Paulo Baldaia | Jornal de Notícias
| opinião
O maior erro que se pode cometer
em política é pensar que o povo é estúpido, que confunde uma prestação de
contas com um ajuste de contas (1), que vota com a vontade dos outros (2) ou
que não percebe uma mentira com perna curta (3).
1. As memórias de Cavaco, que o
próprio apresenta como uma prestação de contas sobre o segundo mandato
presidencial, são um ajuste de contas com a história e com alguns personagens
políticos que dividiram o palco com ele. Mas só alguns, outros são ignorados
para que o povo esqueça o que possa o ex-presidente ter a ver com esses
assuntos. O BES, por exemplo.
A entrevista da SIC começa muito
bem com Clara de Sousa a citar o ex-presidente em janeiro de 2015: "Todas
as audiências são reservadas, quem fala com o presidente da República tem de
ter a absoluta certeza de que aquilo que lhe conta ele não vai dizer a mais
ninguém". Cavaco disse o que disse para nada ter de dizer sobre as
reuniões que teve com Ricardo Salgado. E no livro nada escreve sobre o BES e as
declarações abonatórias que fez sobre o banco, embora refugiando-se na
informação prestada pelo Banco de Portugal. Justifica este apagão na
"prestação de contas", alegando que não exercia funções financeiras.
Como se o facto de não exercer funções executivas o tivesse impedido de
criticar decisões do ex-ministro das Finanças Vítor Gaspar, ou do
ex-primeiro-ministro Passos Coelho. E como os portugueses gostariam que Cavaco
Silva tivesse prestado contas sobre o BES e os milhares de milhões de euros que
já custou aos contribuintes. E sobre o BPN. E sobre o quase colapso do sistema
financeiro que ainda hoje estamos a pagar.
Na TSF reconheceu o erro
(pasme-se!) de não ter previsto que o BE e o PCP se curvariam tanto perante o
pragmatismo contra a ideologia. O erro que ele não reconheceu foi o de que
perdeu muito tempo com uma questão ideológica, que era dele, e não dos partidos
que fizeram o acordo das esquerdas e que desde o primeiro minuto tinham
abdicado dessa luta pelo pragmatismo de não dar novamente o palco à Direita. O
que Cavaco quis foi espetar a faca no Bloco e no PCP, acusando-os de se
venderem por um prato de lentilhas, apenas porque este Governo demorou mais
tempo que todo o tempo que ocupou os pesadelos do então inquilino do Palácio de
Belém.
2. Da Esquerda e da Direita mais
moderada surgiram imensos democratas a rasgar as vestes pelo que o povo
brasileiro se preparava para fazer e acabou mesmo por fazer. Bolsonaro será
presidente do Brasil a partir do dia 1 de janeiro de 2019. Eu nunca conseguiria
votar Bolsonaro, mas não é muito difícil entender a razão que levou milhões de
brasileiros no Brasil a votar neste populista de Direita com tiques
ditatoriais. Uma economia que não ata nem desata, uma corrupção que se tornou
capaz de ser cada vez maior, a ponto de já não sobrar quase nenhum político que
não estivesse sob suspeita, e a insegurança, que faz do Brasil um dos países
onde é mais fácil morrer assassinado, são razões muito fortes para não querer
nada que cheire a continuidade. Diz-se que por lá o debate esteve muito
contaminado pelas "fake news", mas como se explica que o futuro
presidente do Brasil tenha tido taxas de aprovação muito superiores a dois
terços dos brasileiros que votaram em países como Portugal, Estados Unidos,
Japão, Suíça e Holanda? Nestes países, a campanha que existiu foi toda, ou
quase toda, contra Bolsonaro.
3. O ex-ministro da Defesa,
Azeredo Lopes, jurou a pés juntos que não sabia de encobrimento nenhum quando
lhe perguntaram sobre um memorando que a PJ Militar foi entregar ao seu chefe
de gabinete e que dava conta da encenação para recuperar as armas roubadas em Tancos. O
primeiro-ministro, António Costa, foi na peugada e assinou por baixo. Azeredo
Lopes podia ter respondido de imediato da mesma forma que o seu ex-chefe de
gabinete: "recebi o memorando, mas no memorando nada indiciava um
encobrimento". Tentou tapar o sol com uma peneira e agora todos queremos
saber se também foi esse o caso do primeiro-ministro. Ok, Costa não sabia do
encobrimento ou encenação, mas desde quando é que sabe que o ministro recebeu o
memorando? Em alguma das vezes que nos disse que sabia o mesmo que nós, já sabia
que Azeredo tinha recebido o famoso documento?
*Jornalista
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