Para “justificar” controle da
cidade, autoridades israelenses invocam suposto direito histórico. Inúmeras
pesquisas sugerem que sequer este argumento tem base real
Sayid Marcos Tenório | Outras Palavras
Nos últimos anos, a Organização
das Nações Unidas para Educação a Ciência e a Cultura – Unesco –, a Assembleia
Geral e o Conselho de Segurança da ONU aprovaram Resoluções em que reafirmam o
caráter de ocupante do regime de apartheid israelense nas cidades históricas
palestinas. As resoluções reiteram também que Jerusalém não faz parte de
Israel.
Jerusalém (Al-Quds), e as cidades
de Hebrón (Al-Jalil), o lugar de falecimento e onde está enterrado o profeta
Abrahão; e Belém (Bethlehem), a cidade santa onde nasceu o profeta Isa (Jesus),
foram declaradas mais uma vez como parte integral da Palestina.
É vasta a comprovação histórica
que afasta qualquer ligação das cidades palestinas com os atuais ocupantes
israelenses, ou com os antigos, citados nos livros sagrados e livros de
história, a maioria com narrativas falsificadas para beneficiar política e
historicamente os ocupantes sionistas.
As sucessivas resoluções da
Unesco representam a derrota da narrativa israelense de que aquelas cidades
históricas da Palestina pertenceram a um chamado “povo de Israel” mencionado na
Bíblia, mas que nenhuma relação guarda com os atuais ocupantes sionistas.
Israel sabe que, do ponto de
vista do Direito Internacional, da Carta das Nações Unidas e das dezenas de
Resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU, Jerusalém não
lhe pertence. Por isso insiste na falsa narrativa histórica, como forma de
ludibriar a opinião pública mundial e seguir em frente com a ocupação e
apartheid racista na Palestina.
Senão vejamos:
1) Jerusalém é parte integral da
Palestina e seus vínculos são milenares. Judeus jamais dominaram Jerusalém por
um tempo considerável. A insistência de Israel em tornar Jerusalém
a “capital unificada” da ocupação sionista na Palestina viola o direito
internacional e as diversas Resoluções da ONU. Como é possível que um punhado
de colonizadores europeus, utilizando uma suposta razão religiosa, invada,
saqueie, mate os verdadeiros donos da terra, utilizando como justificativa
estarem ungidos pelo mandado divino? Há seis mil anos a terra pertence ao povo
palestino.
2) Desde a Resolução nº 56, de 19
de agosto de 1948, até a Resolução 2334, de 23 de dezembro de 2016 – que não
foi contestada pelos Estados Unidos, o status internacional de Jerusalém é o de
cidade “Ocupada” pelas forças de Israel.
3) Jerusalém é um Patrimônio da
Humanidade e a terra em cujo solo estão os restos mortais de milhares de
profetas e lutadores por justiça. É a terra de Abraão, Moisés e Jesus. Cidade
sagrada para as três principais religiões abraâmicas. Seus quatro bairros
acolhem as comunidades cristã, muçulmana, judia e armênia, que habitavam há
séculos a cidade de maneira pacífica e tolerante, até a chegada e ocupação dos
sionistas.
A luta do povo palestino por sua
autodeterminação e a manutenção de Jerusalém como cidade sagrada para todos os
povos e capital da Palestina não é apenas uma questão de ordem política, mas de
ordem religiosa e sagrada para todos os muçulmanos, sejam sunitas, xiitas ou
sufis. A cidade é o terceiro lugar muçulmano mais sagrado, depois de Meca e
Medina. Foi a primeira quibla, o ponto para o qual os muçulmanos se voltam nas
cinco orações diárias. E para onde o profeta Mohamed fez a viagem noturna de
Meca à mesquita sagrada de Al-Aqsa, de onde ascendeu ao paraíso, até a presença
de Deus.
É igualmente sagrada para
cristãos, onde está localizada a Igreja do Santo Sepulcro, local de
crucificação e sepultamento de Jesus, e de sua ressureição ao terceiro dia de
sua crucificação e morte, depois de ter sido acusado pela elite judaica de
blasfêmia por se declarar Filho de Deus e sentenciado pelo procurador romano
Poncio Pilatos.
Arqueólogos israelenses como
Wanklestein e Yuni Mizrahi, e o professor da Universidade de Tel Aviv Rafael
Greenberg, afirmam que não há absolutamente nenhuma prova histórica da
dominação de judeus em Jerusalém no passado, a não ser os registros históricos
do Antigo Testamento, de tradução muitas vezes duvidosa, sobre a deportação dos
judeus da cidade e a sua peregrinação no deserto do Sinai. E vão mais além: não
há absolutamente nenhuma prova histórica e arqueológica da existência do templo
de Salomão no local onde Israel diz que se encontrava, ou sobre a vitória de
Josué, filho de Nun, na guerra contra os cananeus.
É sabido que o profeta Moisés
morreu no deserto sem conseguir chegar à Palestina e sem nunca ter ordenado a
seus seguidores o massacre de outras tribos ou o roubo de suas terras, como
fazem os israelenses atuais.
Informações arqueológicas têm
sido falsificadas em benefício do ocupante. Mesmo depois de anos de buscas
incessantes, Israel não tem como demonstrar nenhuma prova da posse da Cidade
Santa pelos judeus no passado. Não se tem evidência de nenhum objeto onde
esteja escrito “Bem-vindo ao palácio de Davi”, como tem afirmado a organização
direitista Al-Aad, que desenvolveu pesquisas sobre o assunto ao custo de
milhares de dólares, sem que as conclusões e provas tenham sido apresentadas
até hoje.
A libertação da Palestina é o
tema que tem a maior dimensão internacional, humanitária e civilizacional. É
uma necessidade da afirmação e do cumprimento do Direito Internacional, da
verdade e da justiça.
O povo palestino tem o direito
legítimo, garantido pelas normas e leis internacionais, de resistir à Ocupação,
ao apartheid e à limpeza ética, com todas as medidas e métodos. É um ato de
autodefesa e uma expressão do direito natural de todos os povos à
autodeterminação.
O respeito à justiça exige que se
cumpra com o direito ao Estado palestino totalmente soberano e independente,
com Jerusalém como sua capital ao longo das fronteiras de 4 de junho de 1967,
com o retorno dos refugiados e deslocados de seus lares, dos quais eles foram expulsos.
*Sayid Marcos Tenório é
historiador e secretário-geral do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL).
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