliaria os direitos do trabalhador rural e permitiria o fortalecimento
sindical. Já a reforma bancária tinha o intuito de ampliar a concessão de
crédito. A reforma educacional almejava a valorização da magistratura e a
erradicação do analfabetismo. A reforma urbana visava diminuir a especulação
imobiliária e o déficit habitacional.
A reforma fiscal, entretanto,
parcialmente implementada, possuía impactos redistributivos relevantes. Além da
ampliação da alíquota máxima de imposto para a faixa de 65%, havia previsão de
impostos sobre ganhos especulativos de imóveis, implementação de tributos
diferenciados de acordo com o setor das empresas, estímulo à reinversão de
lucros, etc. Aliada a esses fatores houve uma valorização real do salário mínimo,
em 18,76%. Esse foi um dos fatores de instabilidade do governo Goulart,
que encontrava crescente resistência dos grupos econômicos dominantes (SOUZA,
2010; MOREIRA, 2011). O governo subsequente, de Castelo Branco, reverteu
rapidamente as políticas implementadas por Goulart.
Na destituição de 2016 é possível
elencar semelhanças e diferenças. Sabidamente, as gestões petistas tinham seu
elo fundador nas políticas sociais que visavam à redução das desigualdades do
País. Seja através da valorização real de 90,55% do salário mínimo, seja
através de políticas sociais como: minha casa minha vida, farmácia popular,
cotas sociais e étnicas nas universidades, bolsa permanência a estudantes
carentes, programas de agricultura familiar, bolsa família, etc.
Na área fiscal, o governo Lula
tentou realizar uma reforma tributáriano seu primeiro ano de governo. Dentre as
propostas, havia a ampliação de impostos sobre doações, heranças e sobre a
aquisições de imóveis. Contudo, o projeto encontrou resistências no Congresso
Nacional, especificamente nos grupos empresariais e conservadores. (SALVADOR,
2014).
O governo Dilma acenou para volta
da tributação sobre os dividendos e para o aumento das alíquotas do imposto
sobre heranças e doações, além de tentar instituir a taxação sobre grandes
fortunas e retomar a CPMF. Esses acenos nunca foram encaminhados ao Congresso
Nacional, motivada pela sinalização de que não seriam aprovados.
Ambos os governos conviveram com
a desaprovação dos grupos sociais de renda mais elevados, não apenas por
desgostarem das políticas, mas fundamentalmente porque os ganhos sociais
representam a redução relativa da apropriação de renda das camadas superiores
e, eventualmente, redução do lucro empresarial. O Gráfico 1 (logo abaixo)
explicita uma trajetória de elevação da participação dos salários no PIB a
partir de 2004 e, consequentemente, uma queda do excedente operacional bruto
sobre o produto no mesmo período.
Nota: Foram excluídas as receitas
governamentais e o rendimento de autônomos. No rendimentos do trabalho foram
inclusas contribuições sociais
A variação do salário mínimo tem
relação direta com o aumento dos ganhos sociais. O gráfico 2 indica a
concomitância dos valores salariais elevados e acentuados conflitos políticos.
No governo de Castelo Branco, posterior ao golpe, a variação real do salário
foi negativa. Houve queda de 36,03%. No governo de Michel Temer, a variação do
salário mínimo seguiu a regra previamente estabelecida, mas a reforma
trabalhista implementada rebaixa os ganhos dos trabalhadores, uma vez que
viabiliza uma jornada de trabalho menor do que 44 horas. Adicionalmente, é uma
clara precarização das relações de trabalho.
Cabe destacar que ambas
destituições tiveram aberto apoio de grupos empresariais, dos grandes grupos
midiáticos, das federações de bancos e das agremiações ruralistas — em um
termo, das elites. As políticas regressivas adotadas nos governos sem a
legitimidade das urnas, mas apoiados pelas elites, demonstram a dificuldade
desses grupos conviverem com políticas distributivistas. Fenômeno mais intenso
do que em países desenvolvidos, os quais possuem, em sua maioria, políticas fiscais e sociais mais redistributivistas. Além
de mais conservadora, a elite brasileira parece ser mais autoritária,
dispensando a democracia em momentos que seus interesses estão em jogo.
Gráfico 2 – Variação real do
salário mínimo 1940-2018 e destituições de João Goulart e Dilma Roussef
Nota: A preços de 2018,
deflacionado pelo INPC. Elaboração própria
Do ponto de vista do método, é
também possível identificar semelhanças em meio às diferenças. Quando o retorno
do capital é ameaçado, há uma rápida articulação entre grupos empresariais,
midiáticos e amplos setores da classe média, que se mobilizam com a mesma
narrativa. Dessa forma, observa-se a técnica, bem-sucedida, de associar
governos moderados à esquerda radical, abrindo espaço à extemporânea retórica
anticomunista. O discurso anticorrupção se presta a conquistar corações e
mentes. Dessa maneira, nos termos de Santos (2017), tal método disfarça “que as
prioridades dos governos usurpadores não têm sido o combate a corrupção, mas,
isso sim, notável, a adoção de medidas estancando políticas favoráveis aos
destituídos”.
______________
Os autores agradecem as
contribuições de João Batista Santos Conceição, Pedro Sofiati de Sá e Mário
Lúcio Pedrosa, eximindo-os das posições aqui firmadas
______________
REFERÊNCIAS
MOREIRA, Cássio da Silva. O
projeto nação do governo João Goulart: o Plano Trienal e as Reformas de Base
(1961-1964). 2011. 406. Tese (Doutorado em Economia). Faculdade de Ciências
Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
SALVADOR, Evilasio. As implicações
do sistema tributário nas desigualdades de renda. 1. Ed. Brasília, 2014.
SANTOS, Wanderley Guilherme
dos. A Democracia Impedida: O Brasil no Século XXI. Rio de Janeiro: FGV,
2016.
* Róber Iturriet Avila e João
Santos Conceição
Róber Iturriet Avila (foto) é
doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professor da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos e pesquisador da Fundação de Economia e
Estatística. João Santos Conceição é graduando em Ciências Econômicas na
Universidade do Vale do Rio dos Sinos e bolsista da Fundação de Amparo à
Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul.
2 comentários:
Tanta pressa para encarcerar Lula e destituir Dilma, esta inocente de todo e qualquer crime. E então não há pressa para encarcerar mais ninguém, incluindo o arquicorrupto Temer?!
Tanta pressa para encarcerar Lula e destituir Dilma, esta inocente de todo e qualquer crime. E então não há pressa para encarcerar mais ninguém, incluindo o arquicorrupto Temer?!
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